O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

terça-feira, 26 de março de 2013

O PARAISO - CANTO XI


Dante elogia a vida contemplativa. As palavras proferidas no canto anterior por Stº Tomás criam duas dúvidas no ânimo do poeta. O santo, tratando de resolver a primeira, esboça a vida de São Francisco de Assis.Texto do Tradutor.

 Tomaz de Aquino- Google
Ó confusas aspirações humanas! Em falsas ilusões se envolvendo o homem tende a prender-se ao chão. Uns se escondem por trás das leis; outros buscam conceitos, buscam honrarias; um faz-se sacerdote; outro governa usando de força ou fraude, tirando proveito do mandato em benefício próprio ou dos amigos e muitas vezes entregando-se aos deleites da vida e a ociosidade! Mas eu livre dessas preocupações terrenas, com Beatriz, fui elevado aos Céus, sendo lá acolhido com imensa glória. Cada um daqueles espíritos luminosos voltava ao círculo ocupando o lugar onde anteriormente estava, ficando firme a brilhar, qual círio em candelabro. Então, do centro do clarão que antes me falara suave voz escutei, (é a voz de Santo Tomás de Aquino) enquanto sua luminosidade aumentava; assim dizia:  

Francisco de Assis-do Google
 “Ao fitar a Luz Eterna que em mim se reflete, compreendo claramente o que estás pensando e a sua causa. Desejas que eu afaste da tua mente a confusão que se formou quanto ao que há pouco te disse: - ‘a Tão alto, na Terra, ninguém se elevou’ – e ‘a voz que conduz a alma daquele que do Bem não se afasta. – Está aqui a explicação que espera: - ‘a tão alto’... A Providência Divina governa o mundo com tanta sabedoria, que perturbada sente a mente de quem tenta compreender Seus mistérios. E também: - ‘a voz daquele que conduz’. Essa mesma Providência doou à Esposa d´Aquele que em alta voz a ela se uniu quando na Sagrada Cruz estava, para fortalecer-lhe o espírito e a fé, dois príncipes (S.Domingos e S. Francisco de Assis) a fim de que o abençoado caminho lhe mostrassem (doou à pobreza). Um deles se dedicou a ela (a pobreza) com o ardor de um Serafim. (S.Francisco de Assis). O outro, com o brilho e a glória de um Querubim espalhou sobre a terra seus conhecimentos, (S.Domingos) Porém de um somente falarei, pois em um se encerra o que ao outro maiores louvores seja aplicado. Quem der aos dois o mesmo tratamento, não comete enganos, pois ambos seguiram a mesma meta.
“Entre Tupino e o rio que desce da alta montanha (Rio Chiascio), lugar escolhido mais tarde para eremitério de Santo Ubaldo, fértil encosta pende de alto monte. É dali que, pela Porta do Sol chegam a Perúgia o frio e o calor, enquanto no lado oposto da montanha Nócera e Gualdo padecem cruel jugo. No lugar onde o declive é menor, nasceu para o mundo um sol tão radiante como o que ao Ganges, às vezes ilumina. Quem desse portentoso lugar fale, não diga Assis, que pouco significa; chame o glorioso berço do “Oriente” (berço do Sol). Quando “essa luz” era ainda criança e tinha todo o conforto a receber dos seus, já suas virtudes se apresentavam. E ainda adolescente, por amor a aquela dama, (a pobreza) entrou em conflito com seu pai que lhe fechou as portas como se morto estivesse. Então na Corte Episcopal e na presença de seu pai a recebeu por esposa amada, devotando-lhe amor cada vez mais forte. Vivera ela (a pobreza) viúva e desprezada por mais de onze séculos e por nenhum outro amante fora desejada. (O primeiro esposo da pobreza foi Jesus; por isso ela ficou viúva mais de onze séculos até Francisco de Assis a tomou por esposa). Não significa a mesma coisa afirmar que aquele guerreiro temido pelo mundo a tenha encontrado no lar de Amíclas; (Julio César ficou admirado pela alegre pobreza do pescador Amiclas).
