O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 20 de janeiro de 2013

O PARAÍSO - CANTO VIII

Dante e Beatriz se elevam a estrela Vênus onde estão os espíritos daqueles que outrora foram propensos às paixões amorosas. Encontro do Poeta com Carlos Martelo, o qual, referindo-se a índole mesquinha de seu irmão Roberto, explica-lhe como se dá que de um bom pai possa nascer um filho mau e enfim quanto é providencial a Natureza nos seus decretos, e quão vaidosos sãos os homens que não lhe seguem as indicações. Texto do Tradutor
                                                                  Planeta Venus
 O mundo perigosamente acreditava que a bela Ciprina (a deusa Vênus) lá no centro do terceiro astro arremessava à Terra dardos de louco amor; por isso não somente lhe consagravam sacrifícios, preces e votos, como também adoravam sua mãe Dione, e seu filho Cupido, que a Dido enganarou reclinando-se em seu seio ardente. (No I Livro da Eneida, Cupido, estimulado por Dione toma a aparência de Ascânio e leva os presente de Enéias a Dido que acreditando tratar-se de seu amante, a ele se entregou). Vem daí o nome de Vênus ao planeta que o Sol, enamorado, está sempre a lançar seus raios quando aparece no nascente ou desaparece no poente.
               Como me cheguei até esse astro, não sei dizer; mas, por ver minha amada ainda mais bela tive a certeza de haver nele penetrado. Assim como se vê fagulhas em fogo crepitante e também como uma voz é diferenciada de outra pela diferença de sonoridade, no meio da luz que se elevara (Beatriz esta toda iluminada) distingui outros luzes se movimentando em maior ou menor velocidade, determinada pela maior ou menor intensidade da graça divina contida em cada uma delas. Os ventos que rompem de espessa nuvem, visíveis ou não, pareceriam mais lentos do que a velocidade com que cada uma dessas luzes vinha ao nosso encontro, deixando a dança que nas alturas dos céus os Serafins marcavam o compasso. Após a multidão de luzes que primeiro nos alcançou ecoava um hosana de tão suave melodia que o desejo de tornar a ouvi-lo jamais desapareceu de mim. Então um dos espíritos que mais rapidamente se aproximou começou a falar, dizendo:
               “Todos nós estamos prontos a responder as perguntas que forem do teu agrado! Aqui nos movemos em torno de uma só energia vinda das vozes  angelicais dos príncipes celestes de quem  tu, no mundo, haveis dito assim: ‘Vós sábios motores do terceiro céu...’ (Sábios motores: os Anjos). Estamos prontos e é tão ardente o desejo em te agradar que, qualquer que seja a demora nos trará alegria” .
               Depois que reverentemente o olhar ergui ao iluminado rosto de Beatriz, e ficado ciente do seu consentimento, dirigi-me à luz que se mostrava em maior intensidade e enternecido, perguntei emocionado: “Quem és?” 
