O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

 

O PARAÍSO – CANTO XI         

‘A VOZ DAQUELE QUE CONDUZ...’

 Dante elogia a vida contemplativa. As palavras proferidas no canto anterior por Santo         Tomás criam duas dúvidas no ânimo do poeta. O santo tratando de resolver a primeira, esboça  a vida de São Francisco de Assis. Texto do Tradutor.

Dante e Beatriz ainda no 4º Céu -Sol

 Ó confusas aspirações humanas! Em falsas ilusões se envolvendo o homem tende a prender-se ao chão. Uns se escondem por trás das leis; outros buscam conceitos, buscam honrarias; um faz-se sacerdote; outro governa usando de força ou fraude tirando proveito do mandato em benefício próprio ou dos amigos e muitas vezes entregando-se aos deleites da vida e a ociosidade! Mas eu livre dessas preocupações terrenas, com Beatriz, fui elevado aos Céus, sendo lá acolhido com imensa glória. Cada um daqueles espíritos luminosos voltava ao círculo ocupando o lugar onde anteriormente estava, ficando firme a brilhar qual círio em candelabro. Então escutei vinda do centro do clarão enquanto a pureza da sua luminosidade aumentava, a voz daquele  que antes havia falado comigo    (é a voz de São Tomás de Aquino);  dizia assim:  

 “ Do mesmo modo como a luz eterna em mim se reflete, compreendo claramente o que estás pensando e sua causa. Desejas que eu afaste da tua mente a confusão que se formou quanto ao que há pouco te disse: -       onde somente passa quem o mal não trama’ e ‘que a tão alto ninguém se elevou!’. Aqui se faz necessário uma explicação:

“A Providência Divina que governa o mundo com tanta sabedoria a ponto de deixar perturbada a mente de quem tenta compreender Seus mistérios, deu à Esposa d’Aquele que em alto grito a ela se uniu quando na Sagrada Cruz estava (A Providência Divina deu à Esposa= deu para a  Igreja),  dois príncipes para fortalecer lhe o espírito e a fé. ({Dicionário: Providência em religião=ação pela qual Deus dirige o curso dos acontecimentos, de modo que as criaturas realizem o seu fim}). Um deles se dedicou à pobreza com o ardor de um serafim (São Francisco de Assis). O outro, com o brilho e a glória de um querubim espalhou sobre a terra seus conhecimentos (São Domingos de Gusmão). Porém falarei somente de um porque em um se encerra o que ao outro maiores louvores sejam aplicados. Quem der aos dois o mesmo tratamento não comete enganos porque ambos seguiram a mesma meta.“Entre Tupino e o rio que desce da alta montanha (Rio Chiascio), lugar escolhido mais tarde para eremitério de Santo Ubaldo, fértil encosta pende de alto monte. É dali que pela Porta do Sol chegam a Perúgia o frio e o calor enquanto no lado oposto da montanha Nócera e Gualdo padecem cruel jugo. No lugar onde o declive é menor, nasceu para o mundo UM SOL tão radiante como o que ao Ganges, às vezes ilumina. Quem desse portentoso lugar fale, não diga Assis que pouco significa; chame o glorioso berço de “Oriente” (berço do Sol). Quando “essa luz” era ainda criança e tinha todo o conforto a receber dos seus, já suas virtudes se apresentavam. E ainda adolescente, por amor a aquela dama, (a pobreza) entrou em conflito com seu pai que lhe fechou as portas como se morto estivesse. Então na Corte Episcopal e na presença de seu pai a recebeu por esposa amada, devotando-lhe amor cada vez mais forte.

“Viveu ela  viúva e desprezada por mais de onze séculos e por nenhum outro amante tinha sido desejada. (O primeiro esposo da pobreza foi Jesus; por isso ela ficou viúva mais de onze séculos até Francisco de Assis a tomar por esposa). Não significa a mesma coisa afirmar que aquele guerreiro temido pelo mundo a tenha encontrado no lar de Amíclas; (Júlio César ficou admirado pela alegre pobreza do pescador Amíclas). Também não é o mesmo, proclamar que ela, (a pobreza) inteiramente fiel e na presença de Maria que permaneceu ao pé da Cruz tenha subido ao madeiro com Cristo. Para que minha linguagem se faça mais clara, lhe direi o nome dos amantes: Francisco e Pobreza. A alegria no semblante, a ternura no olhar e a perfeição no amor ao próximo, davam a todos edificantes lições.

