O Poeta descreve a dança das duas coroas de
espíritos celestes. S. Tomás resolve a seguinte dúvida de Dante: Adão e Jesus
Cristo são seres perfeitos por serem obras imediatas de Deus. Merecimento do
Rei Salomão. Mas ele não pode ser comparado nem com Adão nem com Cristo.
Conclui o Santo advertindo do perigo dos juízos precipitados e, do quanto é
sujeito a enganar-se quem julga as coisas pelas aparências. Texto do Tradutor.
Quem desejar compreender
o que pude ver deve conservar minha narração bem gravada na memória como se tivesse
sido esculpido em rocha. Imagine estar vendo quinze astros distribuídos por
diversos pontos da abóbada celeste, irradiando tanta luz que o firmamento
ficasse todo iluminado e nesse espaço, girando sempre, noite e dia, duas
imensas e fulgurantes rodas de carro cuja claridade ultrapassasse a dos quinze
sóis. Agora imagine estar olhando para o
centro dessas rodas com se estivesse olhando através da boca de uns cones firmando
o olhar em cada uma, bem no ponto onde se localiza o eixo em torno do qual vai
girando o primeiro círculo; considere essas duas rodas como sendo astros que
formaram constelação idêntica a que surgiu no céu desde quando Ariadne foi
levada pela morte. (Ariadne, filha de Minos, depois de morta foi transformada
por Baco, numa constelação). Agora, imagine
aqueles dois círculos na celestial altura, um dentro do outro, porém girando em
movimentos contrários e misturando seus raios de luzes de diferentes cores. Mesmo imaginando todo esse
deslumbrante cenário, o leitor terá apenas pálida idéia de como eram as duas
constelações que giravam em torno de nós! São verdades que vão além da nossa
compreensão.
Esse mistério ultrapassa tanto a
compreensão humana quanto o lento correr das águas do Rio Chiana (rio da
Toscana).
Nesse bailado e cantar, nem Baco nem Apolo
estavam sendo louvados (hino que os antigos cantavam nas festas de Apolo), mas sim
a Santíssima Trindade, de uma só essência e numa delas o Deus Humanado. Tendo
os cânticos e o bailado sido interrompidos, as santas luzes voltaram para nós a
sua atenção.
Então, em meio ao silêncio que os dois coros
fizeram surgiu a mesma voz que anteriormente narrara a vida do “Mendigo de
Deus” (é a voz de Tomaz de Aquino que
falara sobre Francisco de Assis).
Falou: “Ao te esclarecer a verdade, muitas das
tuas dúvidas foram solucionadas; porém o Amor divino me impulsiona a falar
sobre as outras que ainda restam. Acreditas que no peito onde a costela foi
tirada para formar os gentis lábios que pela culpa da gula e desobediência transformou
em morte, a vida da humanidade inteira; (o peito de Adão, de cuja costela foi
tirada Eva, a qual desobedecendo as ordens divinas, comeu a maçã que foi fatal
para a humanidade); crês também nesse outro peito que, sofrendo rude golpe pela
aguda lança a restituiu; e pela decisiva retirada do peso da culpa
transformando a morte em vida, o equilíbrio da balança da Justiça Divina foi
restabelecido. (Jesus Cristo cujo peito foi aberto pela lança).
"Quanta sabedoria poderia ser concedida à humanidade
pela Inteligência Divina que existência deu a um e a outro. Foi esse o motivo
de eu ter dito ‘tão profundo e extenso foi seu
saber que a tão alto, na Terra, ninguém se elevou’ referindo-me ao quinto esplendor que aqui se encontra. (O
rei Salomão). Agora fixa tua atenção em minhas palavras e irás compreender que
a tua crença e a minha afirmação são tão exatas na mesma verdade, como o ponto
que define o centro de um círculo. Explico-te: O que não morre (Jesus
Cristo) e o que pela morte é consumido (Adão = o ser humano) são iguais em
perfeição, pois foram gerados pela Ideia esplendorosa de Deus que, através
deles, seu amor nos revela; por isso, essa luz viva vinda do Seu Foco e do qual
não se desprende (o Pai), em si mesmo se Reflete e a Ele retorna como luz em
espelho. Esse retorno é o Amor que existe entre o Foco (o Pai= O Primeiro) e o
Reflexo (o Filho= O Segundo) que o Terceiro fica sendo (o Espírito Santo é o
Amor que une o Foco ao Reflexo); em nove Céus se dividindo (os nove coros
angélicos) mantém a Unidade eternamente inseparável (é a Santíssima Trindade).
