O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Pug. CANTO IX

Ao despertar do novo dia Dante adormece e, no sono, é transportado por Luzia até a Porta do Purgatório. Aproximam-se da entrada e aqui um anjo abre-lhes a porta, depois de ter gravado na testa de Dante sete PP.
Texto do Tradutor.

"Quem vos guia até aqui?

Já concubina do Titão antigo exibia as douradas franjas sobre o nascente deixando os braços do seu doce amigo. (A concubina do Titão, é a aurora), Sua fronte apresentava-se ainda refulgente de astros formando a figura de um animal frio que vibra a cauda contra a humana gente. (A constelação do Escorpião.) A noite já havia percorrido duas horas e se aproximava da terceira quando eu, herdeiro de Adão, vencido pelo sono lá mesmo onde nos encontrávamos sobre a relva deitei-me e adormeci. Antes do amanhecer, na hora em que a andorinha começa a emitir seus tristes soluços talvez r
ecordando seu antigo sofrimento, não mais sentindo meu espírito preso pelo medo, sentindo-se livre do padecer terreno, fui tomado por visões, que me pareceram divinas. Via pairar no ar uma tranqüila águia de douradas plumas que pelo movimento das asas demonstrava querer baixar o vôo. Imaginava eu estar na montanha de onde Ganimede fora levado para se dedicar à excelsa coorte. (Júpiter fez raptar Ganimede para servir de copeiro aos deuses, no Olimpo.) E eu pensava: talvez essa ave não querendo caçar noutros lugares, exibe aqui a lustrosa plumagem chamando a atenção da presa que quer levá-la consigo. Então, depois de dar várias voltas, veloz como um raio sobre mim se atira e me leva a região do Fogo. Pensei que essa águia estivesse se incendiando juntamente comigo; e a veracidade do calor era tão real, que meu sonho foi interrompido pela intensidade do falso fogo. Nem Aquiles, quando sua astuciosa mãe o retirara de Quiron e levarara a Seiro, ainda adormecido, ao acordar olhando ao redor e não compreendendo onde estava ficou mais espantado do que eu (Tetis, mãe de Aquiles, ocultamente o retirou de Quiron e o levou para Seiro de onde os gregos Ulisses e Diomedes o conduziram à guerra de Troia) ao sentir o sono fugir-me das pálpebras e vendo-me pálido, quase desmaiando, transtornado de horror. Naquele instante eu só via ao meu lado Virgílio; já o sol se afastara do nascente há duas horas e eu mantinha o olhar fixo no mar. “Não temas”; disse-me o Mestre. “Ficas tranqüilo, pois o bom porto não está distante; daqui, já se avista o Purgatório; o rochedo o envolve impedindo a visão do seu aspecto, mas, onde se vê uma fenda no muro de rocha, aí é a entrada. No dia anterior, ao romper da aurora, quando estavas dormindo sobre a relva coberta de flores, eis que apareceu uma Dama nos dizendo: ‘Sou Luzia; vou levá-lo enquanto dorme; assim a jornada lhe será mais leve’. Sordello e as outras nobres almas ficaram no mesmo lugar que estavam; e como já raiasse o dia, te apanhou nos braços, subiu e eu segui seus passos; com muita delicadeza deixou-te aqui; e com o olhar me indicava que próxima, ali estava aberta a entrada. Depois se foi, e o sono te deixou”. Como alguém quem estando em dúvida apenas reconhecendo a verdade transforma o seu temor em confiança, assim fiquei; e o Mestre percebendo que eu já estava recuperado do susto e temor, foi subindo a montanha e eu o segui.
Vês Leitor, como está se tornando elevado o tom do meu estilo; e não fiques admirado, se mais arte e mais brilho lhe acrescentar de agora em diante. Já nos aproximávamos da parte do rochedo onde antes eu divisara como sendo uma fenda na muralha. Ora! O que havia era uma porta com três degraus, cada qual de cor diferente, sendo que a porta estava guardada por um imóvel e silencioso porteiro. Porem olhando mais de perto, o vi claramente sentado no degrau mais alto, tendo a face tão fulgurante, que me ofuscava. Com a mão direita segurava uma espada que sobre nós refletia seus raios. Deslumbrado tentava eu fixar nela, o olhar, mas não conseguia. Vendo-nos aproximar disse:
“Parai e respondei-me que pretendeis e quem vos guia até aqu
i? Não temeis os efeitos dessa ousadia?”. Respondeu Virgílio: “Uma Dama, vinda do Céu, mesmo conhecendo essas conseqüências, nos ordenou: ‘Ide! Não fica longe a desejada entrada”. Então respondeu-nos o anjo: “Que ela ilumine vossos passos; subais, pois, os nossos degraus!”. Subimos: o primeiro degrau era de mármore tão branco, tão polido, que a minha imagem nele se refletia. O segundo era formada de tosca pedra, não polido e parecia ter sido queimada; estava fendida na largura e no comprimento. O terceiro formado de rocha cristalizada tinha a cor de vermelho flamejante, qual sangue que flui de uma veia rasgada. Neste degrau é que o resplandecente anjo firmava os pés, porém estando sentado à soleira da entrada, que me pareceu ser feita de um só diamante. Acompanhado por Virgílio fui subindo jubiloso. Então ele me disse: “Deves suplicar com humildade, que a porta te seja aberta!”. Aos sacros pés curvei devotamente a fronte e batendo no peito com os dedos três vezes, pedi-lhe que, por misericórdia, a porta fosse aberta. Com a ponta da espada o anjo gravou na minha testa, sete vezes a letra P (os Ps são oa sete pecados mortais) dizendo: “Quando estiveres lá dentro, arrependido lava estes traços, que são sinais do pecado". Terminando de falar, tirou ele de sob as vestes que eu percebera ser da cor de terra seca ou cinza, duas chaves, sendo uma de ouro outra de prata. Disse: “Primeiro, usa a chave branca e logo após a dourada, e abre a porta”. Foi então completa a minha alegria! Disse o anjo: “Se uma das duas chaves não fizer funcionar a fechadura, isto significa que a entrada não foi permitida. Se um pecador tem mais culpas a pagar, uma ou outra necessita de mais habilidade para abri-la. A dificuldade que apresentam as molas, indica a severidade da prisão. Ordenou-me Pedro ao confiá-las a mim que, aos que suplicam ansiosamente entrar, é melhor errar abrindo-a, do que fechando”. E tocando na santa entrada ainda nos diz: “Entrai; mas de agora em diante, vos previno, quem olha para trás, é lançado para fora”.
Então, os portões do divino recinto se movem e os espigões giraram rangendo nos gonzos de metal fino em som estridente. As portas de Tarpéia não se abriram com maior estrondo quando foram roubados o tesouro publico, apesar dos esforços de Melelo, do que essas. (as portas do Purgatório se abriram com maior estrondo do que o produzido pelas portas da rocha Tarpéia quando, apesar da resistência de Ceccilio Metelo, Julio César as abriu para apoderar-se do dinheiro público.)

