O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O PARAISO - CANTO III

Na Lua, estão as almas daqueles que não cumpriram plenamente seus votos religiosos. Aparece ao Poeta a alma de Picarda Donati, que resolve uma sua dúvida sobre o contentamento dos espíritos bem-aventurados. Narra-lhe como foi violentamente tirada do mosteiro. Indica-lhe a ala da imperatriz Constância. Texto do Tradutor

"Ali vi rostos querendo falar comigo"

O Sol que em tempos passados fez meu peito arder de amor, (esse Sol é Beatriz) agora, aprovando e desaprovando meus conceitos, com argumentos mostrava-me a beleza da sublime realidade. Reconhecendo o erro do meu raciocínio e convencido da verdade, para ela ergui a fronte o mais alto que pude afim de isso lhe afirmar, mas fui atraído por tão impressionante visão que fez me esquecer inteiramente o que pretendia lhe dizer. Bem como em vidro transparente, ou à flor da água tranquila e límpida ao ponto de ver no fundo algo quase invisível como pérola sobre alva pele, assim aconteceu. Ali vi rostos querendo falar comigo; então admirando aquela fonte caí no erro contrário ao de Narciso; pensando que aquelas feições estivessem sendo refletidos por um espelho, rápido voltei-me para saber de quem eram aqueles rostos. Mas não vi ninguém! (Narciso vendo sua imagem refletida na água dela se enamorou, pensando tratar-se de outra pessoa. Dante caiu no erro contrário, pensando que a imagem na água fosse o reflexo de alguém, voltou-se para ver quem era). Então, minha doce guia que trazia no olhar o esplendor do santo amor, a sorrir me disse: “Não fiques admirado por me ver sorrir; a causa é teu novo engano. Na verdade teu pensamento anda trilhando por falsos caminhos, como claramente se percebe; por isso fiques sabendo que as faces que aqui vês são reais; e o que as trouxe para aqui foi o não cumprimento dos votos proferidos. Pergunta-lhes o que desejas saber, pois a luz que as conduz não permitirá que se afastem da verdade”.Então me dirigi àquela face que se mostrava mais disposta a falar; a princípio nervoso depois mais calmo, eu disse: “Ó espírito eleito que desfrutas as doçuras da vida eterna e que somente compreende quem as experimentou, grande favor me farás se me disseres teu nome e o motivo por estares aqui”.
Sem hesitar e sorridente explicou-me: “Não posso deixar de satisfazer ao teu desejo, porque temos que seguir a principal lei imposta por Deus a todos que aqui habitam que é a da caridade, a do amor. No mundo, fui virgem monja; e, se tua memória não falha verás que agora sou mais bela do que quando lá estava. Prestando bem atenção ao olhar-me, reconhecerás pelas minhas feições que sou Picarda. (Picarda Donati; monja da Ordem de Sta. Clara; irmã de Forese e de Corso; foi obrigada pela família a deixar o convento e a se casar com Rosselino della Tosa). Nossos sentimentos, que somente a inspiração do Espírito Santo os inflama e guia, elevam-se à maior perfeição ao cumprir as ordens que nos foi determinada. Estamos felizes aqui nesta esfera celeste que é a mais lenta de todas; fomos designados para este céu que parece ser inferior, uns pelo mau cumprimento de votos religiosos;  outros  pelo total esquecimento de tê-los pronunciados”.
Respondi-lhe: “Em vosso semblante refulge algo de divino que torna vossas feições diferentes do que foi quando estáveis na Terra. Por isso não fui rápido em reconhecer-vos. Porém, o que dissestes sobre vossa pessoa me ajudou a lembrar o que houvestes sido. Mas, dizei-me, mesmo sendo felizes aqui, não sentis o ardente desejo de subir ao mais alto dos céus e lá usufruir felicidade ainda maior?”.
Voltando o olhar para as companheiras sorriu docemente; e radiante de alegria como se envolvida no mais puro amor, respondeu-me: “Irmão, a caridade é a virtude que comanda nosso querer permanecer em constante harmonia com o amor divino; assim, desejamos somente o que possuímos e nada mais. Desejando ir mais alto do que estamos, seríamos rebeldes à vontade d’Aquele que decidiu neste lugar habitarmos. Em nós não pode surgir tal sentimento, que é virtude oposta à santidade. É condição para se ter a felicidade eterna, cumprir as ordens do Onipotente; aqui, os nossos e os Seus desejos tornam-se um único desejo. Cada parte refulgente do Seu e todo o reino, é governado pela vontade do Divino Rei que modela nossa mente com a Sua Lei. Nossa paz é adquirida ao mantermos obedientes aos Seus preceitos; Ele é o mar para onde todas as águas se encaminham e ao Seu comando, toda a natureza foi criada”.
Compreendi então que no Paraíso habita quem está em qualquer parte do Céu; e também, que a graça divina não é manifestada por igual, em todas as partes dos Céus. Mas, se de um alimento nos sentimos saciados, de outro o apetite permanece; então a ele buscamos e nos alegramos ao encontrá-lo. Assim fiz; expressando-me com palavras e gestos, quis saber qual o motivo que a impediu de cumprir os votos que fizera. Respondeu-me: “Em vida, foi perfeita em virtudes e elevados méritos e agora no mais alto dos Céus está, quem determinou (Santa Clara) as normas, vestes e véus com que a monja promete pertencer inteiramente ao Esposo que aceita todo voto que Lhe é consagrado por amor. Querendo seguí-la, ainda adolescente, submeti-me ao seu rigoroso regulamento e do mundo me afastando jurei estar sujeita aos seus preceitos. Contudo, pessoas cruéis, impelidas mais pela maldade do que a praticar o bem, tiraram-me da paz do claustro e somente Deus sabe qual foi o meu viver e quanto sofri! Veja esta alma que à minha direita resplandece com a maior intensidade que é possível aos que estão nesse nosso astro; o que eu narrei sobre mim, a ela se aplica. Tendo sido também monja, foi-lhe arrancado o santo véu que o voto lhe prendia à fronte. Tendo sido forçada a voltar ao mundo, que aos seus piedosos costumes ofendia, guardou sua alma fiel aos sagrados votos pronunciados. Essa que aqui resplandece, é Constança, a que deu ao Imperador da Suábia um herdeiro, cuja dinastia foi nele extinta”. (Constância, filha de Rogério - rei das Apúlias - e de Cecília; casada com Henrique VI e mãe de Frederico II) “
Tendo assim falado, pôs-se alegremente a  entoar a “Ave Maria”; e assim cantando, desapareceu diante dos meus olhos, qual pesado corpo que mergulha em águas profundas. Queria acompanhá-la com o olhar, mas, por desejo invencível atraído, eles se fixaram em Beatriz; mas era seu semblante tão resplandecente, que aquela intensa luz ofuscou-me os olhos.
               E pelo efeito daquele espetáculo maravilhoso, nada consegui lhe falar.