O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

O INF-CANTO II

UMA VOZ VINDA DAS SOMBRAS

Depois da invocação às musas, Dante considerando a sua fraqueza duvida de aventurar-se na viagem. Vergílio porém, dizendo que Beatriz foi quem o mandara e que havia que se interessava pela sua salvação, determina-se a seguí-lo e então com o seu guia entra na difícil estrada.
Texto do Tradutor.


Terminara o dia; sob a névoa da noite, todos os animais da terra estavam adormecidos; somente eu velava. Preparava-me para a batalha, assim como o artista se prepara para pintar de memória a Piedade, procurando não errar em nenhum detalhe. Então falei para mim mesmo: "Que o pai de Silvio (Eneias) tenha sido levado aos infernos de corpo e alma pois assim quis o Eterno que inimigo é de todo o mal, sendo isto permitido por justa causa por tratar-se do homem que buscava construir a glória de Roma e de seu Império, que seriam na verdade, lugares santos, destinados pelo Céu ao trono de São Pedro e de todos os Pontífices, por esse motivo pode ter sido aceito. Lá esteve também Paulo ainda em vida buscando confirmação em sua fé, princípio este decisivo para o caminho da salvação... E eu, por que irei? Quem exige de mim tamanha e tão penosa jornada? Por acaso sou eu Enéias ou Paulo? A essa aventura, nem eu nem ninguém acredita me tenha sido imposta. Receio pois seja um ato de loucura aceitar eu resignado essa aventura!" Mas logo em seguida voltando-me para o Poeta, digo: "És sábio; esqueça então o que digo em momento tão aflito". E a cada nova idéia que à minha alma se apresenta, ora ela aceita ora despreza, mostrando indiferença aos seus desígnios.
Assim acontecia comigo naquela tenebrosa encosta da montanha, porque pensando melhor rejeitava o propósito formado às pressas de abandonar essa missão; atitude essa que agora me desgosta. Então naquele momento, escutei do meu Guia a sua voz vinda das sombras;
"O que disseste compreendo; contaminado estás por desprezível sentimento que muita vez faz do homem alma covarde, desviando-o das ações honrosas qual sombra que ao corcel trava-lhe o trote". E continuou: "De repente senti que me encontrava sobre o Limbo; porém auxiliado fui por tão bela Dama, tão graciosa, que as suas ordens rapidamente obedeci; seus olhos brilhavam mais que estrela radiosa; com voz de anjo falou-me piedosa: "Cortês alma mantuana que ainda hoje no mundo grande fama gozas e enquanto ele - o mundo - existir mais famoso serás; um amigo meu que a sorte o desampara, teve seu caminho interrompido ao sopé da montanha; encontra-se lá cheio de medo e pretende voltar; pelo que fiquei sabendo lá no céu temo que já esteja tão perdido que tarde demais seja vir à socorrê-lo. Vai! Talvez com teu belo discurso conseguirás salvá-lo ainda do perigo. – ‘Sou Beatriz; enviaram-me ao que digo, do lugar aonde venho e voltar desejo; conduziu-me a isto o amor; portanto permita-me com ele ficares, que voltando eu ao meu Senhor, a todo o momento repetirei os louvores que a ti é merecido’. - Então, quando ela se calou eu disse: "Senhora da Virtude que sobre a lua vives, (Beatriz simboliza a teologia) e tanto auxílio tem prestado ao ser humano, prontifico-me a obedecer ao que ordenas e que obedecido já deveria ter sido sem demora! Dize-me porém, por que Senhora, deixastes o céu ao qual tanto anseias voltar e tenhas resolvido vir a este lugar? Respondeu-me: - “Se queres tanto ser esclarecido, te direi em frase breve: medo não tive de descer à essas trevas; somente as coisas recear se deve, quando a outrem prejuízo for; as demais, o temor coisa leve é. O Deus Soberano prestou-me grande favor ao consentir me auxiliares nesse terrível momento. No Céu há nobre Dama (Maria, mãe de Jesus) que se compadece do sofrimento humano e tanto ela implora que lá existe austero decreto repassado de ternura, sobre isto. Dirigindo-se ela a Luzia (Luzia simboliza a graça santificante) disse: "O teu fiel amigo corre tanto perigo, que a tua proteção o recomendo agora" Luzia que estava ao lado de Raquel (Raquel, filha de Labão e mulher de Jacó; simboliza a vida contemplativa) e que sempre inimiga do mal é, moveu-se até onde eu estava e disse-me apressada: "A Deus verdadeiro louvor, Beatriz, por que não socorres a quem tanto te amou e que somente por tua causa deixou desviar-se da boa estrada? Não vês que está sendo levado pela correnteza e ao mar não se atira por mortal temor? Não tem ele fugido da total destruição?" Ninguém vem procurando o que deseja como eu, tais vozes escutando; por isso deixei o meu trono, por confiar na eloqüência dos teus discursos e para glória tua e de quem te ouvindo esteja”. - Assim falando volvia ela à mim, o olhar cheio de lágrimas, mandando-me apressar e vir rapidamente. Por isso a ti vim como me foi por ela ordenado. Da fera te livrei quando tão perto da colina estava e teus passos impedia. Que fazer pois? Por que? Por que demonstra tanta fraqueza teu peito espavorido? Por que não sedes ao valor de tua alma quando és pela três damas protegido de tal modo que na coorte do Céu, por ti, a mim fazem que eu te proteja?"
Igual a flores que se abatem fechadas sob o frio da noite e, ao calor do sol se erguem sobre suas hastes tais como antes eram, assim meu valor se renova e fortalece; tanta coragem senti que, exclamei como jamais medo sentisse: "Ó Dama que compassiva me socorreste! E tu, que sua voz ouvindo, obedeceste às ordens com alegria e dedicação! Pelo que dissestes, me acendeste desejo tal de vir, que sou tomado ao propósito que antes me trouxeste". - continuei - "Segue, pois nosso querer está combinado; serás meu guia, meu senhor, meu mestre”
Moveu-se ele, e eu ao seu lado pelo caminho de vegetação alta e selvagem entrei.