Daí vai baixando gradativamente às últimas potências, diminuindo tanto o ímpeto
da benevolência, (a força da graça) que, ao final, vai gerando rápidas
existências. “Existências” a palavra que indica todas as coisas criadas e que o
Céu em seu movimento vai multiplicando, com ou sem semente. Nem sempre a
matéria ou substância de que é composto o universo, mostra a ideia divina em
relação a criação. Disso vem o resultado de que plantas da mesma família
produzam frutos desiguais e que os homens nasçam com personalidades diferentes.
Se a matéria fosse igual em toda a criação e se a graça vinda dos Céus não
diminuísse em relação a cada ser criado, a virtude divina seria igual para
todos (homens, plantas, animais, minerais, etc). A natureza, porém apresenta
suas imperfeições tal como tal como o artista que, embora dominador de sua
arte, ao executá-la treme-lhe as mãos. Por isso o ardente Amor Divino (o
Espírito Santo) a Clara Visão (o Filho) e a Primeira das Virtudes (o Pai),
portanto a Santíssima Trindade faz com que toda a criação se torne perfeita. A
Terra foi criada com tal perfeição a fim de receber o mais perfeito dos animais
(o ser humano) – e permanecendo perfeita concebeu a Virgem Maria da qual o
corpo de Divino Filho seria formado. Nesse ponto concordo com o teu pensamento
de que a natureza humana jamais apresentou e nem apresentará seres mais
perfeitos do que nestas duas criaturas (Adão e Jesus Cristo). Se por ventura
tivesse eu concluído aqui meu discurso, com razão me terias perguntado: como
então, Salomão pôde ter sido igual a eles em sabedoria? Deves, pois, ser
informado da verdade: imagines de quem se tratava e a quem Deus disse: ‘Pede’!
Falei bem claro para que tua mente melhor compreendesse que foi o Rei quem
pediu sabedoria para bem governar. Não quis ele saber qual a quantidade de
inteligências angélicas que dão movimento aos Céus, nem se de uma proposição
maior e outra menor, a comparação seja a base da conclusão; ou se de um triângulo
sem ângulo reto, se pudesse traçar um semicírculo. Assim, entenderás que,
referendo-me a sabedoria sem igual, falava eu dos reis, os quais sendo muitos,
poucos são os sábios e prudentes.”
E continuou: “Tenhas sempre em mente as palavras que te
disse; sirva-se delas como chumbo preso aos pés; não vás rápido demais ao fim;
imitas o caminhante que lentamente andando chegou primeiro que o mais
apressado. Não te precipites em dizer “sim” ou “não”, pois se revela o mais
tolo entre os tolos, aquele que sem refletir, afirma ou nega. Daí vem muitas
vezes o prejuízo causado pela opinião geral que julga pelo impulso da paixão e
não da razão. Quem em vão do porto se desvia, não retorna ileso da jornada.
Quem busca a verdade, mas sua virtude não pratica, corre o risco de se perder.
A prova confirmada por fatos dão Paménedes, Melisso e Brisso (filósofos gregos,
rebatidos por Aristótelis) e muitos outros que partiram nessa viagem sem saber
qual rumo seguir. Assim fizeram Ario, Sabélio (herejes condenados pela Igreja)
e tantos outros que, como espadas, mutilaram o sentido dos textos da Sagrada
Escritura.
“Quem se apressa no julgar, imita aquele que
pretende calcular o valor da safra de trigo quando a seara ainda não está
madura. Durante o inverno vi ramos cobertos de espinhos, para dar castigo ao
que imprudente, lhe os tocassem; depois, na primavera, vi que esses ramos lhe
ofereciam belas rosas. Vi também barco a navegar feliz o imenso mar e naufragar
ao se aproximar do porto já alcançado. Não queiram dona Berta e dom Marinho
(nomes de pessoas comuns) que, embora um furte e outro dê esmolas, Deus vai antecipar seu julgamento. Pode ser que durante a jornada da vida um se erga e o
outro caia".
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