O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O INF. CANTO XXII

O INFERNO - CANTO XXII

"TE PEGO MISERÁVEL!..."

Andando os dois Poetas pelo aterro, à esquerda vêm muitos trapaceiros que, por aliviar-se, boiam acima do piche fervendo. Sobrevêm os diabos e um deles é dilacerado. É deste Ciampolo, de Navarra, que consegue depois, livrar-se das garras dos diabos o que dá motivo a uma briga entre os demônios. Texto do Tradutor

Já vi cavaleiros marchando para a guerra, travando luta, engalfinhando-se em combate e até soldados fugindo a fim de protegerem a vida. Vi aretinos juntos entre esquadras em aguerrida luta. Vi  vaquejadas e  torneios. Ouvi  clamor de trombetas, badaladas de sinos dando sinais de alerta nos castelos, tambores de guerra, disparo de novas e antigas armas usadas entre nós!... Porém jamais ouvi som semelhante aos que foi emitido por aqueles dez demônios ao soltarem terríveis gases. Que bela tropa militar!

Voltemos, pois, ao assunto. Enquanto seguíamos os dez  demônios, minha atenção estava voltada para o piche fervente procurando conhecer quais os castigos e quem ali estava a gemer e a derramar seu pranto.

 Assim como o navegador ao avistar o golfinho com dorso recurvado reconhece ser presságio de mau tempo e, para isto se prepara buscando abrigo, assim, alguns dos condenados buscando alívio os dorsos mostravam; mas, qual relâmpago, logo desapareciam. Também, como à beira de pântanos a rã deixa de fora a cabeça mantendo os pés e o corpo protegidos sob a lama, assim no piche fervente, aquela gente pecadora aparecia; mas aquela condenada gente vendo que Barbariccia próximo estava, rápido nas bolhas ferventes se escondia.

Porém, o que presenciei naquela horrenda vala, só ao lembrar me dá calafrios. Vi um desditoso condenado atrasando-se no mergulho ficar sobre a resina fervente enquanto as outras desapareciam. Perto, ali estava Graffiacane irado. Ao ver o condenado assim desprotegido, com seu terrível tridente rápido o agarrou pela viscosa cabeleira e como quem retira da água a lontra fisgada, o ergueu no ar. Lembro-me do  nome de cada um  dos dez  demônios;  pois  prestei  bem  atenção  quando  foram chamados pelo chefe; também podia reconhecê-los rapidamente; então fiquei atento ao que fariam. Assim gritavam os agitados demônios: “Rápido, Rubicante! Crava-lhe os ferrões pelo costado! Esfola-o! Rasga- lhe a pele!!”

 “Mestre” disse eu:  “se puderes, pergunta ao miserável que caiu nas garras dos malditos demônios, quem ele é”. Aproximando-se  da vala, o Mestre perguntou-lhe qual a sua terra natal. “Em Navarra eu nasci” respondeu. (Ciampolo de Navarra, que serviu na corte do rei Teobaldo II; abusou da confiança real trapaceando e faltando aos deveres). “Minha mãe me pôs a serviço de um fidalgo , após meu pai ter destruído nossa fazenda e a própria vida, com sua mão feroz. Na vida familiar de El-rei Teobaldo, entrei mas, abusando se sua confiança trapaceava vendendo seus favores. Agora sofro aqui, pelo mal que pratiquei“. De repente Ciriatto, que possuía presas iguais às do javali cravou-lhe cruelmente os enormes dentes. Na mão de seu maior inimigo, caiu o rato; o demônio Barbariccia segurando-o entre os braços, gritou: “Alto lá! A mim cabe dar-lhe o merecido tratamento” Então o condenado voltando-se para meu mestre, disse: “Antes que o bando me tenha dilacerado, pergunta-me o que quiseres, se ainda desejas”. Virgílio então perguntou: “Dos pecadores que te fazem companhia, há algum que seja latino?” Respondeu o condenado: “Deixei lá no piche um que dizia ter sido vizinho da Itália. Ah! Se eu tivesse ficado em sua companhia, não estaria agora sendo atacado por unhas e arpões”. Então, Libicocco que estava perto gritou-lhe: “Ah! Seu folgado!... Isso é demais!” E aquele algoz com um só golpe dilacerou um dos braços do desgraçado. Draghignazzo também queria as pernas do condenado; mas o iroso chefe do demoníaco bando os encarou, moderando-os.

