Depois de
admirar a infinita sabedoria de Deus na
criação do universo, narra o Poeta como, sem aperceber, se encontrou elevado ao Sol, em
que estão as almas dos doutos na teologia. Doze espíritos mais reluzentes o
circundam e um deles São Tomás de Aquino, revela o nome dos seus companheiros.
Texto do Tradutor.
Dante e Beatriz chegam ao Sol
Deus Pai, o primeiro e inexplicável
Poder a contemplar Seu Filho por meio do Espírito Santo que procede de Um e de
Outro eternamente, criou o visível e invisível de modo tão perfeito que nossa
razão nunca poderá deixar de adorar o seu Autor.
O
leitor erguendo o olhar para o alto e examinando com atenção o ponto onde a
linha imaginária do equador se cruza com a das constelações do zodíaco, poderá
imaginar a grandeza da obra que o Criador, por tanto amá-la nela sempre atento
tem Seu divino olhar. Veja como desta parte se estende em linha obliqua a faixa
que transporta os planetas cujos benefícios o mundo exige e espera. Não fosse
assim oblíqua essa estrada, (a Via Láctea ou Caminho de São Tiago) para o Céu
seu poder seria inútil; e aqui na Terra sua potencia não existiria. Se a
inclinação desse caminho fosse um pouco mais ou menos diferente do que é, a
ordem estabelecida no universo desapareceria. Caro
leitor experimente fazer juntamente comigo pausada meditação sobre a grandeza
do pouco que lhe apresentei. Te dei apetitoso manjar; serve-te dele se te
agradou. Quanto a mim, o assunto sobre o qual escrevo não permite nem por um
instante que dele minha atenção se afaste.
O mais poderoso ministro da
natureza, que transmite para a Terra a influência do Céu e faz com que o tempo
seja medido pela sua fulgurante luz (o Sol), se aproximava do ponto onde neste
Canto já me referi, e se voltava para o ponto onde mais cedo as trevas são
extintas. (O sol do lado leste da terra). Já me encontrava no cento deste astro e não havia percebido,
assim como alguém não conhece seu pensamento quando na mente ainda não surgiu.
Beatriz estava mais luminosa, mais refulgente; e isso
aconteceu mais rápido do que da vez anterior. Se antes ela já era radiosa, naquele
momento a intensidade de sua luz superava a do Sol. Procurarei usar palavras
que possam me auxiliar, a fim de descrever da forma compreensível possível, o
que vi; porém pode-se acreditar no que digo e desejar vê-lo. Não fique o leitor
decepcionado ao perceber quão pequena é a criatividade da minha imaginação quando a tanto se
elevar quisera. Ali no quarto Céu (no Sol) resplandeciam as almas que foram
determinadas pelo Deus Pai a permanecerem contemplando o inefável espetáculo da
Trindade. Beatriz me disse: “Humildemente agradece ao Sol dos Anjos tamanha bondade
ao permitir que ao esplendor do Sol visível te eleves”. Coração de mortal algum
se sentiu tão piedoso e devoto ao carinhoso convite, e tão decidido a expressar
a Deus tão imensa gratidão. E naquele instante meu amor por Ele foi tão
intenso, que ultrapassou o meu amor por Beatriz. No entanto, isso a ela em nada
desagradou, pois no seu sorriso e no seu olhar resplandeceu tanta luz que, do
êxtase profundo em que me encontrava, fui desligado.
Então vi luminosos e intensos clarões ao nosso
redor formando um círculo. A suavidade de suas vozes superava a intensidade das
luzes. É assim que vemos a filha de Latona (Diana ou a Lua) circundada desta
mesma coroa quando o ar no espaço úmido da noite reflete os raios do luar.
