O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 29 de janeiro de 2011

O Purg. CANTO V

Prosseguindo os dois Poetas a sua viagem, encontram uma multidão de almas que se aproximam deles, depois de ter percebido que Dante é vivo. São espíritos de pessoas que saíram da vida por morte violenta, mas no fim se arrependeram e perdoaram a seus inimigos. Texto do Tradutor.

"Vejam! A luz do sol não atravessa..."

Acompanhando a sombra do meu Guia, já estava eu distante dessas almas quando uma delas apontando o dedo em minha direção gritou: “Vejam! A luz do Sol não atravessa o que vai mais devagar; ele se movimenta como se fosse vivo!”

Voltei-me em direção a aquela voz e admirado vi que as outras almas me olhavam cheias de espanto, por estar eu andando acompanhado de minha sombra. Disse-me o Mestre: “Por que, detém o passo, filho? Por acaso temes o murmurar desses espíritos? Segue-me sem dar atenção a essas vozes; seja como torre firme que, inabalável, se opõe à fúria dos ventos. Quem não firma o pensamento no que está executando, da finalidade se afasta, frustrando suas intenções”.Ao Mestre respondi prontamente: “Estou indo”. Respondi o que deveria responder, mas com o rubor a queimar-me as faces.

Seguíamos pelo atalho quando deparamos com uma multidão de espíritos que se dirigia ao cimo do monte entoando devotamente o Miserere, (Salmo de penitência que começa com essa palavra) mas, ao ver que meu corpo estava impedindo a passagem dos luminosos raios do Sol, suspendeu o canto, soltando um rouco “Oh!...” e dois deles como se fossem mensageiros, correram em nossa direção dizendo: “Quem sois que assim fazeis esta viagem?” Respondeu-lhes Virgílio: “Dizei aos que vos enviaram que, no corpo do homem que estais vendo, a vida permanece plena. Se, como imagino, estão vossos passos detendo por ver-lhe a sombra, a causa disso já vos foi explicada; sereis vós beneficiados, as honras lhe fazendo”.

Mais rápidos que as estrelas cadentes ou, a névoa da noite ser pelo sol desfeita, vão aqueles dois espíritos se juntar aos companheiros; em seguida, qual esquadrão em desfilada, todos correm em nossa direção. Então me disse o Guia em tom de alerta: “A imensa multidão vem ao nosso encontro; pretendem todos falar contido; escute-os, mas continues andando, pois não convém parar”.

E enquanto se aproximava a multidão gritava: “Ó feliz alma que no corpo em que nascestes vais à procura da celestial alegria, esperai um pouco. Vê se reconhece alguém dentre nós, a fim de levares notícias dele ao mundo; mas, por que andais assim tão depressa? Cruel perversidade tirou a vida, a todos nós; fomos pecadores até ao momento final da nossa existência, quando contritos e perdoando a quem nos tirou a vida. alcançamos a Divina Graça. Na paz de Deus estamos e aqui ficaremos; agora, o que nos aquece a alma é o desejo ardente, de vê-Lo”.

Respondi: “Vossas feições estão tão deformadas, que não consigo reconhecer ninguém. Mas, se posso ser útil em algo que vos agrade, pela paz que busco acompanhando esse sábio de mundo em mundo, a servir-vos me proponho, no mais breve espaço de tempo”.

E ele então respondeu: “Cada um de nós está confiando em ti; por isso, não se faz necessário teu juramento e, antecipando aos demais, rogo-te: se fores à terra que fica entre a Romanha e a que é propriedade de Carlos d´Anjou, procura meus parentes em Fano e suplica-lhes que, com piedosas orações ajudem a abreviar meu sofrimento e seja purificado de todo o mal que pratiquei. Nasci ali; mas os terríveis golpes que me cortaram a existência os recebi nos pântanos das terras de Antenor, lugar esse que eu julgava estar mais seguro. Assim o quis a ira do Marquês d’Este, que havia me preparado uma cilada. Ah! Se eu tivesse conseguido fugir para Mira, perto de Oriago, ainda hoje estaria no mundo onde se respira; mas, perseguido, correndo sem rumo certo no pântano cai ficando preso aos juncos, onde se formou um lago de sangue por causa do meu peito aberto”, (Quem fala é Jacopo Cassero, de Fano que, por ordem do Marquês Azzo III d’Este foi assassinado, quando se dirigia à Milão – em 1.298.)

Suplicou outro: “Se o desejo que te impulsiona para chegar ao alto monte for realizado, sê repleto de piedade por mim. Fui de Montefeltro e me chamava Buonconte; Ninguém se lembra de mim, nem mesmo Joana, minha esposa; por isso ando de cabeça baixa”.(Buonconte; filho de Guido capitão gibelino; – ver Inf. Canto XXVII – morreu na batalha de Campaldino) Perguntei-lhe: “Que má sorte te levou para tão longe de Campaldino, que ninguém sabe onde fica tua sepultura”? Respondeu: “Oh! Ao pé do Cosentino corre um rio que se chama Arcano; nasce sobre o Ermo, nos montes apeninos. Lá onde o rio perde seu nome, cheguei, fugindo a pé; minha garganta ferida ensangüentava o chão. Sentindo estar perdendo a visão e a voz, já no suspiro final bradei – “Maria!”- E o meu corpo tombou deixando a alma. Contarei a verdade, e ao mundo anuncias. Ao Anjo de Deus que viera recolher meu espírito, eu gritava: “Servo de Deus, me levas!”, e o do inferno bradava: “dele me roubas a alma por uma fingida lágrima mas, sobre o seu corpo cabe-me o governo”. Bem sabes que, quando a vaporosa umidade se acumula no ar e se encontra com o frio nas regiões elevadas, esse acumulo de unidade se transforma em chuva torrencial. O inimigo do bem então, da força infernal usando, com maldade planeja e o mal lhe obedece pois, as nuvens e o vento se acumulavam no firmamento. No final do dia no Potomagno o vale se envolve em trevas, enlutando a abobada celeste .Carregado o ar de pesadas nuvens as águas caem em tão forte chuva, tão intensa, que não se penetra na terra e em espumosa torrente se revolve. Veloz, alcança os leitos dos arroios e para o régio rio (o Arno) corre, destruindo os obstáculos que aparecem. Junto à foz meu cadáver encontrando, o impetuoso Arcano levanta-o e para o Arno o impele, separando-me os braços que eu deixara em forma de cruz sobre o peito; então o rio, rolando o meu corpo pelo fundo e pelas margens, deixou-o sepultado na areia, juntamente com o lodo e tudo quanto arrastara.”

Após breve silêncio, falou um terceiro espírito: “Ah! Quando tiveres retornado à luz do mundo e repousado da grande jornada, pensas em mim; sou Pia. Marema desfez o que Siena fizera. Bem o sabe aquele que me adornou, pondo-me no dedo seu anel de esposa, a mais preciosa das gemas”.(Pia Del Gastelloni, casada com importante membro da família Tolomei. Ficando viúva se casou com Nello Pannocchieschi que, desconfiado de sua fidelidade mandou-a matar, num castelo de Marema, em 1.295.)