O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

 

O PARAÍSO – CANTO X

DEUS PAI, O PRIMEIRO E INEXPLICÁVEL PODE

Depois de admirar a infinita sabedoria de Deus  na criação do universo, narra o Poeta como,  sem aperceber, se encontrou elevado ao Sol, em que estão as almas dos doutos na teologia. Doze espíritos mais reluzentes o circundam e um deles São Tomás de Aquino, revela o nome dos seus companheiros. Texto do Tradutor.

Dante e Beatriz chegam ao 4º Céu – ao Sol

Deus Pai, o primeiro e inexplicável Poder a contemplar Seu Filho por meio do Espírito Santo que procede de Um e de Outro eternamente criou o visível e invisível de modo tão perfeito que nossa razão nunca poderá deixar de adorar o seu Autor.

O leitor erguendo o olhar para o alto e examinando com atenção o ponto onde a linha imaginária do equador se cruza com a das constelações do zodíaco, poderá imaginar a grandeza da obra que o Criador, por tanto amá-la, nela tem sempre atento Seu divino olhar.

Veja como desta parte se estende em linha oblíqua a faixa que transporta os planetas cujos benefícios o mundo exige e espera. Se essa estrada (‘essa estrada’ - a Via Láctea ou Caminho de São Tiago) não fosse assim oblíqua para o Céu seu poder seria inútil e aqui na Terra sua potência não existiria. Se a inclinação desse caminho fosse um pouco mais ou menos diferente do que é, a ordem estabelecida no universo desapareceria.

Caro leitor experimente fazer juntamente comigo pausada meditação sobre a grandeza do pouco que lhe apresentei. Te dei apetitoso manjar; serve-te dele se te agradou. Quanto a mim, o assunto sobre o qual escrevo não permite nem por um instante que dele minha atenção se afaste. 

O mais poderoso ministro da natureza que transmite para a Terra a influência do Céu e faz com que o tempo seja medido pela sua fulgurante luz (o Sol) se aproximava do ponto onde neste Canto já me referi, se voltava para o ponto onde mais cedo as trevas são extintas. (O sol do lado leste ( nascente) da terra). Já me encontrava no cento deste astro e não havia percebido, assim como alguém não conhece seu pensamento quando na mente ainda não surgiu.

Beatriz estava mais luminosa, mais fulgurante; e isso aconteceu mais rápido do que da vez anterior. Se antes ela já era radiosa, naquele momento a intensidade de sua luz superava a do Sol. Procurarei usar palavras que possam me auxiliar, a fim de descrever o que vi da forma mais compreensível possível; porém pode acreditar no que digo e desejar vê-lo. Não fique o leitor decepcionado ao perceber quão pequena é a criatividade da minha imaginação quando a tanto quer se elevar. Ali no quarto Céu (no Sol) resplandeciam as almas que foram determinadas pelo Deus Pai a permanecerem contemplando o inefável espetáculo da Trindade.

 Beatriz me disse: “Humildemente agradece ao Sol dos Anjos tamanha bondade ao permitir que ao esplendor do Sol visível te eleves”. Coração de mortal algum se sentiu tão piedoso e devoto ao carinhoso convite, e tão decidido a expressar a Deus tão imensa gratidão. Naquele instante meu amor por Ele foi tão intenso que ultrapassou o meu amor por Beatriz. No entanto a ela isso em nada desagradou, pois no seu sorriso e no seu olhar resplandeceu tanta luz que fui desligado do êxtase profundo em que me encontrava.

            Então vi luminosos e intensos clarões ao nosso redor formando um círculo. A suavidade de suas vozes superava a intensidade das luzes. É assim que vemos a filha de Latona (Diana ou a Lua) circundada desta mesma coroa quando o ar no espaço úmido da noite reflete os raios do luar.