Também não é o mesmo, proclamar que ela, (a pobreza) inteiramente fiel e na presença de Maria que ficara ao pé da Cruz tenha subido ao madeiro com Cristo. Para que minha linguagem se faça mais clara, lhe direi o nome dos amantes: Francisco e Pobreza. A alegria no semblante, a ternura no olhar e a perfeição no amor ao próximo, davam a todos edificantes lições.
Aquela paz, o venerável Bernardo (primeiro companheiro de S. Francisco) desejou ardentemente, sendo o primeiro que a ele descalço correu, e pensava estar sendo vagaroso. Ó ignorada abundância! Ó verdadeiro e único Bem! Descalço foi também Egídio, foi Silvestre; (companheiros de S. Francisco); escolheram-na (escolheram a pobreza) porque tinham como guia seu esposo.
“Dali parte para o mundo aquele pai e mestre com a sua terna esposa e santa família. Não se sentia humilhado, nem vaidoso, nem se assustava por ser o obscuro filho de Bernardone (Pedro Bernardone, pai de S.Francisco) e nem por sofrer desprezado. Porém, cheio de coragem, mostrou o consistente propósito à Inocêncio. (Inocêncio III, Papa que deu autorização à Ordem Franciscana em 1214) de quem obteve a primeira aprovação ao regimento austero e verdadeiro.
“E quando progrediu, a família pobre daquele cuja vida heróica é agora aclamada no Céu com louvores de anjos, foi agraciada pelo Espírito Santo com mais uma vitória concedida por Horácio, que atendeu aos anseios daquele corajoso pastor. (Horácio III que em 1223, pela segunda vez aprovou a Ordem de S. Francisco). Em seguida, sem temer o martírio vai até o Egito para, na presença do soberbo Sultão, anunciar Cristo e Seu Evangelho (São Francisco, em 1219 esteve no Egito tentando converter os infiéis, mas logo voltou para a Itália). Percebendo então que o povo não aceitava a nova fé, para que seu zelo não ficasse sem proveito voltou para a grande quantidade de almas italianas. Foi então que, sobre duro penhasco entre o Rio Tibre e o Arno, (sobre o Monte Alverne) o derradeiro selo Cristo lhe pôs. E durante dois anos ele o apresentou em seu corpo. (No Monte Alverne, Francisco recebeu as cinco chagas de Jesus crucificado e as manteve em seus pés, mãos e peito durante dois anos, quando morreu). Quando  Deus o chamou para junto de Si para dar o merecido prêmio por seu desvelo e amor ao próximo, Francisco recomendou aos seus irmãos e herdeiros aquela senhora que tão ternamente amara (a pobreza), para lhe terem sempre fiel afeição, pedindo aos irmãos que seu corpo fosse sepultado na terra nua, sem qualquer outra proteção.
Imaginas, pois, quem Deus julgou digno de continuar conduzindo por alto mar a Santa Barca comandada por Pedro; a tarefa coube ao nosso Patriarca; pois quem aos preceitos, fiel obedece arrecadar tesouros sabe! Mas o seu rebanho desejava nova pastagem e tanto é por esse desejo impelido, que em diversos campos apareceu. Quanto mais cada ovelha é seduzida pelo pérfido e fútil atrativo mundano, tanto mais ao redil retorna. Temendo o passo decisivo, poucas se acolhem ao pastor. “O pouco pano com que se vestem, para elas já é o bastante”.
“Se claro te falei; se me ouviste com atenção e guardaste tudo na memória, ao menos em parte satisfiz ao teu desejo; pois bem vês que pelo ramo se conhece a planta e a razão está neste argumento: - “Encontra salvação aquele que não se desvia do caminho do Bem”. 