Atento, julguei ouvir os rumores de um suave coro a entoar o Te Deus laudamus”. Ouvindo-o, em mim ficava a sensação que nos envolve quando a voz bem modulada é acompanhada por ternos sons de órgão bem tocado que, enquanto uma voz silencia, outra se estende.



O PUR. CANTO VIII

No começo da noite dois anjos descem do Céu para expulsar a serpente maligna que quer entrar no vale. Entre as sombras que se aproximam dos Poetas, Dante reconhece Nino Visconti, de Pisa. Conrado Malaspina pede a Dante notícias de Lunigiana, sua pátria; Dante responde elogiando a sua família. Texto do Tradutor.

"Eis o Inimigo..."

Era a hora em que o coração do navegante relembrando o dia do adeus, mais saudade sente dos amigos distantes; e também o daquele que, estando longe do seu amor ouve o lacrimoso som do campanário que anuncia o final do dia.

Parando de escutar o canto, voltei o olhar e vi perto um espírito que, levantando-se, acenava-nos pedindo que o ouvíssemos. E erguendo as mãos juntas em prece, com o olhar fixo no Oriente, parecia dizer a Deus: “Te lucis ante,...”“És todo o meu desvelo!” (começo de um hino da Igreja)entoou ele o piedoso canto com tanta suavidade, que o meu pensamento me enlevou em êxtase; e com igual devoção e igual encanto, todos, com o olhar fitando as supremas alturas fez-me ausente a tudo...

Leitor tenha agora os olhos da alma preparados para nos tão sutis e tão delicados véus da verdade penetrá-los. (O Poeta adverte que além do sentido literal, o que vai dizer tem um sentido alegórico.)Terminado o cântico percebi que a multidão, pálida e humilde observava o céu como que esperando. Então vi descendo das infinitas alturas dois anjos empunhando flamejantes espadas, cujas pontas eram mutiladas. Verdes quais folhas novas vicejantes eram suas vestes; com as magníficas plumas de suas asas agitando, um deles junto a nós pousou, enquanto o outro foi se colocar do lado oposto, ficando a multidão de almas reunidas entre eles. Eu conseguia ver seus lindos cabelos louros, porém contemplar seus rostos seria impossível, pois me ofuscaria a visão. Disse Sorello:“Ambos vieram do trono de Maria para proteger esse vale, da serpente que está para chegar”. Ignorando por onde a ímpia serpente pudesse aparecer, olhei ao redor e, tomado de terror busquei refúgio junto ao caro amigo. Sordello então continuou: É chegado o momento de falar com aqueles espíritos altos; ficarão muito alegres com a vossa presença”. Para descer ao vale me foi bastante dar três passos que me fizeram sentir que em meio à multidão um espírito fixava a vista indagadora em meu semblante; o ar já se carregava de sombras, mas, não impediam aos seus e aos meus olhos de reconhecer alguém que ali estava; então, vem ele em minha direção e eu a ele e apressando o passo digo: “Nino! Ó excelente juiz! Quanto me alegra ver-vos e saber que não estais na infernal morada!” (Ugolino Visconti juiz de Galura, na Sardenha). Depois de repetidas demonstrações de afeto, perguntou-me: “Há quanto tempo chegaste ao pé desta montanha, após ter atravessado o imenso mar?”. Respondi: “Oh! esta manhã, não atravessando o mar, mas depois de ter passado pela terrível mansão. Ainda gozo da vida terrena; e quanto a vida eterna vou buscando merecê-la”.

