O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 24 de outubro de 2009

O INF. CANTO XII

O Minotauro está de guarda no sétimo círculo. Vencida a ira dele, chegam os Poetas ao vale, em cujo primeiro compartimento vêem um rio de sangue fervendo, no qual são punidos os que praticavam violência contra a vida ou as coisas do próximo. Uma esquadra de Centauros em volta do pântano, vigiando os condenados, flechando-os, se tentam sair do rio de sangue. Alguns desses Centauros pretendem deter os Poetas, porém Virgílio os domina, conseguindo que um deles os escolte e transporte na garupa a Dante. Na passagem o Centauro que é Nesso, fala a respeito dos danados que sofrem a pena no rio de sangue.
Texto do Tradutor

"Vai, e serve-lhe de guia..."

O caminho para a descida era de difícil acesso e tão pavoroso que somente ao vê-lo causava medo, e me fez lembrar o enorme precipício existente do outro lado de Trento, sobre o Ádige, provocado por terremoto ou pesadas enxurradas. Olhando-se de cima, a ladeira era tão íngreme que descê-la, parecia-nos quase impossível; e à borda do penhasco em ruínas, montando guarda àquele lugar, se encontrava o pavoroso monstro nascido de falsa vaca. (O Minotauro, nascido de um touro e da falsa vaca Pisafa; foi morto por Teseu.) Apenas ele nos viu, começou a se morder furiosamente, como quem pelo ódio é devorado. Então meu sábio Mestre gritou-lhe: "Estás pensando que este que está comigo é o príncipe de Atenas, o que valentemente vencendo te arremessou ao solo, levando-te à morte? Vai-te monstro! Este jamais recebeu lições de tua irmã. Está aqui para ver o castigo que receberam os que são iguais a ti."
Qual touro que ao receber mortal golpe desorientado fica e não podendo correr, vacilante salta e cai, assim o Minotauro. Então meu Guia em meu socorro vem, gritando: "Corre, corre rápido para a entrada e desce, enquanto em convulsão ele se debate!" Então rapidamente descíamos àquela imensa ladeira forrada de pedras soltas, que sendo por meus pés calcadas movia-se, cedendo; e eu preocupado estava!
Disse-me então o Mestre: "Estás pensando no penhasco em ruínas e no horrendo monstro cuja ira já foi vencida. Deves saber que, da outra vez que desci ao extremo do Baixo Inferno, não vi esta rocha como estás vendo agora ; mas, pouco antes de vir, se bem me lembro, - quando Aquele tornou a cidade Dite a grande prisioneira lá no círculo sobre o Inferno, as profundezas deste vale tremeram tanto, que pensei estar o Universo novamente sentindo o ato de Amor da Criação, como alguns dizem ter a certeza de que ao caos, muitas vezes será transformado. Foi nesse instante que o velho penhasco se dividiu em vários pedaços, e ficou mergulhado nas trevas. Mas, olha o vale; não está distante o rio de sangue fervente, onde verás aqueles que cometeram violência contra os seus semelhantes”.
Ó louca ira, ó ambição, que na nossa curta existência nos incita e arrasta ao inferno, e para sempre nele nos submerge! Eis então que divisei um enorme fosso que abrangia a planície inteira, como já previra o Mestre. No lugar onde o penhasco sobressai, grande quantidade de Centauros correm agitando suas flechas, como faziam quando estavam vivos. Nos vendo descer em direção ao bando, três dentre eles nos apontavam os arcos se preparando para o arremesso. De longe, escutamos os brados de um deles que dizia: "Ó vós que aqui vieste dizei, qual o vosso castigo; falai daí ou serão disparadas as flechas!" Virgílio respondeu: "De perto, sem demora, nossa resposta será dada a Quiron. (Centauro morto por Hércules, quando do rapto de Dejanira.) E tu, estás sempre se dando mal com a pressa e a ira que de ti se apoderam" .
E tocando-me de leve disse: "Quem nos fala é Nesso, o que morreu por Dejanira; mas se vingou de quem lhe trouxe tamanha desgraça. Esse do meio que tem o olhar voltado para o próprio peito, foi escravo de Aquiles; é o famoso Quiron; o outro é Folo, que está sempre irado.” Uma quantidade enorme de Centauros, andava em volta do sangüíneo rio, flechando as almas que tentavam se aproximar das margens do horroroso líquido.
Chegamos perto daqueles monstros que rápidos se movimentavam. Quiron com a flecha afastou a barba que lhe cobria os lábios . Quando a larga boca tinha ficado livre da barba, falou aos companheiros: “Repararam no que vem por último? Onde ele pisa tudo se move! Nunca assim pés de morto tinham caminhado"! Então meu Guia que bem próximo a aquele ponto do centauro onde a parte animal se encontra com a parte humana, o agarrou dominando-o e falou: "! Ele está vivo! E vem comigo a visitar o vale maldito e escuro, pois alguém lá no Céu interrompendo os cânticos celestiais, me ordenou que o acompanhasse. Não é ele um ladrão, nem eu um espírito impuro; em nome do Poder por quem eu movo os meus passos, peço-te que envie algum dos teus, escolhido por ti, para nos mostrar a parte mais calma do rio por onde possamos atravessar, e no seu dorso preparado para voar, transportar este a quem eu guio, pois não sendo somente alma, por si só não pode voar". Quiron então, voltou-se à direita e ao feroz Nesso falou: "Vai e serve-lhe de guia. Cuida para que outro bando, o caminho não lhe atrapalhe".
Já havíamos partimos na fiel companhia costeando as sangrentas ondas quentes, quando ouvimos agudos gritos que ao ar subia. Vi padecentes submersos naquelas águas, até a altura dos olhos. Disse o Centauro: "São os tiranos e os que premeditaram assalto sangrento contra o próprio povo. Chora-se aqui por feitos desumanos. Aqui está Alexandre (Tirano de Fere, na Tessália, ou Alexandre de Macedônia) e também Dionísio, o que fez a Sicília gemer durante tantos anos. Aquela cabeça que vês de cabelos negros é a de Azzolino (Ezelino III de Romano, tirano de Marca Trevisana) e a de cabelos louros que ao seu lado está, é Obizzio d´Este, (tirano de Ferrara) de quem o pérfido enteado roubou-lhe a vida".
E o Poeta, a quem me voltei me disse: "Primeiro, dês atenção a ele; a mim é reservado o segundo lugar". Pouco além parou Nesso e nós subimos em suas costas; de cima podíamos ver um imenso grupo de espíritos que, estando nas sangrentas águas, mantinha toda a cabeça para fora; disse então Nesso, indicando uma alma que se mantinha afastada das demais: “Ali está uma que sob o olhar de Deus feriu um bondoso coração e que Londres ainda o venera”. (Guido de Monfot, que matou Arrigo, irmão de Eduardo I, rei da Inglaterra cujo coração foi colocado num monumento). Vi também umas que apenas o peito ou a cabeça, estavam fora daquelas águas ferventes. E muitas daquelas feições eu reconheci.
Chegamos a determinado lugar onde o leito do sangrento rio era mais raso e mal cobria os pés. Ali atravessamos sem dificuldade. "Nesta parte do rio o fervedouro é mais raso"; - disse Nesso - "porém na parte oposta até juntar-se à parte mais profunda e escura como já viste, é doloroso o castigo para os tiranos. Lá, a Divina Justiça castiga Átila, que foi açoite da terra; (Rei dos Unus, chamado de Flagelo de Deus"). Pirro, (filho de Aquiles, que matou Príamo) e dobrada é a agonia dos Rinier - de Pazzi e de Cometo - que, com grande crueldade fizeram guerra nas estradas como salteadores".
E, encerrando a conversa depois de ter atravessado o vale, se foi sobrevoando o rio tranqüilamente.