O Reino dos Céus de onde estou retornando (do Paraíso) está adornado de raros e preciosos encantos que somente ali podem ser apreciados, portanto impossível é descrevê-los com realidade. As vozes eram tão harmoniosas que transmitiam a felicidade eterna a quem as  escutasse. Assim, aquele que não se esforça em merecer ir para lá, age como quem espera ouvir um mudo contar histórias. Aquela coroa de luzes, cantando, circulou três vezes ao nosso redor como astros que em torno do seu polo vão rodando. Semelhantes a damas que, dançando, de repente param e em silencio aguardam o início de outras músicas de novo ritmo para continuar a dança, assim aqueles sois pararam em silencio. Então uma voz vinda daquele círculo luminoso me falou: “A luz da Graça que procede do Amor Maior (Deus) que vem te conduzindo pela celestial escada que fez descer quem agora retorna, em ti se reflete com tal intensidade que,  qualquer um de nós vendo tua alma sedenta de saber essa água te negasse qual corrente de água represada irmão, livre não seria.  Nos contemplando ficas desejando saber como é formada a coroa de luzes que circunda a formosa Dama que, protetora, pelos Céus te guia. Sou Tomás de Aquino (santo teólogo da ordem dos dominicanos). Fui cordeiro do santo rebanho que na voz de Domingos conduz a alma pelo caminho onde somente passa quem o mal não trama. Á minha direita está, de Colônia, o grande Alberto (o célebre teólogo Alberto Magno) a quem devo o carinho de mestre e irmão. Se desejas conhecer quem foram os outros que aqui estão a brilhar, no santo círculo fixa o olhar e atento acompanhe minha voz: Nesse esplendor que sorri jubiloso está Graciano (Graciano de Chiuse, em Toscana; foi um monge jurista e professor de teologia  bolonhês. Escreveu no século XII um volume de Cânones eclesiásticos que foi chamado  o Decreto de Graciano) que no dois foros, (o civil e o religioso) digno se fez de estar no Paraíso. Aquele outro ornamento desta coroa de luzes, foi Pedro que semelhante a pobre viúva do Evangelho, deu à Santa Igreja rico tesouro (Pedro Lombardo, bispo de  Pais que ao oferecer à Igreja o seu livro “Sentenciarum” comparava-se com a viúva do Evangelho de S. Lucas, cap, XXI). O quinto clarão, cujo esplendor ultrapassa os demais (o sapiente rei Salomão, filho de Davi)  se exaltou tanto em sabedoria, que o mundo ainda busca sua inspiração. Tão profundo e extenso foi seu saber que a tão alto na Terra ninguém se elevou. Ao seu lado está essa radiante luz que na terra, sua principal ocupação foi a de procurar conhecer a natureza dos Anjos.  (Dionísio Areopagita, que escreveu uma obra intitulada de “Coelesti Hierachia”) Naquele clarão menor tranquilo e brilhante, sorri esse advogado dos cristãos da época de Agostinho, que tão útil foi no seu escrito. (Pedro Osório, que aconselhado por Santo Agostinho, escreveu a “História” em defesa da religião cristã). Se com os olhos da mente tens me acompanhado nestes louvores, do oitavo clarão saberás agora: nos fulgores do Supremo Bem se eleva essa alma santa; (Severino Boécio,  autor do livro “De Consolatione  Philosophiae”, aprisionado e depois morto por Teodorico). Havendo demonstrado os julgamentos errados do mundo e seus rigores, seu corpo jaz em Cieldauro; sua alma chegou à paz divina depois de amargurado exílio e impiedosa morte. Mais adiante em cada chama purpurina, resplandece Beda, Isidoro e Ricardo (Ricardo, padre da Escórcia; Beda, bispo inglês; Isidoro= Santo Isidoro de Sevilha. Os três doutores teólogos) cujos pensamentos se aperfeiçoaram além do conhecimento humano (na teologia e na filosofia). Este de quem tua vista se despende a mim retornando, julgou ponderado e cautelosamente que, a morte sendo rápida traz grande benefício; foi Singer que agora aqui brilha eternamente; outrora, Na Rua Fouarré, sem receio disse verdades   que provocou grande ódio" (Singer de Barbante, professor de teologia na Universidade de Paris, no século XIII a qual tinha a sua sede na Rua Fouarré).

E, qual relógio que nos desperta na hora em que a Esposa do Senhor ( a Igreja) dá início ao dia no retinir dos sinos inundando a devotada alma com agradável som que fervorosa o escuta, assim eu vi a gloriosa coroa de estrelas se movimentando e cantando com tal suavidade de vozes, que imagino haver igual somente no Paraíso celestial.

 


domingo, 29 de setembro de 2024

 

O PARAÍSO -- CANTO IX

  “CALA-TE! DEIXA OS ANOS SE PASSAREM!”

