O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 20 de novembro de 2010

O Purg. CANTO IV

Seguindo os conselhos recebidos, os Poetas, através de um caminho apertado e difícil, sobrem ao primeiro salto. Virgílio explica a Dante que, encontrando-se em hemisfério oposto ao da terra, o Sol gira em direção contrária. Vendo muitas almas recolhidas à sombra de um rochedo e aproximando-se a elas, Dante reconhece seu amigo Belacqua. Ali estão os espíritos dos preguiçosos, que esperam para arrepender-se , ao término da vida.

Texto do Tradutor


"Por onde iremos, querido Mestre!"

Quando a alma está dominada, seja pela extrema felicidade ou por terrível desgosto, tem-se a impressão de que, para ela, tudo se torna indiferente; verdade que contradiz a errônea crença – “que, dentro de nossa alma existe outra alma”. Portanto, quando alguém vê ou escuta algo que lhe prenda a atenção e envolva a alma, não percebe que o tempo está passando, porque a capacidade para ver e ouvir está concentrada naquela ação. Clara experiência sobre isso eu tive quando, admirado, escutei a voz daquela sombra.

O sol já havia subido cinqüenta graus (o sol percorre 15 graus por hora; portanto haviam se passado quase 3 horas e meia) sem que eu houvesse percebido, quando do meio da multidão que andava sempre unida e a qual seguíamos, uma voz nos disse: “Aqui! Aqui tendes o que desejam!”.

Estando a vinha já amadurecida, a vereda que a ela dá acesso é, pelo vinhateiro, protegida com braçadas de ramos espinhosos. Essa vereda é mais larga do que o rochoso caminho por onde fui subindo após meu Guia, assim que a abençoada multidão nos deixou. De Noli, passando por San-Leo, por árduo caminho a pé se vai até ao pico de Bismântua; mas necessário seria terem-se fortes asas ou incansável desejo, para seguir o Mestre que, cuidadoso, me servia de luz e dava esperança para seguir no caminho. Subíamos por uma vereda escavada entre rochas sempre impedidos por agudas pontas; cada passo dado era sempre ajudado pelas mãos.

Chegados ao fim da íngreme ladeira, estando no ponto mais alto, perguntei: “Por aonde iremos, querido Mestre?” E ele me respondeu: “Cuidado! Não dês um passo, incerto! Vai subindo após mim. Atentos, encontraremos algum guia”. A vista não alcançava tamanha elevação; a linha que corte de modo perpendicular um quadrado, certamente não acompanharia o enorme aclive. Já sem forças, ao Mestre falei: “Ó Pai! Volve o olhar para trás; vejas com piedade, que me estás deixando sozinho, indo assim tão depressa!”. Respondeu: “Sobes por ali, filho e não desanimes!” Estendendo o braço, indicava uma planície que rodeava o temeroso declive.

Por causa da doçura da sua voz esforcei-me tanto que, eu lhe seguia os passos, me arrastando, até chegar à altura indicada. Depois, ficamos alguns momentos sentados um ao lado do outro. Primeiro dirigi o olhar para baixo vendo o caminho percorrido; depois, voltei o olhar em direção ao sol; foi então que notei que a luz desse astro vinha pela esquerda.

Virgílio percebendo minha admiração diante da posição em que se encontrava o Sol, disse-me: “Se Castor e Pólux (estrelas pertencentes a constelação dos Gêmeos) estivesse iluminando ao mesmo tempo os hemisférios, da Terra e este onde estamos, ainda mais próximo da Ursa a roda do Zodíaco verias, se não tivesse este, se desviado da costumeira rota. Meditando sobre o que vou dizer, logo compreenderás a verdade; se imaginares, estar o pico do monte Sião (em Jerusalém) e o deste, onde estamos, na mesma linha do horizonte mas em hemisférios diferentes, o caminho que no céu o Sol percorre, - se teu raciocínio não falhar – verás ser contrário um ao outro, pois, enquanto em um vai por um lado, no outro, segue lado oposto”.

Então eu disse: “Tão claro como agora, Mestre amado, jamais o meu espírito compreendera quando coberto por dúvidas eu estava. Sei que o maior círculo da Terra que sempre foi chamada pelos astrônomos de, Equador, diferencia sempre o inverno do verão. Se pude compreender-te, neste momento aqui no monte do Purgatório vemos o Sol voltar-se para o norte, enquanto os Hebreus – em Jerusalém – o vêem ao sul. Agora, se quiseres, diz-me quanto temos ainda que andar, porque, olhando para cima e não conseguindo ver o cume, isso me enche de pavor”.

Respondeu-me: “É próprio dessa montanha, no início da jornada, causar grande fadiga; depois, quem mais alto consegue subir, menos cansaço sente; tanto que, ao te encontrares no final deste estreito caminho, irás subir tão rápido e leve como a nave ao descer a correnteza das águas. Depois deste esforço encontrarás repouso. Do que estou falando comprovarás a verdade”..

Mal o Mestre terminara de falar, eis que perto escutei uma voz; dizia: “Antes de lá chegar, talvez seja necessário descansares um pouco”. Voltamos-nos para ver quem falara, porém nos deparamos com alto penhasco; mas, à nossa esquerda, vimos uma multidão de almas. Aproximando-nos, percebemos que, à sombra do penhasco estavam elas tranqüilamente repousando; julgamos que tivessem parado ali, por preguiça. Uma delas mostra-se mais negligente que as outras. Sentada abraçando as pernas, tinha o rosto recostado sobre os joelhos; parecia dormir.

Disse eu: “Veja Mestre; a que ali está ama a inércia; até parece ser irmã da preguiça”. Aquele espírito então se voltou um pouco e sem mudar de posição, disse-me; Ah, é? Pois então vai tu, que és valente!”. Reconheci quem era. Ainda ofegante pela difícil subida a ele dirigi meus passos. Sentindo a minha presença, mal ergueu a fronte e, com bastante calma disse: “Reparaste como o Sol se move pela esquerda?” Pelo lento movimento e voz tão vagarosa, por algum tempo senti vontade de rir, mas contive-me, e disse: “Belacqua! Nem choro mais a tua morte! Por que estais aqui, sentado? Espera por algum guia? Ou, aqui como antes, continuas cativo da preguiça!” (Florentino fabricante de instrumentos musicais e amigo de Dante e tido como preguiçoso.)

Respondeu: “Irmão, que importância tem subir agora? O anjo de Deus que guarda a entrada do Purgatório, não me deixaria entrar porque, somente ao chegar à morte, é que me arrependi. Então, o tempo que a entrada me deverá será negada, é o mesmo que no mundo, me durara a vida. No entanto ela poderá ser antecipada, pelas orações de quem na Graça de Deus, está”.

Porém, o Poeta continuava a penosa subida. “Vem!” ordenou-me. “Já brilha o Sol no meio-dia; e sobre Marrocos, agora a noite desce!”