O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O PARAISO- CANTO XV

 As almas dos combatentes pela fé em Cristo estão dispostas em forma de cruz, símbolo de martírio e de vitória. Do lado direito dessa Cruz, move-se um espírito e com paternal afeto saúda a Dante. É Caccaguida, seu tri-avô. Descreve, ele, a inocência dos costumes do seu tempo e lembra como morreu combatendo pelo sepulcro de Cristo, na segunda cruzada. Texto do Tradutor.

Dante e Beatriz estão no Planeta Marte.
 A atitude complacente demonstra a tendência ao amor que a caridade inspira enquanto a cobiça indica a inclinação à prática do mal. Aquela santa vontade impôs silêncio ao doce cantar mantendo em repouso as cordas afinadas pela mão do Supremo Criador. Como aqueles nobres espíritos poderiam atender aos meus apelos, se todos foram unânimes em silenciar? É justo sofrer para sempre, quem por amor aos bens terrenos renuncia ao amor divino. Às vezes acontece que no céu sereno e puro, de repente, vemos deslizar perante nosso olhar uma pequena faísca. Poderíamos dizer que essa estrela estivesse mudando de lugar se no ponto celeste onde surgiu aquela luz estivesse faltando alguma estrela.

 Dante escuta a voz do seu tri-avô.
 Pois foi assim que aconteceu quando do braço que à direita se estende até ao pé da Cruz, vi deslizar dessa constelação um dos astros que ali resplandecia. A pérola não se desprendeu do seu fio, mas pela brilhante linha desceu, qual chama a reluzir sob o alabastro. Com igual velocidade a alma de Anquises correu ao encontro de seu filho Enéas nos Elísios - segundo descreve o nosso grande Poeta - (Em “Eneida” Capítulo VI, Virgílio descreve que Enéas visitou nos Campos Elíseos a alma de seu pai Anquises).
Ó Sanguis meus! Ó superinfusa Gratia Dei; sicut tibi cui; Bis unquan coeli janua reclusa?”. (Ó sangue meu! Ó infinita Graça de Deus! A quem, senão a ti será aberta duas vezes a porta do Céu?). Assim falou aquele espírito. E minha atenção se firmou naquela pérola que falava; depois voltei meu rosto para Beatriz e olhando uma e outra vez, mais confuso ainda fiquei.
Nos olhos de Beatriz brilhava tal sorriso que fitando-a julguei ter chegado ao centro da ventura no eteno Paraíso. E aquele espírito, feliz no aspecto e na voz juntou-se a outras vozes pronunciando palavras de sentido tão profundo que não as pude compreender. Não de propósito, mas por necessidade foram suas palavras ditas obscuramente, pois o conceito estava acima do entendimento de um mortal. Quando o arco do ardente afeto se tornou menos rijo, foram suas palavras seguintes pronunciadas ao alcance do meu entendimento humano. “Louvado sejas Deus Uno e Trino, que benigno Te mostras para com minha família”. Depois ele continuou e atento pude distinguir estas palavras:
“Vens cumprir, ó filho, o meu longo e ardente desejo que adquiri desde quando pude ler no livro da eternidade, onde nada pode ser mudado. Revestido desta luz doada por Aquele que também concedeu asas ao teu sublimado vôo, posso ter acesso ao teu pensamento, pelo poder do Ser Primeiro que é a origem de tudo, assim como o número cinco ou o número seis pela mesma unidade se inicia (o número um). Não demonstras curiosidade em saber quem eu sou e porque me apresento assim com maior brilho que os outros que aqui estão. Agindo assim o fazes corretamente, pois o espelho refulgente desta vida eterna reflete o pensamento antes mesmo de ser formado e a todos nós se torna evidente. Mas para o sagrado amor que me deixa atento em perpétua visão, em mim se acederá e me dará contentamento se ouvir a tua voz franca, segura e alegre fazendo-me perguntas, revelando-me seus desejos, pois já antevejo qual a resposta que te darei”.
Então voltei a atenção para Beatriz; mas antes mesmo que eu falasse, acenou-me alegremente aprovando minha intenção de perguntar, fazendo com que se estendessem ainda mais as asas do meu desejo.