O INF. - CANTO XI

     

         O INFERNO - CANTO XI

O SÉTIMO CÍRCULO

Os Poetas chegam à beira do precipício onde se vê o sétimo círculo. Sufocados pelo mau cheiro que se levanta daquele inferno, param atrás do sepulcro do Papa Anastácio. Virgílio explica a Dante a configuração dos círculos infernais. O primeiro - que é o sétimo - é o círculo dos violentos. Como a violência pode dar-se contra o próximo, contra si próprio e contra Deus, o círculo é dividido em três compartimentos, cada um dos quais contém uma espécie de violentos. O segundo círculo, - que é o oitavo - é o dos fraudulentos. O terceiro - que é o nono – estão também os incontinentes e dos usurários. Depois seguem para o lugar de onde se desce para o precipício. Texto do Tradutor

Chegamos à beira de um horrendo precipício cujas grosseiras rochas formavam uma grande ladeira por onde poderíamos descer. Do fundo do abismo brotavam exalações tão fortes que fomos obrigados a nos proteger junto a um enorme túmulo onde na tampa estava inscrito: "Sou a sepultura do papa Anastácio a quem os erros de Fortino o desviaram do verdadeiro caminho." (O Papa Anastácio foi levado à heresia por Fortino,  diácono de Tessalônica,  por dizer que o Espírito Santo não procedia do Pai e que o Pai era maior que o Filho).