         Ó maravilhoso efeito das minhas palavras! A pergunta lhe incutiu tal felicidade que aumentou o brilho do seu aspecto a ponto de iluminar-me; então respondeu: 
           “Bem pouco tempo a Terra me teve; se eu tivesse vivido um pouco mais, o mal que ora lamentas, certamente ninguém o visse. (Quem fala é Carlos Martelo, filho de Pepino I que Dante conheceu em Florença em 1294). O júbilo que sinto por estar aqui produz esta luminosidade que aos teus olhos me oculta, como o inseto se reveste com os véus de sua seda. (como o bicho-da-seda está oculto em seu casulo). Com razão me dedicaste extremo afeto, pois, se eu tivesse vivido no mundo por mais tempo, teria te demonstrado o quanto eras querido por mim. A margem esquerda da região que é banhada pelo Ródano depois que este se une ao Sorga, me esperava um dia como seu governante; também a que partindo do litoral da Ansônia (Itália) e é cercada por Bari, Gaeta e Cartona até onde o rio Tronto e Verde lançam suas águas ao mar, bem como as terras que o Danúbio rega (Hungría) até onde as plagas tudescas abandona, (dos antigos germanos - Alemanha) a coroa do vasto reino em minha fronte já se ostentava majestosa. E Trinácria (Secília) cujo céu está constantemente carregado de nuvens escuras, não por culpa de Tifeu, (segundo a lenda o gigante Tifeu sepultado na Sicília, expele fumaça e enxofre) mas proveniente de erupção vulcânica, e onde mais feroz o vento leste se torna, ainda estaria sob o reinado dos descendentes de Carlos e Rodolfo (Carlos de Anjou e Rodolfo de Habsburgo) e da minha, se um governo aterrorizante não obrigasse o povo de Palermo – a quem o temor não mais o domina – a gritar: ‘Morra! Morra!’ (Alusão as Vésperas Sicilianas). Se meu irmão (Roberto de Anjou) tivesses sido mais prudente, teria fugido da indigente avareza dos catalães (natural de Catalunha) não dando oportunidade para  que tamanho mal acontecesse; na verdade quando alguém por si ou por outrem assume o comando, urgente se torna não permitir sobrecarregar a barca que devido ao excesso de peso, já inclinava. Quando um governante estivesse propenso a avareza, deveria ter um exército que o impedisse de pensar somente em encher seus cofres”.
               Disse-lhe eu: “Acredito, senhor, que a alegria que sinto em ouvir-te vem de Deus no qual tudo começa e termina. Acredito também que ao falar sintas a mesma alegria que eu, e essa certeza faz aumentar ainda a minha felicidade. Tudo o quando disseste me é extremamente importante, pois falas contemplando o reflexo de Deus. Muito me esclareceste; mas ainda me resta dúvida sobre o que disseste: ‘Semente doce produz fruto amargo?’“.
               “Te mostrando a verdade – disse-me – logo rejeitarás o que antes julgavas como certo. O Supremo Bem que alegra estes Céus para onde vens subindo, faz com que todas as virtudes Nele contidas sejam reveladas através da Criação; assim sendo todos os corpos celestes tornam-se capazes de transmitir virtudes próprias que influenciam na Terra; e não somente com perfeita previdência as coisas terrestres se encontram ordenadas, como também a Sua Onipotência as protege, porque as setas deste arco quando arremessadas, predestinadas são a um certo ponto que deverão a ele chegar, infalivelmente perfeitas. A ordem e harmonia existentes no Universo vêm da essência do próprio Deus, que é a perfeição. Queres que lhe explique as verdades mais claramente?”
               “Não” - repliquei – “não imagino que o Criador pudesse cometer falhas em suas belas obras” Então ele me perguntou: “Seria ruim para o homem não viver em sociedade  organizada?” Lhe respondi – “Certamente; e a razão disso eu sei”
              E ele continuou: “Haverá sociedade se nela não se encerrar ocupações diversas, praticadas de diversas formas, por diversos cidadãos? Não, se o teu mestre filósofo (Aristóteles) estiver certo em seu modo de pensar”. E concluiu: “Resultados diferentes indicam sempre origens diferentes. (Efeito diferente indica causa diferente) É essa a razão por que as pessoas nascem com a personalidade tão diferente uma das outras; dou como exemplo Sólon (governador de Atenas; compassivo e educado) e Xerxes; (Rei persa; violento guerreiro) Melquisedeque (rei de Salém, inteligente e justo) ou Dédalo, o que mandou o filho voar e o perdeu nos ares, demonstrando ser muito habilidoso, mas insensato. Perfeito é o girar incessante dos céus e ao fazer, enviam aos humanos suas virtudes sem cogitar em qual casa elas vão baixar. Daí vem a explicação porque Esaú tinha o temperamento tão diferente do de Jacó, embora fossem irmãos gêmeos; e Querino (Querino Rômulo, fundador de Roma) cujo pai era tão humilde que,  para ser considero nobre, os romanos diziam ser ele filho de Marte. Se as virtudes divinas não agissem sobre  a natureza humana, toda ela  seria igual, tanto nas atitudes como nos destinos. Agora deve estar bem claro para ti, a verdade. Mas ainda te proponho que conheças outras verdades, pois o desejo de agrada-te ainda permanece em mim. Na natureza humana pode haver excesso de contraste; uma boa semente, se lançada em solo impróprio, pode produzir maus frutos. Se a humanidade meditasse cuidadosamente no conjunto de princípios básicos que a natureza oferece, de melhor gente o mundo seria povoado. Cada pessoa deveria exercer suas atividades de acordo com a sua vocação natural. Mas, que inadequado é para aquele que quer ser guerreiro buscar a solidão dos monges, ou fazerem Rei quem queria ser um pregador. Por esse motivo é que a humanidade anda sempre fora do caminho”.