Aquela paz, o venerável Bernardo (primeiro companheiro de S. Francisco) desejou ardentemente, sendo o primeiro que a ele descalço correu e pensava estar sendo vagaroso. Ó ignorada abundância! Ó verdadeiro e único Bem! Descalço foi também Egídio, foi Silvestre; (companheiros de S. Francisco); escolheram-na (escolheram a pobreza) porque tinham como guia seu esposo (Francisco).

“Dali parte para o mundo aquele pai e mestre com a sua terna esposa e santa família (a Congregação Franciscana). Não se sentia humilhado, nem vaidoso, nem se assustava por ser o obscuro filho de Bernardone (Pedro Bernardone, pai de S. Francisco) e nem por sofrer desprezado. Porém, cheio de coragem, mostrou o consistente propósito à Inocêncio.  (Inocêncio III, Papa que deu autorização eclesiástica à Ordem Franciscana em 1214) de quem obteve a primeira aprovação ao regimento austero e verdadeiro.

“E quando progrediu, a família pobre daquele cuja vida heroica é agora aclamada no Céu com louvores de anjos, foi agraciada pelo Espírito Santo com mais uma vitória concedida por Horácio, que atendeu aos anseios daquele corajoso pastor. (Horácio III Papa que em 1223, pela segunda vez aprovou a Ordem de S. Francisco). Em seguida, sem temer o martírio vai até o Egito para, na presença do soberbo Sultão, anunciar Cristo e Seu Evangelho (São Francisco, em 1219 esteve no Egito tentando converter os infiéis, mas logo voltou para a Itália). Percebendo então que o povo não aceitava a nova fé, para que seu zelo não ficasse sem proveito voltou para a grande quantidade de almas italianas. Foi então que, sobre duro penhasco entre o Rio Tibre e o Arno, (o Monte Alverne) o derradeiro selo Cristo lhe pôs. E durante dois anos ele o apresentou em seu corpo. (Santuário de La Verna no Monte Alverne, onde Francisco recebeu as cinco chagas de Jesus crucificado e as manteve em seus pés, mãos e peito durante dois anos, quando morreu).

“ Quando  Deus o chamou para junto de Si para dar o merecido prêmio por seu desvelo e amor ao próximo, Francisco recomendou aos seus irmãos e herdeiros aquela senhora que tão ternamente amara (a pobreza), para lhe terem sempre fiel afeição, pedindo aos irmãos que seu corpo fosse sepultado na terra nua, sem qualquer outra proteção.

“Imaginas, pois, quem Deus julgou digno de continuar conduzindo por alto mar a Santa Barca comandada por Pedro; a tarefa coube ao nosso Patriarca; pois quem aos preceitos fiel obedece arrecadar tesouros sabe! Mas o seu rebanho desejava nova pastagem e tanto é por esse desejo impelido, que em diversos campos apareceu. Quanto mais cada ovelha é seduzida pelo pérfido e fútil atrativo mundano, tanto mais ao redil retorna. Temendo o passo decisivo, poucas se acolhem ao pastor. O pouco pano com que se vestem, para elas já é o bastante.

“Se claro te falei, se me ouviste com atenção e guardaste tudo na memória, ao menos em parte satisfiz ao teu desejo; pois bem vês que pelo ramo se conhece a planta e a razão está neste argumento: - ‘Encontra salvação aquele que não se desvia do caminho do Bem’. 

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

 

O PARAÍSO – CANTO X

DEUS PAI, O PRIMEIRO E INEXPLICÁVEL PODE

Depois de admirar a infinita sabedoria de Deus  na criação do universo, narra o Poeta como,  sem aperceber, se encontrou elevado ao Sol, em que estão as almas dos doutos na teologia. Doze espíritos mais reluzentes o circundam e um deles São Tomás de Aquino, revela o nome dos seus companheiros. Texto do Tradutor.

