Beatriz
pergunta a um dos espíritos celestes, em nome de Dante se depois da
ressurreição dos corpos, permanecerá a luz que emana de suas almas e se essa
luz prejudicará a sua vista. O espírito responde que depois da ressurreição, a
vista dos espíritos aumentará. Aparecem novos espíritos. Sem perceber, Dante se
encontra no planeta Marte, onde estão aqueles que defenderam com armas a
religião cristã. Ao o aspecto do Céu, vence toda a beleza passada, porque quanto
mais se sobe, mais cresce o esplendor dos Céus. Texto do Tradutor
Chegam ao Planeta Marte
Quando a alma gloriosa de Tomás
terminou de falar, rápido me veio à mente a imagem da água em um recipiente, que,
ao ser tocado no centro se move em direção à borda e da borda ao centro; isto me ocorreu
pela semelhança entre o discurso e o que em tom grave e delicado disse Beatriz:
“O
que este homem precisava saber, não foi manifestado por sua voz e muito menos por
seu pensamento. Aliás, ele nem imagina que ireis explicar a origem de outra
verdade: se a radiosa luminosidade em que estais envolto permanecerá
eternamente igual e, assim sendo, dizei se após o Juízo Final, quando tiverdes
assumindo novamente vosso
corpo ressuscitado, vossos olhos irão suportar a intensidade de tão radiante luz”.
Como em certa dança grega, aqueles que giram
ao redor dos outros elevam suas vozes e gestos, assim ocorreu nos círculos dos
espíritos eleitos que ao ouvirem o piedoso pedido de Beatriz exultaram de
alegria no cantar e dançar. Aquele que, ao se aproximar da morte sente medo por
deixar a vida terrena para viver no Céu, é porque desconhece o encanto desta
alegria eterna. Quem aqui reina é Uno, é Duplo, é Triplo
(Deus) e permanece eternamente em três, em
duas, em uma pessoa, porém não limitado, mas a tudo abrangendo. De cada círculo
foi por três vezes entoado um hino de louvor - com tão suave melodia que por si
só fora valioso prêmio. Então ouvi vindo do círculo menor, uma voz tão suave como
deve ter sido a voz do Arcanjo Gabriel quando anunciou a Maria ter sido ela
escolhida para ser a mãe do Filho Divino - responder assim (a voz era a de
Salomão): “Enquanto
a bem-aventurança do Paraíso existir estaremos revestidos da luz que nos
circunda. A intensidade do seu brilho é proporcional ao ardor do amor que trazemos
em nós, se igualando na Graça concedida por Deus. E quando formos novamente
revestidos do corpo glorificado e santo, mais felizes e ditosos nos sentiremos,
pois seremos mais completos, aumentando-se assim a luminosidade com que o Sumo
Bem nos adorna a fim de que possamos vê-Lo na Sua Glória; por isto nossa visão será
mais penetrante, maior em nós será a chama do amor e seu esplendor será mais
reluzente. Quando o carvão é incendiado sua chama desprende intenso brilho, porém
não oculta suas formas; do mesmo modo permanecerá em nós esse esplendor, porém
deixando que seja visto o corpo ressuscitado que hoje permanece a dormir sob a
terra. Nenhum de nós será ofuscado pela intensidade da luz porque os nossos
sentidos estarão adaptados a quanto prazer nos for determinado“.
Então os dois coros,
alegres e apressadamente exclamaram “Amém” demonstrando assim o quanto
desejavam reaver seus corpos, não para satisfação própria, mas por amor aos seus
pais, suas mães e todos os entes queridos que eles conheceram e amaram, antes
de se tornarem luzes eternas. De repente, tal como ocorre ao cair da tarde quando
a noite se aproxima aumentando as sombras e no céu surgem estrelas cuja luz aos
nossos olhos se apresenta hesitante, assim me pareceu ter visto a brilhar novas
e indecisas luzes que também girando, moviam-se ao redor daqueles belos
círculos. Ó verdadeiro fulgor do Espírito Santo! Quando subitamente te
mostraste, fulgurante, meus olhos vencestes deixando-os deslumbrados.
Porém, naquele instante,
eu via Beatriz tão bela e sorridente a brilhar tão intensamente, que minha
mente não consegue recordar com perfeição. Do seu olhar refletia tão poderosa
força que a elevou e com ela me vi transportado ao mais alto e luminoso Céu (ao Planeta Marte). Tive a certeza de que havia subido, Pelo purpúreo esplendor
dessa nova estrela (Beatriz) que notei de um rubor nunca visto. Então, do mais
profundo do meu ser e com imensa humildade, louvei a Deus por mais essa graça a
mim concedida. Não havia ainda exalado do meu peito todo o ardor de uma prece,
quando convencido fiquei de que ela fora aceita e ter sido julgada propícia,
pois perplexo me vi entre dois raios de luzes tão esplendorosos, tão rubros que
exclamei: “Ó Hélios (o Sol) quão extraordinariamente brilhas!” A Via-Láctea que
em suas estrelas é ou mais ou menos brilhante em algum ponto de seu espaço permanece misteriosa, deixando os sábios em dúvida por não saberem explicar qual
seja a origem de sua natureza; igualmente em Marte, qual constelação reluzindo,
aqueles raios cruzando-se em retângulos iguais, formava o sagrado
Sinal-da-Cruz.
Ainda mantenho gravada
na memória a sublime visão; naquela cruz vi lampejar o Cristo, mas não consigo
descrevê-lo com palavras. Quem recebe a Cristo e na jornada da vida O segue,
depois de tê-Lo visto fulgurar naquela Cruz saberá desculpar-me pelo que eu não
souber descrever. De uma a outra extremidade dos braços e, de cima para baixo e debaixo para cima da Cruz, milhares de luzes
se moviam indo e voltando; ao se encontrarem no centro da Cruz ou ao se
afastarem, aquelas luzes resplandeciam ainda mais, como se costuma ver em
crepúsculo, por entre galos e folhas de árvores, rápidos ou lentos, curtos ou
longos, retos ou ondulados, a bailar em feixes de luz, em aposentos ao qual a
arte e o engenho homem quis dar frescura e sombra. E como da lira e da harpa de
cordas bem afinadas, se desprendem doces melodias que encantam até os ouvidos
de quem desconhece notas musicais.
Assim, desse luzeiro que ali eu via em forma
de Cruz, extático escutava sem compreendê-la, angelical harmonia. Deduzi
tratar-se de altos louvores, porém compreendi apenas as palavras – “Ressuscita
e triunfa” – confusamente era que em mim soava a melodia. Ouvi-a; porém tão
enlevado ainda me sinto que não consigo ter outros sentimentos que me prendam a atenção senão a perplexidade do doce cantar.
Tal pensamento pode
parecer ousado se comparar essa alegria, com a que sentia na contemplação do
olhar de Beatriz, onde minha alma encontrava sempre a paz. Porém, deve-se levar
em consideração que estes lindos olhos iam ficando cada vez mais belos à
proporção que íamos subindo, e eu não podia fitá-los.
Culpando-me, busco o perdão
ao falar a verdade. Não escondo que ao contemplá-la sentia o prazer do mais
puro encanto; prazer que tanto mais purificado fica quanto mais vou me elevando
de astro em astro.