"Desçamos lentamente” - disse-me o Mestre - "assim o olfato se acostumando com o mau cheiro sentiremos menos sua ação impura”. Respondi: “Então Mestre, faça com que o tempo de espera não seja sem proveito".

Respondeu-me: “Certamente!.. Repare bem, ó filho, que no meio dessas rochas há mais três círculos  (7º, o 8º e o 9º círculos do Inferno) iguais ao que visitaste antes. Cada um deles está cheio de condenados pela mesma culpa, cuja origem é a injustiça porém, praticada de forma diferente, isto é: por violência ou por fraude. Para que bem os conheça assim que os veja, direi quais os crimes praticados e as dores que aqui se padece. Embora ambas despertem a ira Divina, a fraude, é  um ato desprezível praticado  por grande parte da humanidade; por isso o fraudador é punido pelo Céu com maior rigor, sendo ele colocado no lugar mais cheio de aflições, para sofrer maiores tormentos. O primeiro destes três círculos (que é o 7º do Inferno) é destinado aos violentos; é formado por três compartimentos, sendo cada um para cada  tipo diferente de violência: contra o próximo, contra si mesmo e contra Deus”.

“No primeiro compartimento estão aqueles que praticaram violência  contra o próximo ferindo-os com morte ou dor; também os que se apossaram de seus bens com violência física ou não. Os homicidas que usam de ferocidade e os  ladrões devastadores e agressores; todos permanecendo eternamente em terrível tortura, sem piedade”.

Continuou: “No segundo compartimento estão aqueles que cometeram violência contra si mesmos ou contra os próprios bens.

E ainda: “No terceiro compartimento estão os que praticaram  violência contra Deus, negando-O, blasfemando-O, menosprezando Sua Natureza e os Seus Dons e, tal como aconteceu à Sodoma são marcados com nefando sinal”.

E mais: “Nos dois últimos círculo estão os fraudadores. A fraude é cometida por traição à confiança conquistada (primeiro modo) ou por trama premeditada (segundo modo) e causa graves danos a quem desprevenido, com o fraudador se envolve. Quem pratica a fraude pelo segundo modo desfaz os laços fraternais do amor que é parte do ser humano. Fazem parte dessa laia imunda os hipócritas, os aduladores, os falsários, os enganadores, os cáften, os simoníacos (vendem de modo ilícitos as coisas sagradas ou espirituais) portanto recebe seu castigo nesse segundo círculo”. (Que é o 8º do Inferno).

“Trair a confiança conquistada destrói os afetos verdadeiros que são inspirados pela natureza, que é o princípio da mútua confiança em nossos semelhantes. Por isso esses traidores recebem o pior castigo no menor e mais apertado dos círculos (o 9º círculo) onde Dite (Lúcifer) tem o seu trono; lá, eles permanecem eternamente em terrível padecer”.

"Mestre," - disse eu - "expuseste com muita clareza teu pensamento fazendo-me compreender exatamente esse lugar de suplício e essa gente que nele está presa. Porém explique-me:  por que os irados que habitam a imunda lagoa, os luxuriosos que o vendaval acoita, os gulosos que a chuva de granizo e neve flagela, os  esbanjadores e os avarentos que se encontram em terrível disputa, não acenderam eles também a ira divina e não recebem seu castigo lá em Dite? E se não, por que então são castigados daquela forma?"

Respondeu-me o Mestre: "Estás delirando? Por acaso foram varridos de tua mente os sãos princípios a que estás habituado a seguir? Que rumo tomou tuas ideias? Esqueceste, porventura, a bem esclarecida lição da filosofia (Da Ética – de Aristóteles)? Ela ensina que são três as disposições que o Céu condena - malícia, bestialidade  e incontinência (incontinência = incapacidade de controlar os desejos ilícitos) sendo  essa última a que recebe castigo menos rigoroso. Se estás atento à essas verdades tão profundas, se lembras quem são aqueles que padecem lá, compreenderás então ser justo não sofrerem punição igual; porque sendo menos grave a culpa, punição menos pesada, recebem”.

