O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O INF - CANTO XVII

O INFERNO - CANTO XVII

“QUE BUSCAS NESTE ABISMO?"

Enquanto Virgílio fala com Gerião, (que simboliza a fraude) para convencer essa horrível fera a levá-los ao fundo do abismo, Dante se aproxima das almas dos violentos contra a arte. Dante reconhece alguns deles. A cada um pende o peito uma bolsa na qual estão desenhadas as armas da família. Volta depois o Poeta para o lugar onde está Virgílio, que assentado sobre o dorso de Gerion, põem-no diante de si, e assim descem ao oitavo círculo. Texto do Tradutor

        Assim falou meu Guia: “Eis o monstro de horrenda e pontiaguda cauda, que perfura muros, montes ou qualquer outra proteção e com seu bafo impuro, o mundo contamina”.

        E acenando para a fera indicou-lhe o lugar pedregoso, onde deveria ficar. A imunda fera se aproximou e pousou o enorme corpo sobre a rocha, porém deixando pendente sobre o abismo a enorme cauda em forma de seta. O formato do rosto e a maciez da pele tinham a aparência de homem justo, tanto se mostrava benigno e brando! O restante do corpo era de lagarto; os braços e as axilas inteiramente cobertos por excessivos, longos e duros pêlos; o dorso e o peito eram malhados manchas e nós entrelaçados; a variedade de cores que apresentava nunca fora visto nem nos recamados estofados produzidos pelos tártaros e turcos nem nos variados tecidos de Aracnes(Dante apresenta Gerião como uma criatura de três naturezas: cabeça de homem, tronco e garras de fera, corpo e cauda de serpente. O rosto de pessoa boa e honesta que esconde sua verdadeira natureza terrível, qualifica-o como personificação da fraude, que é punida nos círculos restantes). Como um barco ancorado na areia tendo no mar a popa e em terra a proa, ou como o caçador quando observa o castor que está a pescar, e espreitando fica a fim de pegá-lo, assim se via o mostro descansando na orla que cercava o abismo. No ar revolvia a extensa e venenosa cauda de ponta bipartida lembrando um escorpião preparado para o ataque.

        Disse-me o guia: “Para que possamos prosseguir, convém que desviemos do caminho onde o mostro está”.

        Para fugir do fogo e da areia ardente descemos pelo lado direito da borda do precipício avançando dez passos. Ao chegarmos em frente ao monstro Gerião percebi, um pouco mais distante, alguns condenados  sentados na areia junto à beira do precipício. Meu guia continuou dizendo: “Para que fiques sabendo de tudo o que acontece neste recinto, aproxima-te deles e procuras reconhecer quem eles são e porque aqui estão. Porém filho, apressa-te no discurso. Enquanto isso, tentarei convencer a abominável fera a emprestar-nos seus fortes ombros”.

        Em obediência ao Mestre, fui seguindo até me aproximar do limite desse sétimo círculo, indo ao encontro daqueles condenados. Procurando se protegerem do vapor que do ardente solo subia em direção aos rostos, aquela aflita gente se socorria das mãos, agitando-as, enquanto dos olhos, constantemente, lágrimas escorriam. E naquele pequeno espaço de tempo em que os condenados sentiam algum alívio, com as unhas e dentes cavavam o solo, iguais a cães amestrados na caça às lebres. E eu, olhando aqueles rostos doloridos pela tortura do fogo, vi que eram todos desconhecidos. Porém, notei que, pendentes dos colos de alguns, estavam bolsas cujas cores os distinguia uns dos outros. Contemplando-as, pareciam ficarem mais tranquilos. Aproximando-me e melhor observando, vi bolsa na qual em fundo dourado, bordado em azul havia a figura de um leão; noutra, a alvura de um ganso em fundo sanguíneo. Havia um que ostentava alva e pesada bolsa de couro presa à cintura onde estava bordada a figura de um javali azul, que me perguntou: “Que buscas nesta fossa?” Depois falou – “Retira-te daqui! Porém, fiques sabendo que, à minha esquerda, embora da bela vida ainda gozando, há um assento guardado para Vitaliano”. (Usurário paduano que ainda não havia falecido). Sou paduano e estou entre muitos florentinos que todo instante me atordoam os ouvidos bradando: “Venha nobre! Venha monarca dos usurários que na bolsa trás esculpido três bicos”.  (Giovani Baiamonti, florentino que tinha como brasão três bicos de pássaros). Depois, qual boi sedento de água retorceu a boca, esticou a língua para fora e lambeu os beiços. Porém, não querendo eu causar desgosto a quem me ordenara maior brevidade, deixei aqueles condenados. No entanto ouvia seus gemidos.

Encontrei meu guia sobre o dorso do feroz e possante animal, já me dizendo: “Sê forte! Preparas teu ânimo para tudo, porque devemos descer e chegar a uma escada. Sobe! Ficarás à minha frente; e eu ficarei entre ti e a perigosa cauda para que ela não venha a te ferir”.

Como alguém ardente em febre, que, por estar em local ventilado fica pálido, gelado, trémulo, com as unhas arroxeadas, assim fiquei quando essa ordem recebi: apavorado, com o peito acelerado e quase desfalecido. Porém o que veio em meu auxilio foi a vergonha que muitas vezes faz com que o servo se torne corajoso na presença do bondoso senhor.

Ainda trêmulo sentei nas espáduas do horrendo animal pronto para gritar: “Senhor, socorre-me!” Porém minha voz ficou presa na garganta. Mas ele, que em outras ocasiões já me havia transmitido muita coragem, me protegeu sustentando-me com força em seus braços e dizendo para fera: “Gerião, fiques atento a carga especial que levas agora! Desces em voo tranquilo, sem pressa!”. Igual a um barco que, se preparando para navegar movimenta-se para trás, depois para frente segue, assim moveu-se a fera. Colocando a cauda na areia no lugar onde estava o peito retesou o tórax como enguia; movimentando as patas tomou impulso dando ré, e voando em espiral desceu em direção ao abismo. Nem Faetonte quando das mãos perdeu os freios (filho de Apolo que, ao guiar o carro do Sol, de lá, precipitou-se); nem Ícaro, ao ver - pelo sol ardente o derreter da cera - cada pluma de suas asas se desprendendo e ouvindo do pai o grito: “Ah, filho! Te arrebentaste!..” (filho de Dédalo, que voando tendo as plumas das asas - que foram fabricadas por seu pai - presas por cera que derreteu, ao solo precipitou-se), não se encontrou mais repleto de pavor do que eu, nessa viagem fora do comum, quando me vi no ar enxergando a penas a parte posterior do pescoço da horrenda fera. Sabia que estava voando lentamente e descendo, pois sentia em torno ao meu rosto, o ar que vinha de baixo.

        Já se ouvia à direita, bem distinto, o troar da grande e escabrosa cachoeira. Então ao voltar o olhar para fundo do recinto, trêmulo me encolhi diante da pavorosa cena: um forte clarão de outro fogaréu e o ecoar de prantos. Percebi que chegávamos ao fundo, pois ouvia-se terríveis lamentos vindos de todas as direções.

        Qual falcão que vagarosamente voando fica a olhar para baixo,  e sem conseguir a almejada caça cansado e temeroso dos reclamos do dono longe pousa, assim pousou Gedeão no fundo do vale deixando-nos sobre as rochas.

        E vendo-se livre do peso que carregava, fugiu mais rápido que  uma flecha disparada.

 

 






















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