Dante e Beatriz chegam ao 4º Céu – ao Sol

Deus Pai, o primeiro e inexplicável Poder a contemplar Seu Filho por meio do Espírito Santo que procede de Um e de Outro eternamente criou o visível e invisível de modo tão perfeito que nossa razão nunca poderá deixar de adorar o seu Autor.

O leitor erguendo o olhar para o alto e examinando com atenção o ponto onde a linha imaginária do equador se cruza com a das constelações do zodíaco, poderá imaginar a grandeza da obra que o Criador, por tanto amá-la, nela tem sempre atento Seu divino olhar.

Veja como desta parte se estende em linha oblíqua a faixa que transporta os planetas cujos benefícios o mundo exige e espera. Se essa estrada (‘essa estrada’ - a Via Láctea ou Caminho de São Tiago) não fosse assim oblíqua para o Céu seu poder seria inútil e aqui na Terra sua potência não existiria. Se a inclinação desse caminho fosse um pouco mais ou menos diferente do que é, a ordem estabelecida no universo desapareceria.

Caro leitor experimente fazer juntamente comigo pausada meditação sobre a grandeza do pouco que lhe apresentei. Te dei apetitoso manjar; serve-te dele se te agradou. Quanto a mim, o assunto sobre o qual escrevo não permite nem por um instante que dele minha atenção se afaste. 

O mais poderoso ministro da natureza que transmite para a Terra a influência do Céu e faz com que o tempo seja medido pela sua fulgurante luz (o Sol) se aproximava do ponto onde neste Canto já me referi, se voltava para o ponto onde mais cedo as trevas são extintas. (O sol do lado leste ( nascente) da terra). Já me encontrava no cento deste astro e não havia percebido, assim como alguém não conhece seu pensamento quando na mente ainda não surgiu.

Beatriz estava mais luminosa, mais fulgurante; e isso aconteceu mais rápido do que da vez anterior. Se antes ela já era radiosa, naquele momento a intensidade de sua luz superava a do Sol. Procurarei usar palavras que possam me auxiliar, a fim de descrever o que vi da forma mais compreensível possível; porém pode acreditar no que digo e desejar vê-lo. Não fique o leitor decepcionado ao perceber quão pequena é a criatividade da minha imaginação quando a tanto quer se elevar. Ali no quarto Céu (no Sol) resplandeciam as almas que foram determinadas pelo Deus Pai a permanecerem contemplando o inefável espetáculo da Trindade.

 Beatriz me disse: “Humildemente agradece ao Sol dos Anjos tamanha bondade ao permitir que ao esplendor do Sol visível te eleves”. Coração de mortal algum se sentiu tão piedoso e devoto ao carinhoso convite, e tão decidido a expressar a Deus tão imensa gratidão. Naquele instante meu amor por Ele foi tão intenso que ultrapassou o meu amor por Beatriz. No entanto a ela isso em nada desagradou, pois no seu sorriso e no seu olhar resplandeceu tanta luz que fui desligado do êxtase profundo em que me encontrava.

            Então vi luminosos e intensos clarões ao nosso redor formando um círculo. A suavidade de suas vozes superava a intensidade das luzes. É assim que vemos a filha de Latona (Diana ou a Lua) circundada desta mesma coroa quando o ar no espaço úmido da noite reflete os raios do luar.