Então falei: "Tuas explicações são como o Sol; iluminam meu entendimento e me fazem tanto bem que a dúvida se transformou em  encantamento. Tornando ao que disseste, peço explicar-me por que motivo, Mestre, a usura ofende tão gravemente à "Divina Bondade".

Respondeu-me: "Quem estuda filosofia tem aprendido que a natureza tem sua origem no Divino Intelecto e em Sua Arte. Na "Física", (também de Aristóteles) existe conhecido preceito o qual é necessário lembrar-te: "para fazeres qualquer coisa com perfeição, sempre que possível deves seguir a natureza - a mestra obediente, neta de Deus - se é permitido chamá-la assim. Se lembrado estás, no começo do "Gênesis" diz como devemos seguir com perfeição a natureza: “colhe o teu sustento de cada dia..." A usura escolhe caminho bem diferente; menospreza a natureza e não dá valor ao que ela ensina. - E continuou – “Agora andemos; é preciso continuar; já no horizonte surge Peixes, (a constelação dos Peixes) e sobre a Ursa (outra constelação)  a claridade já repousa (o dia estava clareando). E a rocha que temos de descer é muito longa ainda".

 

 

 

 

 


O INF. - CANTO X

 
O INFERNO. - CANTO X

"...É FARINATA ERGUENDO-SE DE SEU TÚMULO".

   Os Poetas caminham entre as tumbas onde estão penando os heresiarcas. Dante manifesta a Virgílio o desejo de ver os nelas estão sepultados e de falar com alguém. Nisto ouve uma voz chamá-lo. É Farinata deghi Uberti. Enquanto o Poeta conversa com ele, é interrompido por Cavalcante Cavalcanti, que lhe indaga por seu filho Guido. Continua Dante o começado discurso com Farinata, que lhe prediz obscuramente o exílio.
Texto do Tradutor.

Ainda no sexto círculo = Cemitério de fogo

Seguindo entre o muro e os padecentes Virgílio ia à frente e eu  o acompanhava. Então lhe perguntei:

         "Mestre  que  está  me  guiando por este terrível lugar que bem conheces, satisfaz o meu desejo de também conhecer tudo que aqui existe. Esses que estão nesses sepulcros podem ser vistos? Os túmulos estão abertos e não há nenhum guarda que os  proteja." Respondeu-me: "Todos esses túmulos serão fechados e lacrados  no dia em que, voltando de Jeová, os espíritos trouxerem o corpo que deixaram na sepultado Terra. Nesse terrível local se encontra Epícuro com todo o seu bando de discípulos que professaram a doutrina a qual diz que a alma morre juntamente com o corpo. Quanto ao desejo que revelaste, satisfeito serás não somente no que me pediste, também no desejo que  vejo oculto em teu pensamento." 

        Respondi-lhe: "Bondoso guia, não te expus o que desejo saber, porque tenho tido o cuidado de falar menos, como me recomendaste em outras ocasiões”.

        "Ó Toscano que, ainda em vida pudeste penetrar na cidade do fogo e és tão modesto! Detém-te um pouco se te for de agrado. Pelo teu modo de falar, a mim fica bem claro que nasceste na nobre pátria à qual, suponho ter sido muito prejudicado". Subitamente ouvi essa palavras, que saiam de um dos túmulos. Assustou-me tanto, que ao Mestre me acheguei espavorido. 

"Que tens!"–Tranquilizou-me Virgílio. "Repara; é Farinata erguendo-se de seu túmulo. Podes vê-lo, da cintura para cima”. (Farinata degli Uberti foi um dos mais importantes líderes dos guibelinos em Florença. Participou da sangrenta batalha de Montaperti onde os guibelinos massacraram os guelfos - partido da família de Dante) e retomaram o poder em Florença). Contudo eu já o fitava olhos nos olhos e ele altivo, levantava a fronte e o peito como desprezando o seu infernal estado. Por entre os túmulos, com presteza, o Mestre me levou direto ao vulto, dizendo-me: "Fala-lhe, mas cuidado com as palavras". 

