O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O PARAÍSO - CANTO XIV

 Beatriz pergunta a um dos espíritos celestes, em nome de Dante se depois da ressurreição dos corpos, permanecerá a luz que emana de suas almas e se essa luz prejudicará a sua vista. O espírito responde que depois da ressurreição, a vista dos espíritos aumentará. Aparecem novos espíritos. Sem perceber, Dante se encontra no planeta Marte, onde estão aqueles que defenderam com armas a religião cristã. Ao o aspecto do Céu, vence toda a beleza passada, porque quanto mais se sobe, mais cresce o esplendor dos Céus. Texto do Tradutor
 Chegam ao Planeta Marte

Quando a alma gloriosa de Tomás terminou de falar, rápido me veio à mente a imagem da água em um recipiente, que, ao ser tocado no centro se move em direção à borda e da borda ao centro; isto me ocorreu pela semelhança entre o discurso e o que em tom grave e delicado disse Beatriz:
               “O que este homem precisava saber, não foi manifestado por sua voz e muito menos por seu pensamento. Aliás, ele nem imagina que ireis explicar a origem de outra verdade: se a radiosa luminosidade em que estais envolto permanecerá eternamente igual e, assim sendo, dizei se após o Juízo Final, quando tiverdes assumindo novamente vosso corpo ressuscitado, vossos olhos irão suportar a intensidade de tão radiante luz”.
           Como em certa dança grega, aqueles que giram ao redor dos outros elevam suas vozes e gestos, assim ocorreu nos círculos dos espíritos eleitos que ao ouvirem o piedoso pedido de Beatriz exultaram de alegria no cantar e dançar. Aquele que, ao se aproximar da morte sente medo por deixar a vida terrena para viver no Céu, é porque desconhece o encanto desta alegria eterna. Quem aqui reina é Uno, é Duplo, é Triplo (Deus) e permanece eternamente em três, em duas, em uma pessoa, porém não limitado, mas a tudo abrangendo. De cada círculo foi por três vezes entoado um hino de louvor - com tão suave melodia que por si só fora valioso prêmio. Então ouvi vindo do círculo menor, uma voz tão suave como deve ter sido a voz do Arcanjo Gabriel quando anunciou a Maria ter sido ela escolhida para ser a mãe do Filho Divino - responder assim (a voz era a de Salomão): “Enquanto a bem-aventurança do Paraíso existir estaremos revestidos da luz que nos circunda. A intensidade do seu brilho é proporcional ao ardor do amor que trazemos em nós, se igualando na Graça concedida por Deus. E quando formos novamente revestidos do corpo glorificado e santo, mais felizes e ditosos nos sentiremos, pois seremos mais completos, aumentando-se assim a luminosidade com que o Sumo Bem nos adorna a fim de que possamos vê-Lo na Sua Glória; por isto nossa visão será mais penetrante, maior em nós será a chama do amor e seu esplendor será mais reluzente. Quando o carvão é incendiado sua chama desprende intenso brilho, porém não oculta suas formas; do mesmo modo permanecerá em nós esse esplendor, porém deixando que seja visto o corpo ressuscitado que hoje permanece a dormir sob a terra. Nenhum de nós será ofuscado pela intensidade da luz porque os nossos sentidos estarão adaptados a quanto prazer nos for determinado“.
          Então os dois coros, alegres e apressadamente exclamaram “Amém” demonstrando assim o quanto desejavam reaver seus corpos, não para satisfação própria, mas por amor aos seus pais, suas mães e todos os entes queridos que eles conheceram e amaram, antes de se tornarem luzes eternas. De repente, tal como ocorre ao cair da tarde quando a noite se aproxima aumentando as sombras e no céu surgem estrelas cuja luz aos nossos olhos se apresenta hesitante, assim me pareceu ter visto a brilhar novas e indecisas luzes que também girando, moviam-se ao redor daqueles belos círculos. Ó verdadeiro fulgor do Espírito Santo! Quando subitamente te mostraste, fulgurante, meus olhos vencestes deixando-os deslumbrados.
Porém, naquele instante, eu via Beatriz tão bela e sorridente a brilhar tão intensamente, que minha mente não consegue recordar com perfeição. Do seu olhar refletia tão poderosa força que a elevou e com ela me vi transportado ao mais alto e luminoso Céu (ao Planeta Marte). Tive a certeza de que havia subido, Pelo purpúreo esplendor dessa nova estrela (Beatriz) que notei de um rubor nunca visto. Então, do mais profundo do meu ser e com imensa humildade, louvei a Deus por mais essa graça a mim concedida. Não havia ainda exalado do meu peito todo o ardor de uma prece, quando convencido fiquei de que ela fora aceita e ter sido julgada propícia, pois perplexo me vi entre dois raios de luzes tão esplendorosos, tão rubros que exclamei: “Ó Hélios (o Sol) quão extraordinariamente brilhas!” A Via-Láctea que em suas estrelas é ou mais ou menos brilhante em algum ponto de seu espaço permanece misteriosa, deixando os sábios em dúvida por não saberem explicar qual seja a origem de sua natureza; igualmente em Marte, qual constelação reluzindo, aqueles raios cruzando-se em retângulos iguais, formava o sagrado Sinal-da-Cruz.
          Ainda mantenho gravada na memória a sublime visão; naquela cruz vi lampejar o Cristo, mas não consigo descrevê-lo com palavras. Quem recebe a Cristo e na jornada da vida O segue, depois de tê-Lo visto fulgurar naquela Cruz saberá desculpar-me pelo que eu não souber descrever. De uma a outra extremidade dos braços e, de cima para baixo  e debaixo para cima da Cruz, milhares de luzes se moviam indo e voltando; ao se encontrarem no centro da Cruz ou ao se afastarem, aquelas luzes resplandeciam ainda mais, como se costuma ver em crepúsculo, por entre galos e folhas de árvores, rápidos ou lentos, curtos ou longos, retos ou ondulados, a bailar em feixes de luz, em aposentos ao qual a arte e o engenho homem quis dar frescura e sombra. E como da lira e da harpa de cordas bem afinadas, se desprendem doces melodias que encantam até os ouvidos de quem desconhece notas musicais.
Assim, desse luzeiro que ali eu via em forma de Cruz, extático escutava sem compreendê-la, angelical harmonia. Deduzi tratar-se de altos louvores, porém compreendi apenas as palavras – “Ressuscita e triunfa” – confusamente era que em mim soava a melodia. Ouvi-a; porém tão enlevado ainda me sinto que não consigo ter outros sentimentos que me prendam a atenção senão a perplexidade do doce cantar.
      Tal pensamento pode parecer ousado se comparar essa alegria, com a que sentia na contemplação do olhar de Beatriz, onde minha alma encontrava sempre a paz. Porém, deve-se levar em consideração que estes lindos olhos iam ficando cada vez mais belos à proporção que íamos subindo, e eu não podia fitá-los.
Culpando-me, busco o perdão ao falar a verdade. Não escondo que ao contemplá-la sentia o prazer do mais puro encanto; prazer que tanto mais purificado fica quanto mais vou me elevando de astro em astro.