domingo, 27 de setembro de 2009

O INF-CANTO I

PERDIDO NA SELVA ESCURA,
Dante anda errante durante toda à noite. Ao amanhecer começa a subir por uma colina, quando é impedido de passar pois a sua frente surge uma pantera, um leão e uma loba que o fazem voltar à selva. Aparece-lhe então a imagem de Virgílio que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá.
Texto do Tradutor


No meio da minha vida (35 anos) tendo perdido a verdadeira estrada, encontrei-me no meio de uma selva tenebrosa (simboliza a selva dos vícios) Me ficaram cuidadosamente guardadas na memória as coisas horríveis que existiam no interior dessa cerrada e escabrosa selva. Na morte, há pouco mais de veracidade mas, para narrar com clareza o que me foi apresentado e outras que vi, farei com toda a verdade. Contar como lá entrei não posso, pois um sono profundo me tomou os sentidos quando o bom caminho, abandonei. (O caminho da virtude) Estava eu a vagar pela densa e escura selva quando me vi cercado por uma colina onde em escuro e profundo abismo terminava. Então um pavor imenso me invade! Olhei para o alto e vi o planeta que recebe luz [a lua] e que certamente, em toda a parte vai me orientando; daí então o assombro que me invadia o peito naquela noite inquieta e atribulada foi desaparecendo. E, como quem sobre as ondas, já salvo, mas ainda medroso e ofegante olha o mar perigoso com o qual lutara, meu espírito que ainda tremia ansioso, volveu-se a olhar com atenção o espaço percorrido que homem vivo algum jamais atravessou vitorioso. Tendo já repousado o corpo exausto, segui pela base da colina adiante, com passos firmes. Eis que na subida, quase ao mesmo instante surge ágil e rápida uma pantera, (símbolo da luxúria e da fraude, principalmente em Florença) cujo pelo tinha malhas indefinidas. Não se afastava de ante mim a fera e de tal modo impedia o meu caminho que por vezes me fez querer voltar.
No céu a aurora já resplandecia; subia o sol rodeado de astros desde quando o Amor Divino, um dia, com tal perfeição movimento lhe foi dado. Diante desta obra prima, minha alma se encheu de esperança ante a fera de dorso alegre e mosqueado, agora doce mansa nessa hora amena. De repente surgiu um leão que novamente me encheu de pavor. De fronte erguida, com fome e raiva atroz; (símbolo da avareza e da incontinência, principalmente da Cúria Romana) aflito imaginei que fosse me atacar, pois com a sua simples presença, o ar parecia tremer. Eis que surgiu também uma loba que de tão magra espantava, mas, de todas as ambições estava cheia, sendo a causa de tanta miséria a tantos. Movia o cenho com tão intensa ira, que parecia querer entrar em minha mente enchendo-me de terror. Como o jogador que noite e dia perde espera ganhar mas ao contrário novamente perde e então rebenta em prantos e se angustia, assim me fez sentir a fera que não sossegava e ia aos poucos de mim se aproximando parecendo querer lança-me no abismo onde não há sol nem luz.