Mal havia me aproximando do sepulcro olhou-me com gesto severo e desdenhoso disse: “Falas-me claramente quem foram teus  antepassados”.

 Desejoso em obedecer-lhe expus francamente o quanto sabia a respeito. Então ele arqueando as sobrancelhas com ar de desprezo disse;  "Dura guerra fez tua gente a mim, aos meus, ao meu partido; mas duas vezes eu os expulsei...” Respondi-lhe: “Se foram expulsos duas vezes, duas vezes souberam retornar; arte essa que os vossos nunca conseguiram aprender?” (Os ascendentes de Dante, guelfos, duas vezes foram banidos de Florença.)

 Ao lado de Farinata, surgiu então um outro vulto que somente o rosto mostrava; pareceu-me estar apoiado sobre os joelhos. Ansiosamente olhou ao meu redor para ver se alguém viera ali comigo; mas, perdida a esperança que o animava, em prantos perguntou-me:

 "Se desceste do teu alto posto por prêmio para vires ao reino inimigo, onde está meu filho, não veio contigo"? (Quem fala é Cavalcante di Cavalcanti, pai do poeta Guido Cavalcanti, amigo de Dante). Seu padecimento e sua voz me fizeram compreender de quem se tratava; assim pude dizer diretamente  o que sabia: "Não vim aqui por vontade minha; aquele que ali me aguarda é meu guia; aquele por quem vosso filho Guido não tenha dado o devido valor" (Dante diz que Guido não apreciava a poesia de Virgílio).

De repente o vulto ergueu-se gritando: “Porque dizes, tenha..? Ele não vive mais? O seu corpo, a terra já o consumiu? A doce luz do sol não mais ofusca seus olhos?" Como me demorei um pouco a responder à sua pergunta, tombou de costa e desapareceu entre as chamas.

Farinata continuava na mesma posição de quando a conversa foi interrompida; a fronte e o peito altivos, imóvel permanecia. E continuou: "Se por não conhecer a arte de voltar meu nome perdeu o brilho, isso me dói mais do que o tormento de estar nesse leito incandescente; porém a Soberana do inferno (Prosérpina, que aqui está representada pela Lua)  não terá mostrado cinquenta vezes a sua face acesa ao mundo antes de experimentares quanto essa arte pesa(Farinata prevê o exílio de Dante, antes de passarem 50 meses ou 4 anos). Antes que possas voltar à vida humana dizei-me: por que as leis que vêm do teu povo determinam tanto rigor contra os meus"? 

Respondi: "Pelo massacre que tingiu de sangue as águas do Arábia, (A Batalha de Montaperti - monte da morte: Uma das mais sangrentas batalhas de toda a história ocorreu quando o exército de Siena – cidade governada pelos guibelinos, enfrentou o exército de Florença – governada pelos guelfos. Do lado de Siena estava o guibelino florentino Farinata degli Uberti que estava exilado e pretendia recuperar o poder em Florença. A batalha durou do amanhecer ao pôr do sol do dia 4 de setembro de 1260. O exército guelfo era muito mais numeroso que o dos guibelinos mas estes eram mais agressivos. Um momento decisivo da luta ocorreu quando o guelfo florentino Bocca degli Abati traiu o seu próprio exército e junto com seus aliados, que esperavam o momento certo para atacar, voltaram-se contra os guelfos e deram uma vitória fácil aos guibelinos. Mas os guibelinos não ficaram satisfeitos. Foram atrás dos guelfos em fuga e os mataram cruelmente, mesmo aqueles que já haviam  se  rendido. O  resultado   foi   um  saldo  de  mais  de 10 mil  mortos,  que  banhou  o  rio  Arábia  de   sangue   (HistoryNet).  Então inclinando a cabeça suspirou e disse: “Não fui sozinho a essa batalha e certamente também não teria seguido os outros se não fosse por uma boa causa; porém, achei-me só quando o brado geral exigiu a ruína de Florença. A peito descoberto eu a defendi dos que desejavam sua ruína”.