Comecei então a dizer: “Em cada um de vós, ó espíritos iluminados, o amor e o conhecimento vos foram incutidos desde os primeiros instantes que deixastes a vida terrena e de forma e quantidade tão idênticas que nenhuma comparação pode ser feita entre elas. Porém entre os mortais o afeto e o saber atuam de formas e quantidades diferentes, por motivos conhecidos por vós, mas que nós ainda não as compreendemos. Por isso sendo eu ainda mortal e sujeito a esta desigualdade, posso retribuir ao vosso bondoso acolhimento apenas com o ardente amor da minha alma. Assim sendo ó jóia resplandecente, me façais conhecer o vosso nome”.
Respondeu-me então com voz terna e suave: “Ó flor que eu ansiosamente esperava; do meu tronco brotaste primorosa”. (Quem fala é Cacciaguida, que foi tri-avô de Dante; morreu numa Cruzada em 1.173. Foi pai do primeiro Alighiero do qual derivou o nome dos Alighieri). E continuou: “Aquele de quem recebeste teu sobrenome, a mais de um século está se purificando no Purgatório. Meu filho foi o teu bisavô. Quando voltares a Terra deves ajudar a diminuir seu tempo de purificação no Purgatório com preces e boas obras. Florença vivia em paz, honesta e sóbria, cercada por antigos muros onde foram erguidos templos nos quais ainda hoje ressoam as horas. Não havia ainda por ali colares dourados, nem diademas, nem saias rendadas e cintos adornados que realçavam mais do que a beleza de quem os usava. Nascendo uma filha, esta não traria preocupações futuras ao pai; no tempo certo se casava e o dote adequava-se ao modo de vida de cada uma. Cada qual se contentava com o lar que possuía. Seus usos e costumes não tinham sido ainda corrompidos pelos hábitos de Sardanápalo (rei da Assíria, célebre por sua luxúria) que apresentava em público o que deveria se ocultar na intimidade de sua alcova. Não tinha ainda vosso Uccelatoio (monte próximo de Florença) vencido o Montemalo (monte Mário, de Roma) o qual separando o outro em suntuosidade, há de superá-lo na decadência.
“Cheguei a ver Bellincion Berti vestindo couro com botões de osso, assim como, sua mulher voltar do espelho sem qualquer pintura nas faces. Vi também os Nerlis e os Vecchio (as nobres famílias florentinas Nerli e Del Vecchio) vestindo peles simples, sem luxo, enquanto suas esposas, felizes, ocupavam-se da roca e do fuso. Ó ditosas! Nenhuma delas sofria a dolorosa ausência do esposo em viagens pela França, nem se preocupando com os encargos causados pela morte, porque seus jazigos já estavam preparados. Uma, o berço do seu filho embala mimando-o com aquelas palavras infantis que encanta o coração dos pais. Outras, enquanto na roca trabalham o fio, narravam aos filhos o que outrora acontecera em Fiesolo, em Troi e na antiga Roma. Naquela boa época causaria espanto ver-se entre vós uma Cianghella (Ciangnella dei Tosighi, mulher desonesta e de vida livre) ou um Lapo Salterello (jurioscolsulto florentino tido em conta de homem corrupto), tanto quanto hoje causaria a presença de Cornélia ou de Cincinato entre vós. Naquele tão belo viver da cidade, no convívio dessa gente honrada e unida, num doce lar modelo de paz, entre dores minha mãe Maria me recebeu. Na pia batismal recebi os nomes de cristão e de Cacciaguida. Tive como irmãos Moranto e Eliseu. Minha esposa nasceu em Val-di-Pado; dessa origem vem seu sobrenome. Na guerra, acompanhei o Imperador Conrado (Conrado III de Hohenstaufen, que chefiou a segunda cruzada) que me consagrou cavaleiro, tanto lhe agradaram meus atos. Com ele lutei contra o infiel (os maometanos) que o vosso direito oprime na Terra Santa por culpa do negligente Pastor (o Papa). Fui tirado do mundo por aquela torpe gente; pelo martírio que me trouxe ao Paraíso onde encontrei a paz eterna”.