O INFERNO– CANTO I
PERDIDO NA SELVA ESCURA,
Dante anda errante durante toda à noite. Ao amanhecer começa a subir por uma colina, quando é impedido de passar pois a sua frente surge uma pantera, um leão e uma loba que o fazem voltar à selva. Aparece-lhe então a imagem de Virgílio que o reanima e se oferece a tirá-lo de lá. Texto do Tradutor
Estando eu na metade da minha existência(aos 35 anos) tendo perdido a verdadeira estrada, encontrei-me no meio de uma selva tenebrosa (simboliza a selva dos vícios). Me ficaram cuidadosamente guardadas na memória as coisas horríveis que existiam no interior dessa cerrada e escabrosa selva. Na morte, há pouco mais de veracidade mas, para narrar com clareza o que me foi apresentado e outras que vi, farei com toda a verdade. Contar como lá entrei não posso pois um sono profundo me tomou os sentidos quando o bom caminho, abandonei. (O caminho da virtude)
Estava
eu a vagar quando me encontrei ao pé de um monte onde iniciava a selva que em escuro e profundo
abismo continuava. Então um pavor imenso me invadiu! Olhei para o alto e vi a
lua cuja claridade iluminava aquele monte e foi me orientando. Como um náufrago
que mesmo já salvo mas, ainda medroso e ofegante olha as perigosas ondas com as
quais lutara, meu espírito ainda tremendo ansioso voltou-se a olhar com atenção
o espaço percorrido que homem vivo algum jamais atravessou ileso.
Sentindo então ter repousado o corpo
exausto segui subindo pela base da colina. Subia assim firmando bem o pé a cada
passo. De repente surgiu ágil e rápida pantera cujo pelo tinha malhas
matizadas. (A pantera é símbolo da luxúria e da fraude,
principalmente em Florença). A
fera parada me olhando firme não se afastava e, de tal modo impedia meu caminho
que por vezes me fez querer voltar. No céu a aurora já resplandecia; subia o
sol que se mantêm rodeado de astros desde quando o Amor Divino os criou. O
movimento dos astros, a hora amena e o dorso alegre e mosqueado da fera, me
infundiram na alma a esperança. Mas, de repente apareceu um leão de fronte
erguida, com fome e raiva atroz que novamente
me encheu de pavor. (leão – símbolo da avareza e da
incontinência, principalmente da Cúria Romana). Aflito
imaginei que fosse me atacar pois, com sua simples presença o ar parecia
tremer.
Depois surgiu também uma loba esfomeada - mas saciada
da repugnantes ambições, que é a causa da miséria de muitos homens. Movia o
semblante com tão intensa ira que parecia querer entrar em minha mente
enchendo-me de terror. Igual ao jogador que noite e dia perde e várias vezes
joga sempre esperando ganhar, mas, ao contrário, novamente perdendo rebenta em
prantos e se angustia, assim me fez sentir a fera que não sossegava.
Enfrentando-me, ia aos poucos se aproximando, impelindo-me para traz.
Enquanto eu tropeçava e
escorregava em direção ao vale escuro de onde eu havia saído percebi alguém
perto de mim, com voz muito fraca tentando falar-me e, assim que o ouvi naquele
escuro deserto bradei esmorecido de medo: “Quem quer que sejas, sombra ou
homem, tem compaixão de mim” (Era o poeta Virgílio
Marone, símbolo da razão humana).
“Homem não sou” – respondeu
– “mas já fui. Tive pais lombardos ambos nascidos na amada cidade de
Mântua. Nasci ante de Júlio Cesar. (Caio Júlio Cesar. Líder militar e político romano que assumiu o comando
em Roma). Vivi em Roma sob o governo do bom Augusto,
quando ainda erradamente se adoravam falsos deuses. (Júlio Cesar Otaviano
Augusto. Neto de Júlio Cesar. Foi o fundador do Império Romano e seu primeiro
imperador). Como poeta decantei feitos do justo filho de
Anquises, que conheci em Tróia e que, após a bela Ilion ter sido incendiada
saiu de Tróia. Mas, qual o motivo de, repleto de tristeza, voltares a esse
vale? Por que não retornas ao deleitoso monte que retém em si infinitos
prazeres?”
"Ó
Virgílio!" - falei envergonhado a fronte curvando - "És tu, aquela
fonte que como rio caudaloso brota a eloquência? Ó dos poetas lustre, honra,
eminência! Valham-me o longo estudo e o amor profundo com que em teus livros
procurei ciência. És meu Mestre, o sem igual; o único que me ensinaste o belo estilo
o qual o mundo em ti tanto aprecia! Vês a fera que está impedindo o caminho;
famoso sábio, socorre o perseguido que transtornado treme no pulso e nas
veias!”
Compadecendo-se
do meu pranto Virgílio respondeu: "De agora em diante te convém outro caminho para
sair deste lugar selvagem. A fera que te faz bradar desesperado não vai te
deixar passar impunemente; tem tão má índole e tão furiosa é, que jamais sacia
o apetite e, mesmo empanturrada sente mais fome do que antes. A
muitos animais ela se une e há de se unir até ser levada à
horrenda agonia pelo heroico galgo; herói esse que, mesmo sendo de origem
humilde jamais será atraído por ouro ou poder e que terá por meta o saber, a
virtude, o amor e será amparo forte da pobre Itália por quem Camila, a virgem,
deu a vida e nela Turno, Euríalo e Niso encontraram a morte. Será implacável
inimigo da fera perseguindo-a por todas as partes até lançá-la no infernal
espaço donde foi pela inveja retirada.
Agora,
para salvar-te tenho a intenção de te levar comigo; irei te guiando pela morada
do eterno sofrimento. Ali verás almas em tortura tanta que, entre gritos
estridentes, aos brados suplicam morrer novamente. Verás também outras em
purificação, alegres apesar da dura prova das chamas, pois mantém a esperança
de alçarem ao Paraíso. Se queres subir até lá, um ditoso espírito te servirá de
guia quando te deixar à porta do Glorioso Reino. (É
Beatriz; a mulher que Dante muito amou). O
Rei do Céu não consente que eu veja a glória da Sua cidade, pois estou sendo
castigado pela minha rebeldia à Sua lei; em toda a parte Ele governa
onipotente! Mas tem no Empíreo Sua augusta sede; por Ele, o eleito à glória se
sente imensamente feliz".
"Poeta" - disse eu - "por esse
Deus que jamais conheceste, rogo-te que eu seja afastado deste e de outro mal
maior; que eu vá contigo até a Porta de São Pedro (a porta onde São Pedro é o chaveiro) onde
disseste seria eu conduzido e veja os maus a quem se houveste referido."
Moveu-se então o Poeta e eu o segui.
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