Então bradei: “Que a paz esteja com teus descendentes”. E continuei: “Se bem compreendi, te é possível prevê o futuro; porém do presente ignoras tudo o que se passa". Respondeu-me: " Nos assemelhamos aos que têm defeito de visão (enxergam melhor de longe); vemos com mais nitidez os acontecimentos distantes. Quando estão perto ou no presente os temos, a clareza de Inteligência se apaga e o pouco que nos é permitido saber somos informados pelos que vão chegando. A nossa ciência depende do futuro; mas, um dia, quando a porta  do futuro for fechada, essa pouca luz se apagará em nós e não mais se acenderá". Repliquei então com a alma cheia de remorso: "Digas àquele vulto com quem a pouco eu falava, que o filho dele ainda tem morada entre os vivos; (Guido Cavalcante ainda está vivo) e se demorei a responder ao que me perguntava, é porque eu estava dominado pela influência da dúvida que foi dispersada pela vossa explicação".

Se bem que o Mestre pudesse me esclarecer, continuei rogando ao vulto a me dizer "quem são aquelas almas que o acompanhava". Respondeu-me: "Milhares estão aqui dentro, comigo: Frederico Segundo, e aquele cardeal... (Otávio deghi Ubaldini, também tido como herege) dos outros que não falarei”. E desapareceu.

Retornei ao sábio Mestre refletindo sobre o que tinha escutado nas últimas palavras de Farinata. Ele caminhava e enquanto adiante passava, me dizia: "Por que estás preocupado?" Então lhe contei tudo o que me inquietava. "Do que ouviste conserva na memória cada ponto!" Ordenou-me o sábio mestre e erguendo o dedo, continuou: ”Agora escuta bem! Quando estiveres diante da luz daqueles belos olhos que tudo tem presente, os momentos aflitos da vida irão ser revelando".

Então voltou-se à direita; e rápido deixando o muro conduziu-me por um atalho que descia ao hediondo vale onde terríveis vapores, exalava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


domingo, 18 de outubro de 2009

O INF. - CANTO IX

O INFERNO - CANTO IX

"...É O MAIS PROFUNDO E DENEGRIDO..."

    Dante pergunta a Virgílio se havia percorrido outra vez o Inferno; Virgílio responde que já percorreu todo o Inferno e narra como é. Quando na torre de Dite, se apresentam as três Fúrias e depois a Meduza, que ameaçam a Dante. Virgílio porém o defende. Chega um Anjo do Céu que abre aos Poetas as portas da cidade rebelde. Texto do Tradutor.

Ao ver Virgílio retornar fiquei pálido de medo porém tranquilizei-me ao perceber quão sereno ele estava andando lentamente.

De repente parou atento como quem procura ouvir algo, pois a escuridão e a névoa espessa impediam a visão; dizia para si: “É preciso não desanimar... senão... me foi prometido socorro... Oh! como está demorando a sua vinda!" 

Percebi que o sentido cheio de dúvidas das suas palavras apenas iniciadas, foram por outra ideia interrompido. Porém o que maior receio me causava era perceber nas reticências algo de grave. Então perguntei: "Já desceu ao fundo desse horrível lugar alguém do Limbo?"

Respondeu-me o Mestre: "Raras vezes aparece alguém percorrendo esses caminhos que levam  ao abismo.  É verdade que aqui já estive quando Éricton, bruxa que sabia coagir os espíritos a se ligarem aos corpos mortos, esconjurando-me, me enviou para cá. Isso aconteceu pouco tempo depois que as carnes me deixaram; por macabros rituais fui levado ao círculo onde Judas permanece, para de lá resgatar a alma de um dos condenados . (A alma de Virgílio já desceu ao mais profundo do Inferno acompanhado pela bruxa Éricton). Esse lugar é o mais profundo e denegrido e o mais distante do Céu . Por esse motivo é que conheço muito bem o caminho; esforça-te ó querido! Este pântano que horrível cheiro exala e circunda de tormento a cidade, sem coragem não conseguiremos  de nela entrar".

Não me lembro o que  ele continuou dizendo pois meu olhar estava atento ao cimo da torre chamejante onde apareceu de repente, três Fúrias, com horrendo aspecto tingidas de sangue e femininas no gesto e no semblante. Cada uma tinha em torno da cabeça, servindo-lhes de cabeleira serpentes com aspecto de cera. Virgílio reconhecendo nelas, as escravas da rainha da eterna dor  e do eterno pranto (Prosérpina), disse-me apontando cada uma com o dedo: "Preste atenção nas Eríneas(Eríneas ou as três Fúrias, filhas de Éribo e da Noite). A da esquerda é Megera; a que está à direta chorando é Aleto;  a que está no meio é Tisífone”. E assim dizendo, calou-se. As Fúrias com as unhas  rasgavam o próprio peito, batiam palmas  com tais gritos, que do Poeta me aproximei cheio de pavor.