Quando ao abismo já ia caindo, vejo perto alguém com voz fraca e cansada pelo longo silêncio, querendo falar-me; assim que o vi nesse imenso deserto bradei esmorecido de medo: "Quem quer que sejas, sombra ou homem, tem compaixão de mim". [É o poeta Virgílio Marone, símbolo da razão humana]. "Homem não sou" - respondeu-me - " mas já fui. Tive pais lombardos na sempre amada Mântua. Em tempo muito distante fui filho de Júlio. Vivi em Roma quando sob o governo do bom Augusto, o que em diversos deuses erradamente acreditava. Poeta, decantei feitos do justo filho de Anquises, que conheci em Tróia, após a soberba Ilion ter sido incendiada. Mas, porque estás repleto de tristeza? Por que não retornas ao deleitoso monte de prazer que tens dentro de ti?"
"Ó Virgílio!" - falei envergonhado à fronte curvando - " És tu, aquela fonte que como rio caudaloso brota a eloquência? Ó dos poetas lustre, honra, eminência! Valham-me o longo estudo e o amor profundo com que em teus livros procurei ciência. És meu Mestre, o sem igual; és tu que unicamente me ensinaste o belo estilo que o mundo em ti tanto aprecia! Vês a fera que o caminho me é vedado; famoso sábio, socorre o perseguido que treme no pulso e nas veias, transtornado”! .
Compadecendo-se do meu pranto respondeu: "De agora em diante te convém outro caminho para sair deste lugar selvagem. A fera que te faz bradar desesperado não vai te deixar passar impunemente; tem tão má índole e tão furiosa é, que jamais sacia o apetite e, mesmo impando sente mais fome do que antes. A muitos outros animais se une e há de se unir, até ser por algum cão de caça levada à horrenda agonia. Quanto a ti nunca serás atraído por ouro ou poder. Terás por meta o saber, a virtude, o amor, sendo pessoa muito influente em Feltro e Feltro. [Montefeltro e Feltro] Serás da humilde Itália amparo forte; por ela Camila, a virgem, deu a vida e nela Turno, Euríalo e Niso encontraram a morte. Irás lançar-te no infernal assento o qual é por toda a parte repelido, porém serviu de transporte á Inveja. Agora, em tua defesa tenho a intenção de levar-te comigo; irei te guiando pela morada do eterno firmamento, onde entre gritos estridentes verás almas à muito em tortura tanta que, aos brados, suplicam morrer novamente. Verás outras alegres apesar da dura prova das chamas, pois esperam receber o gozo de Deus, como prêmio da felicidade eterna. Se queres ir até lá, um ditoso espírito melhor, te servirá de guia quando te deixar no Reino Glorioso. (É Beatriz; a mulher a quem Dante amou). O Imperador do Céu não consente que eu veja a glória da Sua cidade, pois estou sendo castigado pela minha rebeldia à Sua lei; em toda a parte Ele impera onipotente! Mas tem no Empíreo sua augusta sede; por Ele o eleito à glória se sente imensamente feliz".
"Poeta" - disse - "por esse Deus que jamais conheceste, rogo-te que eu seja afastado deste e de outro mal maior; que eu vá contigo até a Porta de São Pedro onde disseste seria eu conduzido e veja os maus a quem se houveste referido."
Moveu-se o Poeta e eu o segui.