O Reino dos Céus de onde estou retornando (o
Paraíso) está adornado de raros e preciosos encantos que somente ali podem ser
apreciados, portanto impossível é descrevê-los com realidade. As vozes são tão
harmoniosas que transmitem a felicidade eterna a quem escuta. Assim, aquele que
não se esforça em merecer ir para lá, age como quem espera ouvir um mudo contar
estórias. Aquela coroa de luzes, cantando, circulou três vezes ao nosso redor,
como astros que em torno do seu pólo vão rodando. Então, semelhantes a damas
que, dançando, de repente param e em silencio aguardam o início de outras
músicas de novo ritmo para continuar a dança, assim aqueles sois pararam em
silencio. Então uma voz vinda daquele círculo luminoso me falou:
“O amor que da Graça
emana e sublime se eleva pelo Amor Maior, (Deus) em ti se reflete com tal
intensidade te conduzindo pela celestial escada a qual faz retornar quem por
ela desce, que, qualquer um de nós vendo
tua a alma sedenta de saber essa água te negasse, qual corrente de água
represada, irmão, livre não seria. Contemplando-nos, ficas desejando saber como
é formada a coroa de luzes que circunda a formosa
Dama que, protetora, pelos Céus te guia. Fui cordeiro do rebanho santo que na
voz de Domingos conduz a alma daquele que do Bem não se afasta. Sou Tomás de
Aquino (santo teólogo da ordem dos dominicanos – 1225-1274). Á minha direita
está, de Colônia, o grande Alberto (o célebre teólogo Alberto Magno) a quem
devo o carinho de irmão e mestre. Se desejas conhecer quem foram os outros que
aqui estão a brilhar, no santo círculo fixa o olhar e atento acompanhe minha
voz: Nesse esplendor que sorri jubiloso está Graciano (Graciano de Chiuse, em
Toscana; escreveu no século XII um volume de Cânones eclesiásticos que foi
chamado o Decreto de Graciano) que no dois foros, (o civil e o religioso) digno
se fez de estar no Paraíso. Aquele outro ornamento desta coroa de luzes, foi
Pedro que semelhante a pobre viúva do Evangelho, deu à Santa Igreja rico
tesouro (Pedro Lombardo, bispo de Pais, morto em 1164, que ao oferecer à Igreja
o seu livro “Sentenciarum” comparava-se com a viúva do Evangelho de S. Lucas,
cap, XXI). O quinto clarão, cujo esplendor ultrapassa os demais (o sapiente rei
Salomão, filho de Davi) se exaltou tanto em sabedoria, que o mundo ainda busca
sua inspiração. Tão profundo e extenso
foi seu saber que a tão alto na Terra, ninguém se elevou. Ao seu lado
está essa radiante luz que na terra, sua principal ocupação foi a de procurar
conhecer a natureza dos Anjos. (Dionísio Areopagita, que escreveu uma obra
intitulada de “Coelesti Hierachia”) Naquele clarão menor tranquilo e
brilhante, sorri esse advogado dos cristãos da época de Agostinho, que tão útil
foi no seu escrito. (Pedro Osório, que aconselhado por Santo Agostinho,
escreveu a “História” em defesa da religião cristã). Se com os olhos da mente
tens me acompanhado nestes louvores, do oitavo clarão saberás agora: nos
fulgores do Supremo Bem se eleva essa alma santa; (Severino Boécio, autor do
livro “De Consolatione Philosophiae”,
aprisionado e depois morto por Teodorico, em 524). Havendo demonstrado os
julgamentos errados do mundo e seus rigores, seu corpo jaz em Cieldauro; sua
alma chegou à paz divina depois de amargurado exílio e impiedosa morte. Mais
adiante em cada chama purpurina, resplandece Beda, Isidoro e Ricardo (Ricardo,
padre da Escórcia; Beda, bispo inglês; Isidoro= Santo Isidoro de Sevilha. Os
três doutores teólogos) cujos pensamentos se aperfeiçoaram além do conhecimento
humano (na teologia e na filosofia). Este de quem tua vista se despende a mim
retornando, julgou ponderado e cautelosamente, que a morte sendo rápida, trás
grande benefício; foi Singer que agora aqui brilha eternamente; outrora, Na Rua
Fouarré, lera verdades, que provocou grande ódio" (Singer de Barbante, professor
de teologia na Universidade de Paris, no século XIII a qual tinha a sua sede na
Rua Fouarré).
E, qual relógio que nos
desperta na hora em que a Esposa do Senhor (esposa de Deus) dá inicio ao dia no
retinir dos sinos, inundando a devotada alma com agradável som que fervorosa o
escuta, assim eu vi a gloriosa coroa de estrelas se movimentando e cantando com
tal suavidade de vozes, que imagino haver igual somente no Paraíso celestial.
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