Ainda não tinha terminado de proferir esta resposta, quando Nino e Sordello pasmados, recuaram, como se tivessem escutado algo maravilhoso. Voltou-se Sordellopara Virgílio, enquanto ouvia-se a voz de Nino falando a outro: “Vem Conrado! Vem ver o que as leis de Deus determinaram!” E voltando-se para mim: “Pela gratidão que deves ao Supremo Ser por essa atitude que é vedado à nossa compreensão, imploro-te que, assim que tenhas atravessado o tortuoso mar e chegado ao mundo dos vivos, diga a minha filha (Joana, filha de Nino) que suplique a Deus por mim. Ele que é tão sensível à inocência irá escutá-la! Não creio que sua mãe se preocupe em atender a esse meu pedido, pois trocou os puros véus por louca atitude. (Beatriz d´Este, viúva de Nino; desposara em segundas núpcias a Galeano Visconti) Será infeliz na dor! Pois que se mortifique! Por ela facilmente se conhece como em uma mulher pouco permanece a chama do amor. Se o amor não estiver sendo alimentado freqüentemente pelo olhar da pessoa amada, esse fogo se extinguirá. A víbora que de Milão ostenta, (a víbora: o brasão da família Visconti) não ficará melhor no seu sepulcro, do que ficara o galo de Gulara”. Assim dizendo, Nino traduzia no semblante aquele zelo ardente e brando, que faz aquecer o coração.

Ainda tinha eu os olhos fixos no céu, no lado aonde o girar das estrelas parece mais lento, como na roda esse movimento está mais próximo do seu eixo, quando o Mestre me perguntou: “O que estás a olhar com tamanha atenção?” Respondi-lhe: “Aos três astros, verdadeiros portentos celestiais que iluminam todo o pólo”. E ele continuou: “As quatro fulgurantes estrelas que vimos pela manhã, se ocultaram; agora, surgem estas no mesmo lugar”.

Estava eu ainda a ouvir essas palavras, quando Sordello chama a atenção de Virgílio dizendo: “Eis o inimigo!” E o dedo acompanha o movimento dos olhos. Consegui ver na parte exposta do vale, uma serpente que se arrastava. Talvez a mesma que entregou a Eva a perigosa fruta. Avançava entre as flores e as ervas, virando a cabeça de um lado para o outro, com a enorme língua, esticada tentando lamber o dorso. Não pude ver como os celestiais pássaros se atiraram contra o abominável réptil, mas, atônito, pude vê-los pairando no ar. Sentindo o sussurrar que no ar as belas asas emitiam, rapidamente fugiu a serpente; em seguida os anjos voltaram ao lugar de onde vieram.

O espírito que estava ao lado do Juiz atendendo ao seu chamado e enquanto os anjos se retiravam me olhava atentamente, disse: “A divina luz que ilumina teus passos em direção ao alto, seja o alimento que sacia o desejo que tens de, a ele chegar; e para isso, não te falte a necessária sabedoria! Mas, se tiveste conhecido Val di Magra ou soubeste algo de novo a seu respeito, conta-me essas novidades pois, lá, obtive bens e poder. Fui Conrado Malaspina; não o antigo (o avô de Conrado, que teve o mesmo nome) mas seu descendente; o amor que sentia pelos meus, aqui mais purificado fica”. Respondi-lhe: “Ali não estive! Mas, em qual parte da Europa, a alta fama dos teus feitos não tenha tido repercussão imediata? A glória que teu brasão proclama, honra faz ao povo e ao lugar; mesmo aqueles que nunca o conheceram pessoalmente aplaudem seus valores. Juro que, se eu chegar a ver os esplendores celestiais, lá, aclamarei a honra da tua geração, por sua nobre índole e por seus atos, se resguardando da vaidade e adquirindo bens espirituais. Enquanto no mundo muitos governantes se desencaminham, teus descendentes seguem no bem e provam em fatos”. Disse-me ele: “Agora vai! Antes que o belo astro do dia percorra sete vezes esse espaço que a Constelação do Aires ocupa no firmamento, tua opinião sobre os meus descendentes será impressa na tua alma por acontecimentos, mais do que palavras, ditas a cada instante; se à vontade de Deus assim o permitir”.(Em 1.306, durante o exílio, Dante teve boa acolhida nos Castelos dos Malaspina, em Lunigiana.)