domingo, 3 de março de 2013

O PARAÍSO - CANTO X

Depois de admirar a infinita sabedoria de Deus  na criação do universo, narra o Poeta como,  sem aperceber, se encontrou elevado ao Sol, em que estão as almas dos doutos na teologia. Doze espíritos mais reluzentes o circundam e um deles São Tomás de Aquino, revela o nome dos seus companheiros. Texto do Tradutor.
Dante e Beatriz chegam ao Sol
Deus Pai, o primeiro e inexplicável Poder a contemplar Seu Filho por meio do Espírito Santo que procede de Um e de Outro eternamente, criou o visível e invisível de modo tão perfeito que nossa razão nunca poderá deixar de adorar o seu Autor.
O leitor erguendo o olhar para o alto e examinando com atenção o ponto onde a linha imaginária do equador se cruza com a das constelações do zodíaco, poderá imaginar a grandeza da obra que o Criador, por tanto amá-la nela sempre atento tem Seu divino olhar. Veja como desta parte se estende em linha obliqua a faixa que transporta os planetas cujos benefícios o mundo exige e espera. Não fosse assim oblíqua essa estrada, (a Via Láctea ou Caminho de São Tiago) para o Céu seu poder seria inútil; e aqui na Terra sua potencia não existiria. Se a inclinação desse caminho fosse um pouco mais ou menos diferente do que é, a ordem estabelecida no universo desapareceria. Caro leitor experimente fazer juntamente comigo pausada meditação sobre a grandeza do pouco que lhe apresentei. Te dei apetitoso manjar; serve-te dele se te agradou. Quanto a mim, o assunto sobre o qual escrevo não permite nem por um instante que dele minha atenção se afaste. 
O mais poderoso ministro da natureza, que transmite para a Terra a influência do Céu e faz com que o tempo seja medido pela sua fulgurante luz (o Sol), se aproximava do ponto onde neste Canto já me referi, e se voltava para o ponto onde mais cedo as trevas são extintas. (O sol do lado leste da terra). Já me encontrava no cento deste astro e não havia percebido, assim como alguém não conhece seu pensamento quando na mente ainda não surgiu.
Beatriz estava mais luminosa, mais refulgente; e isso aconteceu mais rápido do que da vez anterior. Se antes ela já era radiosa, naquele momento a intensidade de sua luz superava a do Sol. Procurarei usar palavras que possam me auxiliar, a fim de descrever da forma compreensível possível, o que vi; porém pode-se acreditar no que digo e desejar vê-lo. Não fique o leitor decepcionado ao perceber quão pequena é a criatividade da minha imaginação quando a tanto se elevar quisera. Ali no quarto Céu (no Sol) resplandeciam as almas que foram determinadas pelo Deus Pai a permanecerem contemplando o inefável espetáculo da Trindade. Beatriz me disse: “Humildemente agradece ao Sol dos Anjos tamanha bondade ao permitir que ao esplendor do Sol visível te eleves”. Coração de mortal algum se sentiu tão piedoso e devoto ao carinhoso convite, e tão decidido a expressar a Deus tão imensa gratidão. E naquele instante meu amor por Ele foi tão intenso, que ultrapassou o meu amor por Beatriz. No entanto, isso a ela em nada desagradou, pois no seu sorriso e no seu olhar resplandeceu tanta luz que, do êxtase profundo em que me encontrava, fui desligado.
Então vi luminosos e intensos clarões ao nosso redor formando um círculo. A suavidade de suas vozes superava a intensidade das luzes. É assim que vemos a filha de Latona (Diana ou a Lua) circundada desta mesma coroa quando o ar no espaço úmido da noite reflete os raios do luar.
O Reino dos Céus de onde estou retornando (o Paraíso) está adornado de raros e preciosos encantos que somente ali podem ser apreciados, portanto impossível é descrevê-los com realidade. As vozes são tão harmoniosas que transmitem a felicidade eterna a quem escuta. Assim, aquele que não se esforça em merecer ir para lá, age como quem espera ouvir um mudo contar estórias. Aquela coroa de luzes, cantando, circulou três vezes ao nosso redor, como astros que em torno do seu pólo vão rodando. Então, semelhantes a damas que, dançando, de repente param e em silencio aguardam o início de outras músicas de novo ritmo para continuar a dança, assim aqueles sois pararam em silencio. Então uma voz vinda daquele círculo luminoso me falou:
“O amor que da Graça emana e sublime se eleva pelo Amor Maior, (Deus) em ti se reflete com tal intensidade te conduzindo pela celestial escada a qual faz retornar quem por ela desce, que,  qualquer um de nós vendo tua a alma sedenta de saber essa água te negasse, qual corrente de água represada, irmão, livre não seria. Contemplando-nos, ficas desejando saber como é formada a coroa de luzes que circunda a formosa Dama que, protetora, pelos Céus te guia. Fui cordeiro do rebanho santo que na voz de Domingos conduz a alma daquele que do Bem não se afasta. Sou Tomás de Aquino (santo teólogo da ordem dos dominicanos – 1225-1274). Á minha direita está, de Colônia, o grande Alberto (o célebre teólogo Alberto Magno) a quem devo o carinho de irmão e mestre. Se desejas conhecer quem foram os outros que aqui estão a brilhar, no santo círculo fixa o olhar e atento acompanhe minha voz: Nesse esplendor que sorri jubiloso está Graciano (Graciano de Chiuse, em Toscana; escreveu no século XII um volume de Cânones eclesiásticos que foi chamado o Decreto de Graciano) que no dois foros, (o civil e o religioso) digno se fez de estar no Paraíso. Aquele outro ornamento desta coroa de luzes, foi Pedro que semelhante a pobre viúva do Evangelho, deu à Santa Igreja rico tesouro (Pedro Lombardo, bispo de Pais, morto em 1164, que ao oferecer à Igreja o seu livro “Sentenciarum” comparava-se com a viúva do Evangelho de S. Lucas, cap, XXI). O quinto clarão, cujo esplendor ultrapassa os demais (o sapiente rei Salomão, filho de Davi) se exaltou tanto em sabedoria, que o mundo ainda busca sua inspiração. Tão profundo e extenso foi seu saber que a tão alto na Terra, ninguém se elevou. Ao seu lado está essa radiante luz que na terra, sua principal ocupação foi a de procurar conhecer a natureza dos Anjos. (Dionísio Areopagita, que escreveu uma obra intitulada de “Coelesti Hierachia”) Naquele clarão menor tranquilo e brilhante, sorri esse advogado dos cristãos da época de Agostinho, que tão útil foi no seu escrito. (Pedro Osório, que aconselhado por Santo Agostinho, escreveu a “História” em defesa da religião cristã). Se com os olhos da mente tens me acompanhado nestes louvores, do oitavo clarão saberás agora: nos fulgores do Supremo Bem se eleva essa alma santa; (Severino Boécio, autor do livro “De Consolatione  Philosophiae”, aprisionado e depois morto por Teodorico, em 524). Havendo demonstrado os julgamentos errados do mundo e seus rigores, seu corpo jaz em Cieldauro; sua alma chegou à paz divina depois de amargurado exílio e impiedosa morte. Mais adiante em cada chama purpurina, resplandece Beda, Isidoro e Ricardo (Ricardo, padre da Escórcia; Beda, bispo inglês; Isidoro= Santo Isidoro de Sevilha. Os três doutores teólogos) cujos pensamentos se aperfeiçoaram além do conhecimento humano (na teologia e na filosofia). Este de quem tua vista se despende a mim retornando, julgou ponderado e cautelosamente, que a morte sendo rápida, trás grande benefício; foi Singer que agora aqui brilha eternamente; outrora, Na Rua Fouarré, lera verdades, que provocou grande ódio" (Singer de Barbante, professor de teologia na Universidade de Paris, no século XIII a qual tinha a sua sede na Rua Fouarré).
E, qual relógio que nos desperta na hora em que a Esposa do Senhor (esposa de Deus) dá inicio ao dia no retinir dos sinos, inundando a devotada alma com agradável som que fervorosa o escuta, assim eu vi a gloriosa coroa de estrelas se movimentando e cantando com tal suavidade de vozes, que imagino haver igual somente no Paraíso celestial.