 Elas então olhando-me gritavam: " Vem! Serás transformado em pedra por Medusa; o assalto  praticado  por Teseu não  foi  ainda  vingado”.  (Teseu desceu ao Inferno para raptar Prosérpina).  

          “Volta-lhe as costas; conserva-te de olhos fechados, pois se Górgona olhar firme em teus olhos, não tornarás mais à terra". (Górgona, rosto de Medusa que petrificava que a olhasse). Assim disse o Mestre virando-me para o lado oposto. E as suas mãos juntando-se às minhas que não eram suficientes, cobriu-me os olhos protegendo-me.

          Ó vós, que tendes uma inteligência saudável, buscai compreender
o sentido exato que se oculta no que estou narrando!

De repente, sobre as turvas águas retumbou violento estrondo. Tremendo, as margens sentiram os efeitos. Semelhava-se a impetuoso furacão que por aquecimentos contrários açoita impetuoso sem descanso, furioso fere a selva, quebra ramas, arranca flores, e entre nuvens de poeira, atinge feras, rebanhos e pastores.

Então o Mestre descobrindo meus olhos  disse: "Ergue o olhar agora, e fixa a vista até onde começa a espuma (o Rio Estige), e  a cerração está mais forte." Iguais a rãs que ao verem voraz serpente buscam refúgio no fundo do charco, assim  vi  as serpentes inimigas, todas desapareceram no meio das águas e cada qual no lodo entrou e se escondeu. Vi também milhares de espíritos fugindo, apavorados ante a linda imagem que atravessava as águas daquele rio, sem molhar os pés.

Movendo a mão esquerda, afastava a névoa escura que lhe estava ao redor. Só este cuidado que para ele era árduo trabalho, lhe altera a face pura. Acreditei ser ele enviado pelos Céus. Voltei-me a Virgílio e, mudo e quieto ao sinal que me fez, inclinei-me reverente. Então a angelical figura aproximou-se da entrada e ao leve toque de uma vara, abriu-se a porta da repugnante fortaleza.  Depois dirigindo-se aos terríveis demônios disse:

          "Ó turba desprezível que os céus de si a afastou! Donde vem todo esse atrevimento? Por que teimar em desobedecer a vontade do Altíssimo cujo excelso designo é sempre respeitado?  Cuidas   de  pôr  impedimento   ao   destino?   Não   basta  a intensidade do sofrimento a que estás submetida. Tendes na mente como guia a Cérbero, pois a ele assemelhais no aspecto e no querer”. (Cérbero, guardião do Inferno). Depois, em silêncio, pelo imundo lugar retornou caminhando despreocupadamente em meio àqueles, como se eles ali não estivessem.

      Aquele altivo e santo falar nos deu confiança. Não havendo mais impedimento, entramos e fomos em direção à cidade.  Sentia eu desejo de saber quais as dificuldades que ainda encontraríamos para transpor aquela fortaleza. Encontrando-me dentro, de imediato vi extenso campo de tamanho ilimitado, mas não sofrimento em demasia. Assim como em Arle onde o Ródano se transforma em brejo; também  em Pola, junto ao Guarnaro que faz fronteira com a Itália, (alusão aos túmulos romanos que são numerosos na Provença, perto de Arles; e também em Pola, na Itália) o lugar

por onde estávamos passando o solo estava coberto de sepulcros incertos e desiguais, porém de modo  mais  escabroso  pois entre eles, serpenteavam chamas que os abrasava mais que do que exige a arte para moldar o ferro. Com a tampa do sepulcro erguida, podia-se ouvir terríveis e permanentes gemidos.

"Ó Mestre" - perguntei - "quem foram eles e que crimes cometeram para terminarem assim em tormento sem descanso?" Respondeu: "Aqui estão os heresiarcas e seus seguidores; são mais do que podes imaginar e as tumbas estão cheias. Ali estão os iguais com seus iguais e padecem de acordo com a gravidades da heresia praticada; por isso alguns túmulos são mais incandescentes que outros."

E voltou-se rumo à direita passamos entre o muro e os padecentes.