Depois de Carlos Martel, fala com Dante Cunizza de Romano, irmã do tirano Ezzelino. Prediz-lhe iminentes desventuras na Marca de Treviso e de Pádua, e uma negra traição do bispo de Feltre Folco de Marselha manifesta-se a Dante e lhe indica a alma resplandecente de Raab que favoreceu os hebreus, na conquista da Terra Santa. Fala com austeridade contra Florença e contra a Cúria Romana. Texto do Tradutor.

Ainda no 3º céu- em Vênus

Depois de Carlos ter com bondade esclarecido várias dúvidas falando-me sobre as traições e enganos que atingiram sua descendência, para encerrar o assunto disse-me: “Cala-te! Deixa os anos se passarem!” E aquele iluminado espírito voltou-se novamente para o Sol que de júbilos o enchia.

Agora posso somente dizer que justo pranto virá em seguida aos vossos danos. Ó iludidos mortais! Raça impiedosa que mergulhando em vãos pensamentos os corações desvia do Supremo Bem!

Depois vi outro clarão se encaminhando em minha direção cuja luminosidade aumentando indicava sua alegria em satisfazer-me também. Beatriz como anteriormente fez em mim fitava o olhar e em seu grandioso gesto indicava que eu deveria me manifestar; então exclamei: “Ó bendito ser que com presteza a mim se dirige, o aumento de tua luminosidade indica saberes o que agora penso; dá-me a prova disso satisfazendo meu desejo”. Então o intenso clarão que vi descendo das alturas a cantar, disse:

“Naquela parte da Itália oprimida e escravizada que fica situada entre o Rialto, as nascentes do Brenta e do Piave (província da Marca de Trevisana) vê-se uma colina de pequena elevação. (Colina onde está situado o castelo da família de Ezzelino da Romano). Lá baixou a fagulha que se transformou em grande incêndio e se espalhou por toda a região. (A fagulha é Ezzelino II da Romano que governou a região com grande crueldade). Pertencemos à mesma família. Chamei-me Cunizza (irmã de Ezzelino III, mulher de fama duvidosa pela sua vida livre; morreu em Florença onde talvez tenha se penitenciado); e se neste planeta agora resplandeço (no Planeta Vênus) é porque me  venceu Vênus que comanda o amor. Não sinto vergonha da vida que tive; alegremente me penitenciei. Minha atitude talvez tenha causado estranheza ao povo. A luz refulgente que está ao meu lado, amada joia deste nosso planeta, sua fama foi grande e continuará e crescer permanecendo no tempo por cinco séculos    (amada Joia - é a alma de Folco de Marselha, trovador e poeta  que se manifesta a Dante e lhe indica a alma resplandecente de Raab, que favoreceu os hebreus). Dizem com razão: - ‘Se o homem aspira à glória, quando a vida terrena se extingue  uma outra vida o espera: a eterna!’– porém este fim não terá o povo que habita entre o Ádige e o Tagliamento (os habitantes da Marca Trevisana) nem a desgraça os afastará dos seus erros. Em breve o povo de Pádua tingirá de sangue as águas que banham os alicerces de Vicência. (Os paduanos iriam sofrer uma sangrenta derrota contra seu inimigo Cangrande della Scala) Lá onde o Cagnan e o Sile se unem se prepara o laço que fará cativo aquele que está no poder  mostrando ser grande soberbo. (Ricardo de Camino senhor de Treviso foi morto traiçoeiramente pelos seus inimigos). Feltro há de chorar em consequência da negra traição praticada por seu ímpio Pastor  (Alexandre  Novello, bispo de Feltro; entregou ao Papa  vários gibelinos de Ferrara que foram levados a Prisão de Malta e condenados à morte); o maior criminoso que Malta conheceu. De enormes dimensões teria de ser o tonel que recebesse o sangue desses ferrarenses; e o esforço humano jamais poderia pesá-lo; e todo esse derramamento de sangue causado por um maldoso pastor em prol  do seu partido político! A maldade daquela terra sua índole explica. No mais alto dos céus existem espelhos celestiais chamados de Tronos que refletem em nós a vontade Divina; o que eu profetizo agora é manifestação de Sua vontade; portanto deves acreditar nos fatos agora revelados”(foi o que aconteceu: Cangrande della Scala derrotou os paduanos em sangrenta batalha).