O Reino dos Céus de onde estou retornando (do Paraíso) está adornado de raros e preciosos encantos que somente ali podem ser apreciados, portanto impossível é descrevê-los com realidade. As vozes eram tão harmoniosas que transmitiam a felicidade eterna a quem as  escutasse. Assim, aquele que não se esforça em merecer ir para lá, age como quem espera ouvir um mudo contar histórias. Aquela coroa de luzes, cantando, circulou três vezes ao nosso redor como astros que em torno do seu polo vão rodando. Semelhantes a damas que, dançando, de repente param e em silencio aguardam o início de outras músicas de novo ritmo para continuar a dança, assim aqueles sois pararam em silencio. Então uma voz vinda daquele círculo luminoso me falou: “A luz da Graça que procede do Amor Maior (Deus) que vem te conduzindo pela celestial escada que fez descer quem agora retorna, em ti se reflete com tal intensidade que,  qualquer um de nós vendo tua alma sedenta de saber essa água te negasse qual corrente de água represada irmão, livre não seria.  Nos contemplando ficas desejando saber como é formada a coroa de luzes que circunda a formosa Dama que, protetora, pelos Céus te guia. Sou Tomás de Aquino (santo teólogo da ordem dos dominicanos). Fui cordeiro do santo rebanho que na voz de Domingos conduz a alma pelo caminho onde somente passa quem o mal não trama. Á minha direita está, de Colônia, o grande Alberto (o célebre teólogo Alberto Magno) a quem devo o carinho de mestre e irmão. Se desejas conhecer quem foram os outros que aqui estão a brilhar, no santo círculo fixa o olhar e atento acompanhe minha voz: Nesse esplendor que sorri jubiloso está Graciano (Graciano de Chiuse, em Toscana; foi um monge jurista e professor de teologia  bolonhês. Escreveu no século XII um volume de Cânones eclesiásticos que foi chamado  o Decreto de Graciano) que no dois foros, (o civil e o religioso) digno se fez de estar no Paraíso. Aquele outro ornamento desta coroa de luzes, foi Pedro que semelhante a pobre viúva do Evangelho, deu à Santa Igreja rico tesouro (Pedro Lombardo, bispo de  Pais que ao oferecer à Igreja o seu livro “Sentenciarum” comparava-se com a viúva do Evangelho de S. Lucas, cap, XXI). O quinto clarão, cujo esplendor ultrapassa os demais (o sapiente rei Salomão, filho de Davi)  se exaltou tanto em sabedoria, que o mundo ainda busca sua inspiração. Tão profundo e extenso foi seu saber que a tão alto na Terra ninguém se elevou. Ao seu lado está essa radiante luz que na terra, sua principal ocupação foi a de procurar conhecer a natureza dos Anjos.  (Dionísio Areopagita, que escreveu uma obra intitulada de “Coelesti Hierachia”) Naquele clarão menor tranquilo e brilhante, sorri esse advogado dos cristãos da época de Agostinho, que tão útil foi no seu escrito. (Pedro Osório, que aconselhado por Santo Agostinho, escreveu a “História” em defesa da religião cristã). Se com os olhos da mente tens me acompanhado nestes louvores, do oitavo clarão saberás agora: nos fulgores do Supremo Bem se eleva essa alma santa; (Severino Boécio,  autor do livro “De Consolatione  Philosophiae”, aprisionado e depois morto por Teodorico). Havendo demonstrado os julgamentos errados do mundo e seus rigores, seu corpo jaz em Cieldauro; sua alma chegou à paz divina depois de amargurado exílio e impiedosa morte. Mais adiante em cada chama purpurina, resplandece Beda, Isidoro e Ricardo (Ricardo, padre da Escórcia; Beda, bispo inglês; Isidoro= Santo Isidoro de Sevilha. Os três doutores teólogos) cujos pensamentos se aperfeiçoaram além do conhecimento humano (na teologia e na filosofia). Este de quem tua vista se despende a mim retornando, julgou ponderado e cautelosamente que, a morte sendo rápida traz grande benefício; foi Singer que agora aqui brilha eternamente; outrora, Na Rua Fouarré, sem receio disse verdades   que provocou grande ódio" (Singer de Barbante, professor de teologia na Universidade de Paris, no século XIII a qual tinha a sua sede na Rua Fouarré).

E, qual relógio que nos desperta na hora em que a Esposa do Senhor ( a Igreja) dá início ao dia no retinir dos sinos inundando a devotada alma com agradável som que fervorosa o escuta, assim eu vi a gloriosa coroa de estrelas se movimentando e cantando com tal suavidade de vozes, que imagino haver igual somente no Paraíso celestial.