domingo, 6 de janeiro de 2013

O PARAÍSO-CANTO VII

(Ainda em Mercúrio)
               
Hosannah Santus Deus Sabaoth, Superrillustrans claritae tua; felices ignes horum malacôth!”
(expressão constituída por palavras latinas e haraicas: “Salve Deus dos exércitos, que iluminou com o teu clarão os felizes deste reino”). Assim ouvi cantar essa venturosa alma em quem claramente se percebia dupla luminosidade; estavam todas juntas e felizes a dançar quais chamas fulgurantes, quando subitamente da nossa presença foram se afastando, até desaparecerem na distância. E eu sem nada compreender, cheio de dúvidas, dizia a mim mesmo: “Pergunta à tua senhora de que se trata, pergunta, pois já sentes sede de seus esclarecimentos”. No entanto a perturbação tomou posse de mim e a voz me impedia de falar; conseguido apenas balbuciar Be ou iz, curvei a fronte como quem ao sono cede.
Porém Beatriz, da confusão me tirava; resplandecente e com um sorriso que me iluminou a mente, assim falou: “Vejo que a dúvida continua a dominar tua alma, pois não consegues compreender como uma vingança que foi justa, pode depois receber digna punição da justiça divina! Mas não me custa te clarear o espírito. Preta bem atenção, pois a verdade das minhas palavras tem caráter de urgência. Por não querer obedecer ao salutar comando, o homem nascido sem mãe, (Adão) corrompeu a si e a humanidade. Durante muitos séculos, enferma do pecado permaneceu ela prostrada no enorme erro até que o Verbo Divino fosse encarnado pela ação do Amor Eterno, se unindo à criatura que se afastara do Criador pelo mal que praticara. Considera bem no que vou dizer: a natureza humana a quem complacente se uniu, foi criada perfeita, leal ao Criador; mas por livre vontade, fugindo loucamente do caminho da vida e da verdade, do Paraíso Divino se exilou. Considerando-se a situação em que se encontrava a humana natureza a que Jesus assumira, a punição na Cruz, nesta circunstância, foi a mais justa. Ao mesmo tempo nunca injustiça igual se praticou contra a natureza divina da Pessoa que tanto padeceu, por ter se unido à natureza humana.