Tendo diminuído a gritaria, o Mestre perguntou ao infeliz que, aflito olhava o efeito doloroso causado pelo golpe: “Quem foi essa alma que lá no piche deixaste antes de vir a toma?” Respondeu o pecador: “Foi Frei Gomita de Galura; por conhecer todas as fraudes protegia os inimigos de seu amo. Em troca do ouro livrava-os de dívidas e culpas.  Em várias ocasiões provou que, se tratando de ardil foi ele soberano (Gomita - um frade da Sardenha, chanceler de Nino Visconti, governador de Pisa. Se aproveitando de seu status social e da confiança que Nino lhe depositava, se envolveu com a venda de cargos públicos. Quando Nino descobriu que o frade havia aceitado propina em troca da libertação de prisioneiros  mandou enforcá-lo. [Musa 95]. Com ele está Miguel Zanche, o que foi juiz de Logradouro, e que não cansava de ostentar seu tesouro conseguido através da prática de crimes cometidos em Sardenha(Dom Michel Zanche: Acredita-se que tenha sido governador de um dos distritos da Sardenha. Após a morte do rei da Sardenha, Dom Michel utilizou recursos fraudulentos para conquistar a viúva do rei). De repente gritou o condenado: “Ai!... Vede como range os dentes esse outro demônio! Mais coisas eu diria se não fosse o medo de sentir na pele a fúria dos seus afiados arpões”. Foi quando Barbariccia se aproximando de Farfarello que já se preparava para feri-lo gritou: “Sai daí, pássaro nojento!”

E o triste condenado então continuou: “Se queres ver e ouvir lombardos e toscanos tenho como satisfazer-vos. De onde estou, com apenas um assobio segundo nosso costume quando queremos avisar uns aos outros que podem vir à tona, faria aparecer não um, mas, muitos dos que estão escondidos. Mas é preciso que os Malebranche estejam afastados pois eles o temem”. Tendo Cagnazzo escutado essas palavras sacudindo a cabeça levantou o focinho tentando rir e gritou: “Cuidado! Então é essa a astúcia usada para se livrarem do piche fervente?!...”. Ao que o condenado respondeu: “Na verdade astúcia é encontrar  um modo de causar maior sofrimento aos meus companheiros!” Ao ouvir isso, mesmo no alto da vala Alichino respondeu: Se mergulhando tentares escapar fiques sabendo que irei te prosseguir não correndo mas voando sobre o pez fervente. Protege-te como puderes junto à margem. Então veremos se sozinho és capaz  de nos vencer”.

Agora, caro leitor, surpreso ficarás com o que ocorreu! Já iam os demônios se preparando para a planejada cilada, quando todos, ao mesmo tempo voltando enfurecidos a olhar para um dos lados viram o navarrês firme sobre a margem que calculando bem o tempo ao piche fervente se lançou ganhando assim a liberdade. De tal afronta todos os demônios sentiram o azedume, principalmente o causador da vergonhosa fuga, que aos berros dizia: “Te pego miserável!” Porém o pecador mudando de direção e rápido como um raio, no profundo e fervente pez mergulhou, desaparecendo.

 Calcabrina furioso com mais essa derrota voou para alcançar o condenado, porém vendo já estar ele no fundo da vala, retornou e voltou as garras contra o maligno companheiro procurando briga; 0s dois se atracaram; furiosa luta foi formada sobre o lago fervente. Então o feroz demônio rápido, no outro as unhas lhe cravaram. E espantosamente entrelaçados ambos no piche ferventem caíram de corpo inteiro. Sentindo a grande fervura os dois se separaram e tentaram subir mas foi inútil, pois as asas ficaram presas ao viscoso betume. Os outros vendo aquilo, se condoeram. Então diligente, Barbariccia enviou quatro companheiros que, de lanças em punho, foram rápido socorrê-los. De um lado e do outro chegaram rapidamente, estendendo os arpões aos companheiros enviscados mas, em vão tentavam salvá-los, porque naquela crosta ardente, cozidos já estavam. E, desta forma os deixamos lá na vala, junto aos condenados.

O INF. CANTO XXI

O INFERNO- CANTO XXI

"MERGULHA-O NO PICHE FERVENTE..."

No quinto compartimento são punidos os trapaceiros que negociaram os cargos públicos ou roubaram seus amos. Eles estão mergulhados em piche fervendo. Os dois poetas presenciaram linquenses por obra de um demônio. Virgílio domina os demônios que queriam avançar contra eles. Virgílio e Dante, escoltados por um bando de demônios tomam o caminho ao longo do aterro.  Texto do Tradutor.

Íamos para a ponte seguinte conversando sobre coisas que nesta Comédia não é oportuno comentar quando paramos para observar outra cova por ouvir sons de terríveis lamentos; olhando para baixo vi horrenda escuridão!

 Em Veneza, na estação mais fria do ano, na época imprópria para navegação, nos estaleiros o piche (betume) ferve durante todo o dia, não somente para vedar o casco dos barcos, também para aquecer o ambiente de trabalho; enquanto um pescador conserta o que foi avariado, o outro com extrema competência constrói um novo barco; uns martelando na popa e outros na proa; com perfeição são feitas grande e pequenas velas. E com espesso betume fervente são revestidos o fundo, os lados e toda parte do barco. Assim estava aquela vala! Cheia betume fervente. Na superfície eu via bolhas que a fervura levantava, ora crescendo, pinchando, ora diminuindo, porém sem nunca parar.

