Texto do Tradutor
O INFERNO CANTO VII
"Pape Satan, pape Satan, aleppe" ao ver-me gritou Pluto com voz rouca. (Verso obscuro. Muitos comentadores o entendem: "Como? Satã! Como Satan príncipe do Inferno... um mortal ousa penetrar aqui?").
Virgílio me acalmou dizendo: “Afasta da tua aterrorizada mente qualquer medo! Pluto não tem poder para impedir nossa entrada". E voltando-se ao vulto que estava repleto de ódio, gritou-lhe: "Cala-te, lobo abominável! Volta este ódio contra ti mesmo! Se descemos a este tenebroso abismo é porque estamos cumprindo ordens vindas do alto onde Miguel subjugou os obstinados orgulhosos".
Como o mastro que ao ser derrubado pelo vento traz consigo as velas, assim tombou por terra o monstro inimigo ao escutar aquela voz impositiva. Com isso, o quarto círculo se abriu e assim entramos no horrendo lugar para onde o mundo todo seu mal envia. Ah! Justiça Divina!... Que horrenda lei!... Porque tanto sofrimento, tão profundas dores se encontram juntas! Por que não reconhecemos nossas culpas enquanto podemos pedir perdão?
Como no mar do Caribe duas fortes ondas se encontrando quebram-se espumante, assim vi multidão contra multidão se chocando violentamente como que levadas pelo furacão.
Vi também inúmeras almas em pranto rolando pesados fardos de um lado a outro com grande dificuldade, terrivelmente ofegantes soltando gritos dilacerantes. E indo de encontro umas às outras com extrema violência depois separando-se gritavam: "Por quê? Por que empurrar tão brutalmente?" E assim, repetidas vezes iam de um lado a outro do Círculo, sempre repetindo injúrias. Desse modo, continuamente vi outras almas sendo arrastados como por terríveis ondas. E eu movido pela compaixão perguntei ao Mestre: "Quem são! Que razão há para aqui estarem?” Explicou-me o Mestre: "Os que tem o alto da cabeça raspada foram clérigos: papas, cardeais, sacerdotes, que durante a vida terrena que se deixaram dominar pela avareza ou esbanjadores".
Disse eu: "Mestre querido, muitos entre eles que se mancharam com esse mal deverão ser conhecidos meus, ".
Respondeu-me: "Te enganas quando assim te pareça; o modo de ser em suas desprezíveis vidas, não era percebido; por isso, aqui estão na obscuridade e assim hão de ficar por toda a eternidade. Ao ressuscitarem por ocasião do Juízo Final, uns aparecerão de mãos fechadas; outros com pequena quantidade de cabelos; todos, por terem adquirido e usado mal as coisas viram fechadas as portas do Céu; agora padecem tormentos que não podem ser calculados. Aqui podes ver quanto é inútil a vaidade de se adquirir Fortuna, bens terrenos. Nem todo ouro que nas entranhas da terra existe poderia dar tranquilidade a quem por ela se fadiga e se atormenta a fim de consegui-la". Então perguntei: “Mestre, quem é esse portentoso ser chamado Fortuna que distribui bens ao mundo avarento?"
Respondeu-me o Poeta: "Ó cega humanidade! Quanta ignorância vos escurece a mente. Quanto a ti direi a verdade: Deus que em saber a tudo transcende, ao criar os Céus criou também seus guias, que por todos os lugares resplandecem graças a luz que lhes foi concedida; criou também guias distribuidores de graças aos esplendores humanos, através de regras e limites para que no momento necessário os bens enganadores se transformassem de nação em nação, de raça em raça, - sendo que essa mudança acontece mesmo contra a vontade e o esforço humanos, pois há sempre uma nação que domina, outra que é vencida pelos caprichos dessa Fortuna que se esconde qual serpente em meio a vegetação; contra ela o vosso saber não terá força; no seu reino ela tem poder e mando assim como sobre ela governa o Supremo Poder. Por fatal necessidade vai promovendo suas mudanças rapidamente por todo o mundo e sendo insultada e censurada muitas vezes por quem dela mais uso faz. - Feliz é ela que não escuta falatórios”.
Continuou: “As estrelas que ao partirmos surgiam e nos orientavam começam a desaparecer; precisamos nos apressar. Agora desçamos e vejamos onde há dores mais profundas.”.
Descemos ao quinto círculo por uma vereda escura onde havia uma fonte cuja água fervente e negra havia escavado o próprio leito e desciam formando um riacho. Acompanhando seu curso chegamos a um pântano chamado Estige, que notamos ser formada pelo triste riacho. Tendo eu toda a atenção voltada para esse pântano, apesar da escuridão vi várias almas desnudas, enlameadas, de face enfurecida; não só se batiam umas nas outras com as mãos mas, com as cabeças e peitos; usavam os pés como armas e com os dentes dilaceravam umas às outras de modo espantoso.
Vendo minha angústia disse o Mestre: “ Filho, as almas que agora estás vendo são as dos que se deixaram vencer pela ira. Ficas também sabendo que sob essas imundas águas, por toda a extensão que a vista alcança, há multidão de almas que suspira muito fazendo sair da fétida lama bolhas de ar que provocam ondas”.
Submersas naquele terrível lamaçal diziam: "Infelizes fomos quando sobrevivíamos sob os doces ares que o sol aquece. Agora, nesse lodo onde estamos, sob a fumaça negra da ira somos mais infelizes ainda". Com voz entrecortada assim gargarejavam, já que de palavras somente aparência tinham.
Fomos caminhando ao longo da borda seca do pântano onde a onda escura formava uma grande arco observando o bando de almas condenadas a viverem eternamente bebendo aquele lodo imundo.
Assim chegamos junto a uma torre.
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