O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

CANTO VII

Sordello, ao saber que aquele que abraçou é Virgílio, lhe faz novas e ainda maiores demonstrações de afeto. O sol está próximo ao ocaso e ao Purgatório não se pode subir à noite. Guiados por Sordello, os dois poetas param num vale, onde residem os espíritos de personagens que no mundo desfrutaram de grande consideração e que somente no fim da vida elevaram seu pensamento a Deus. Texto do Tradutor.
Ó glória dos latinos..."
Depois de doces e mútuas demonstrações de afeto, repetidas por três ou quatro vezes, Sordello se afastou dizendo: “Quem sois?”.

“Quando as primeiras almas chamadas por Deus à esperança do bem foram encaminhadas a este monte, já tinha Otávio (O imperador Augusto) sepultado meus ossos. Sou Virgílio; não fui afastado do Céu por pecados, mas por não haver conhecido a fé”.

Como quem vê diante de si algo maravilhoso e, ora crê ora duvida assim se perguntava essa alma: “Será verdade, ou minha vista me engana?” E curvando a fronte humildemente, se aproxima do Poeta; comovida abraça-lhe os joelhos e diz: “Ó glória dos latinos que a tamanhas alturas elevastes o nosso idioma! Honra eterna da amada pátria! Qual graça e ventura me concede ver-vos? Dizei-me, se digno sou de vos ouvir, de qual círculo do Inferno estais vindo?”

Virgílio responde: “Aqui estou subindo, após ter visitado todos os círculos do doloroso reino, sendo conduzido por virtude do Céu, Não por fazer, mas, por ter deixado de fazer sou proibido de ver o Sol que tanto desejas. Quando me foi Ele revelado, já era tarde demais! Lá embaixo existe um lugar onde não há martírios nem gemidos; há somente suspiros de solidão e desejo. Ali estou (no Limbo) no meio daquela gente inocente mordida pela morte, quando a culpa humana ainda não havia sido redimida. Estou entre os que, não tendo conhecido as três celestes virtudes, não afastaram a visão do mais suave encanto. (As três virtudes da teologia: fé, esperança e caridade ou amor.) Mas, conheces alguma vereda mais fácil, que nos leve até ao Purgatório?”

Respondeu: “Aqui não há um lugar determinado para a alma ficar; vou para qualquer parte que me agrade por isso poderei vos servir de guia. Mas, o dia já declina e na jornada que fazeis é proibido caminhar à noite. Busquemos, pois, algum lugar para a pousada. Ali à direita e um pouco mais distante a multidão está silenciosa e quieta. Se quiseres iremos até lá; talvez isso vos traga alegria”.

Então o Mestre respondeu: “Como? Pelo que dizes será impossível subir a não ser durante o dia? Ou te referes a alguém que não o permite?”.

Fazendo com o dedo uma linha no chão, disse Sordello: “Para além daqui não conseguiríeis passar, pois o sol se ausenta e a noite se inicia. Mas, se pretendeis continuar na caminhada, obstáculo algum encontrareis, a não ser a escuridão noturna. Se quiseres, podereis ir contornando a montanha enquanto o sol ainda não desapareceu completamente.”

Estranhando o que lhe foi dito, Virgílio pede: “Guia-nos, pois, ao lugar que recomendaste, por que a ansiedade já me domina”. Percebi que na montanha, um pouco adiante, havia uma depressão semelhante a que na terra formaria um vale. Disse-lhe a sombra: “Iremos até aonde a encosta forma uma curva”.

Entre a escarpa e o planalto, uma trilha inclinada nos conduz ao vale, onde mais ao meio a inclinação diminui. Olhando ao redor, vê-se entre um mar de folhas grandes e pequenas, límpidas e lustrosas como puras esmeraldas, uma diversidade imensa de ervas e flores das mais variadas cores, desde prata, branco, ouro refulgente, azul profundo, vermelho, cujos tons vinham do mais claro ao mais escuro; e juntando-se a esses tons de rara beleza, mil aromas suaves, se espalhavam pelo ar. E as almas, ali ocultas pelo vale sobre a relva e entre as flores, entoavam o “Salve, Rainha”.

Disse-nos, o mantuano que nos guiava: “Enquanto a luz do sol estiver presente, não devereis se aproximar da multidão; mas, do alto podereis reconhecer mais claramente suas feições e gestos do que estando mais perto. Observai aquele que ao alto aparece e, em silêncio escuta o canto dos demais; agora, mostra-se pesaroso por ter faltado com seus deveres; é o poderoso Rodolfo (Rodolfo de Habsburgo, imperador, governou de 1.273 a 1.291); podê-lo-ia ter evitado o mal que tanto prejuízo causou a Itália. Agora, quem lhe trará esperanças futuras? O outro que, com seu semblante parece querer confortá-lo e governou o reino onde nasce o Molta que despeja suas águas no Álbia e este lança suas águas no mar, é Otácar; (governou a Boêmia, onde nasce o rio Moldávia = Molta que desenboca no rio Elba = Albia). Desde a infância se mostrou de melhor índole do que seu filho Venceslau, o Barbudo, que governou na luxúria e na preguiça durante todo o tempo.(Otacar II, adversário de Rodolfo.) .

E continuou: “Aquele de nariz pequeno (Felipe III, da França, pai de Felipe ‘o belo’ e de Carlos de Valois) que parece estar conversando com o outro de aparência calma, ao fugir foi morto, deixando a flor-de-lis do seu escudo perder o brilho! Repara como ele bate no peito como que arrependido!...E naquele outro que lança profundos suspiros no ar, com a face apoiada sobre a mão; são o pai e o sogro do flagelo de França; conscientes do seu vergonhoso viver, agora estão sentindo tanta dor, que não descansam”. E indicando outros mais, disse: “Esse piedoso, de músculos volumosos, que acompanhado o cantar do que tem o nariz grande, (Pedro III de Aragão, que conquistou a Sicília e Carlos I de Anjour) foi zeloso em cultivar virtudes. Se o jovem que está sentado ao seu lado, o tivesse sucedido no trono, o valor de um Rei teria sido herdado por outro grande rei; mas os que tal trono herdaram, qual deles se preocupou com isso? Nem Jaime nem Frederico, ao herdarem o trono real, quiseram ficar com a melhor parte. Raramente tem surgido nas descendências das altas linhagens, alguém que dê valor ao dom das virtudes e, sequer solicita a Aquele que disse: pede e receberas. Tais palavras têm plena aplicação a esse, que tem o nariz grande, e a Pedro que ao seu lado canta, enquanto Apúlia e Provença, gemem e choram. (Os reinos de Provença e Nápolis, lamentam a morte de Carlos I pois estão sendo mal governados pelo seu sucessor Carlos II). É tão menor o filho se comparado ao pai, quanto Beatriz e Margarida são inferiores a Constança, quando exaltam as ações de seus esposos. (Tão inferior é Carlos II de Anjou a Carlos I, quanto este foi inferior a seu pai Pedro III). Ali podes ver, sentado à parte, o Rei de vida simples, Henrique da Inglaterra; em seu descendente, teve melhor sorte como seu sucessor. (Henrique III da Inglaterra teve um bom sucessor na pessoa de Eduardo I). Reparai também naquele que está mais abaixo, sentado e olhando para o céu; é o Marquês Guilherme, por quem Monferrato e Canavese choram, enquanto Alexandria lhes declara guerra”. (Guilherme, senhor de Monferato, cuja morte originou uma guerra desastrosa para os seus súditos).