Calando-se, Cunizza indicava que sua atenção havia se voltado  para outros cuidados e assim retornou ao círculo de onde viera. Aquele de quem Cunizza havia falado, resplendecendo extraordinariamente qual rubi que ao sol flameja à mim se mostrou (Cunizza havia falado de Folco que reluzia ao seu lado). Seu intenso brilho indicava alegria como a nossa é manifestada pelo riso e no inferno os gestos tristes indicam sofrimento. Então falei: “Deus tudo vê e Nele teu olhar se ilumina ditoso espírito; por isso todos os desejos são do teu conhecimento. Porque com tua voz que encanta o Céu e faz parceira no canto dos anjos que possuem seis azas e têm resplandecentes as vestes não sacia em mim a sede de ouvir-te! Se em ti eu visse o desejo de me ouvir como tenho a certeza de que estás percebendo em mim, te falaria sem esperar que me pedisse”.

Deste modo ele então começou a me responder: “O maior dos vales por água inundados, excluindo o mar que rodeia toda a Terra, está entre as opostas regiões que ficam em direção contrária ao Sol; tão opostas são que ao meio-dia a linha do horizonte parece exatamente igual para quem está na parte oriental ou ocidental da região. Nasci próximo desse extenso vale, entre o Ebro e o Magra onde faz divisa com Toscana e Gênova.  (Em Marselha - França, onde Folco nasceu, viveu e morreu) Quase meio dia de viagem se leva de Bugia ao meu querido lar; o sangue dos meus antepassados avermelhou seu porto (Porto de Marselha). Chamei-me Folco e assim fui conhecido. Agora este Céu está repleto da minha luz como quando na Terra eu estava e resplandecia de amores. Afirmo-lhe que Dido - que ciúmes causou a Creusa e a Siqueu, não conheceu amor ardente mais do que eu, enquanto a idade me permitia (Dido: rainha de Cartago; amando Eneias ofendeu a Cleusa, mulher de Eneias, e ao próprio marido Siqueu); nem a infeliz Rodopea que foi abandonada por Demofonte; nem outrora Hércules quando a Iole o coração oferecera. (Iole amante de Hércules, que por ciúme foi morta por Dejanira). Aqui não existe remorso; sentimos alegria não pela culpa ao amor humano já está esquecida, mas pelo Amor Divino cuja lei é adorada. Aqui se contempla a criação que, grandiosa, intensamente brilha; e a Suprema Vontade se evidencia na influência que o firmamento exerce sobre a Terra. Para que teus desejos sejam completamente satisfeitos, parte do meu discurso ainda continua.

“Agora queres saber quem é a luz que resplandece como o sol quando na água se reflete? Aquela que vês ali alegre e tranquila  é Raab; (meretriz de Jericó; escondeu os espiões que Josué havia mandado a Jericó, facilitando a queda da cidade e, por isso, foi salva da morte, depois da vitória dos hebreus: [Bíblia – Josué 2, 1 – 24). Está agora reunida ao nosso grupo e intensamente brilha neste céu onde a ponta da sombra projetada pela terra alcança. (Segundo Ptolomeu, a sombra da terra se projeta até o limite de Vênus.) Foi ela a primeira a ser recebida por Jesus Cristo triunfante. Devia dar-lhe um paraíso com prêmio quando bem quisesse após a vitória imensa conquistada pela cruz, pois foi por intermédio dela que começou a glória que colheu Josué na Terra Santa e que se apagou da memória do Papa. (O Papa não se interessa pela Terra Santa, que está sob o domínio dos Sarracenos). Tua pátria que teve origem na semente daquele que ao Criador foi o primeiro rebelde, (Florença teve origem demoníaca) pela inveja que tanta aflição causou, tem produzido amaldiçoada flor que corrompendo, faz o pastor transformado em lobo conduzir ovelhas e cordeiros. Nas páginas das Decretais já gastas pelo excesso de uso, (os livros das leis canônicas, que asseguravam vantagens aos eclesiásticos) Papa e Cardeais nelas prendem a sua atenção abandonando o Evangelho e tendo as ideias nisto mergulhadas esquecendo Nazaré que viu abertas as azas do Arcanjo Gabriel.

“Mas o Vaticano e os lugares que a Roma enobrecem e tem sido o local de repouso dos fiéis seguidores de Pedro, lhe obedecem e em breve estarão livres da traição”.