 No entanto esse ato justo e injusto teve consequências contraditórias. Por essa morte, aliviados se sentiram os Judeus, jubiloso ficou o Céu e o universo apavorado; (a morte de Jesus Cristo deu satisfação a Deus porque reparava a ofensa de Adão; aos judeus pela raiva deles contra Jesus, o universo ficou apavorado pela crucificação de Deus e o Céu alegre porque se abria novamente à humanidade). E não te mova profunda sensação ao ouvir que uma vingança foi justa quando deveria ter sido vingada. Vejo confusão em tua mente por estar entre dois pensamentos e deles se libertar te causa grande esforço. Dirás então – “na verdade entendo o que disseste; mas por que Deus em Seu ato de bondade, para nos redimir, escolheu esse modo tão cruel, não compreendo!” – Esta determinação, caro irmão, está oculta à mente dos que ainda não desenvolveram a compreensão sobre a chama do Amor Divino. É mistério com que luta o pensamento sem conseguir vitória, em tal polêmica. Mas foi o melhor modo. Ouve-me atento! A Divina Bondade que afasta de si o desamor, se exalta, se resplandece e se faz conhecer por eternas perfeições. O que dela diretamente tem origem é sem fim; eternamente impresso fica, tudo do que no Ser Supremo esteja. Assim, não se torna o homem submisso à influência das causas secundárias. Isso significa ter ele adquirido a plena liberdade de escolher o que mais lhe satisfaz, se está em conformidade com a sua essência. O Sublime Amor que resplandece em todas as coisas, mais resplandecente é naquele que contém esta excelência. Cabe ao ser humano a partilha de tais bens.
Porém, um ser humano perde esse brilho, sua nobreza decai, se humilha; e somente o desrespeito as leis Divinas o faz descer dessa nobre altura; nele não mais reflete a luz do Supremo Bem. D´Ele a semelhança não mais se apresenta e a Sua sublime grandeza não mais assume, se não apresentar oposição ao prazer do mal. Tendo todo o gênero humano ficado assim infeccionado pelo germe do pecado, dessa grandeza e do seu Paraíso foi deserdado só podendo reavê-los – com certeza saberás se, prestares bem atenção -  intervindo um dos meios que com clareza aponto: ou Deus por bondade infinita perdoando, ou porque o homem por si próprio, convencido da sua culpa, peça o perdão. Para sondar a profundidade imensa dos tribunais eternos, fixe na mente as razões que meu discurso apresenta. Vivendo na eterna miséria o ser humano não poderia curvar-se tanto, humilde e reverente, quanto em sua rebeldia se elevar quisera. Eis porque, redimir-se do pecado, por si mesmo a ele não seria possível. Portanto, foi do agrado Divino por clemência ou justiça e ambos juntando, ter sido ele preparado para a vida eterna.
Tendo sido a obra executada ao gosto do Criador, ainda mais quando apresenta a imagem do sentimento, de que vem piedoso a brando, a bondade que em tudo se reflete, se oferece em nosso favor dos dois modos; somente um, bastar-lhe não parece.
Ato igual não se fez tão sublime e belo quanto esse; nem entre a noite final (Juízo Final) e o primeiro dia, (o dia da Criação) nem se faria. Deus se fez mais generoso doando-se, porque deu condição ao homem de se erguer, do que caridosamente o perdoando. Qualquer outro meio que empregasse não bastaria à Justiça Divina, a não ser o do Filho de Deus se humilhando, a natureza humana recebendo.
Para de tudo seres doutrinado, eu volto a um ponto, para que mais claramente vejas o que cuidadosa, tenho te explicado. Então me dirás: se bem reparo no fogo e na água, na terra e no ar e em seus componentes, vejo degradação que assola sem piedade – Respondo-te: na criação Deus ordenou: deverão ser isentos de deterioração, permanecendo perfeitos em sua matéria. - Sendo corretos os princípios a ti expostos, como irmãos se consideram os anjos, os homens e do universo, tudo o que há no espaço inteiro, devendo, conservarem-se puros, como foram criados. Elementos da natureza, e tudo o que nela permanece, oferecem traço de qualidade própria criada por eles e que se harmonizam. A lei divina criou-lhes a matéria criando logo a força participante que predomina nos astros que os cercam. Nossa vida vem diretamente de Deus, Supremo Bem, que em nós produz tal Amor, que O faz desejar eternamente. Daí, por dedução, vem também vossa ressurreição, se teu espírito considerar a perfeição do ser e a essência da natureza humana, quando o primeiro par teve existência".