Enquanto estava eu a olhar o fundo daquela terrível cova, Virgílio exclamou: “Cuidado! Cuidado!” E puxou-me para junto de si tirando-me de onde eu estava. Voltei-me como alguém que ainda não tendo visto o perigo e nem de onde ele está vindo olha apavorado para todas as direções enquanto foge. Foi então que  vi sobre a escura rocha, um horrendo demônio correndo em nossa direção. Ah! Que aspecto feroz!  Veloz nos pés, com as asas estendidas carregava nas costas um condenado segurando o infeliz pelos calcanhares. Já sobre a ponte onde estávamos o terrível demônio gritou: “Ó Malebranche, (nome que se dá aos  demônios que guardam a vala dos corruptos) aqui está um daqueles anciãos devotos de Santa Zita ( cidade de Luca que  tem  como  protetora, Sta. Zita.) !... Mergulha-o no piche  enquanto volto àquela terra onde todos são corruptos iguais a este, com exceção de Bonturo Para ele, o ‘sim’ se transforma em 'não' quando entra em jogo o ouro!” (Bonturo Dati, magistrado conhecido como o mais corrupto dos anciãos de Santa Zita.). E lançando o condenado no piche fervente voltou correndo pelo  rochedo e sumiu na escuridão, mais rápido do que corre um cão de guarda atrás de ladrão. No piche fervente o maldito condenado afundou; depois, subiu à tona todo encurvado como se de joelhos estivesse. E voando sobre o fosso os demônios gritavam-lhe: “Não há aqui nenhum imagem Sagrada para que te ponhas assim de joelhos, nem podes nadar ou banhar-se como fazias quando te encontravas no Serchio, Se não queres que nossas lanças te espetem, ficas ai submerso”. Como o condenado não conseguia manter-se mergulhado, os demônios, com seus tridentes davam mais de cem espetadas naquele infeliz dizendo-lhe: “Estás apavorado! Então ficas aí! E se puderes roubar rouba escondido! Mas, não penses que vais nos enganar!” Assim falando lembrou-me o mestre de cozinha ordenando aos seus ajudantes para não deixarem na panela, nenhum pedaço de carne no caldo descoberto.

Então o mestre dirigindo-se a mim falou: “Não permitas que esses demônios te vejam; eles poderão te molestar. procuras pois, abrigo atrás daquela pedra, até eu te chamar. Não temas que o bando inimigo me atinja. Sei muito bem como lhe aplacar o furor; já o venci em outras vezes estando em igual perigo”.

Dirigiu-se então o Mestre até ao extremo da ponte; mas, quando à sexta borda já subia, urgência teve em se mostrar tranquilo pois, com a mesma fúria com que os cães são atiçados sobre um pedinte que exausto fica parado à espera de auxílio que lhe alivie a fome, assim vindo de embaixo da ponte, em acesso de ira, os demônios investiram sobre ele   (Virgílio) brandindo seus arpões; mas, com voz enérgica, o mestre  gritou-lhes: “Que nenhum se atreva! Suspendam suas lanças e um de vós venha até mim e escute-me; depois decidam se devem ou não me ferir”.

Reunindo-se, o bando decidiu: “Vá Malacoda e  escute-o” (Malacoda=malvada cauda)E enquanto os demais ficavam em seus postos, Malacoda saiu da roda e arrogante perguntou: “Que queres”? E o Mestre respondeu: “Acreditas que eu aqui chegaria sem  medo de ti e de tuas armas, se não fosse por Celestial ordem e Supremo querer? Deixas-me ir pois a lei Divina ordena que eu sirva de guia nessa dura jornada à alguém”. Ouvindo tais palavras, o orgulho de Malacoda se desmoronou; deixou cair aos pés o arpão ao mesmo tempo que ao bando gritava: “Este não poderá ser atacado”.

Então o Mestre voltando-se a mim disse: “Tu que cauteloso e quieto te escondes entre rochedos, vem a mim livre de qualquer temor”. Corria eu apressado para perto de Virgílio, quando os demônios furiosos investiram contra mim. E eu vendo  todos aqueles demônios voando em minha direção  acreditei tivessem eles quebrado o acordo que fizeram com meu guia. Meu medo era tanto, que tremia mais que  os soldados ao saírem de Caprona se viram cercados por inimigos. Mantinha eu os olhos fixos em seus ameaçadores  gestos, enquanto em Virgílio presos estavam meus braços, e todo o corpo. Com os arpões voltados em minha direção, dois deles gritavam: “Posso espetá-lo pelas costa?” ao que outros respondiam: “Sim! Sim! Que seja espetado!”. Mas aquele que havia ordenado a Malacoda conversar com o mestre bradou com firmeza: “Fica quieto, Scarmilione!” (Nome de um outro dos demônios). 

        Então todos silenciaram; depois dirigiu-se a nós dizendo: “Andar por essas rochas não podereis, porque a sexta ponte está totalmente destruída, sem restar-lhe nenhum pedaço. Se adiante quereis ir, façais seguindo o caminho deste lado; não muito distante, percebereis o rochedo por onde andareis. Ontem, cinco horas a mais do que este instante, fez mil duzentos e sessenta e seis anos que a ponte desabou. (O demônio falava cinco horas antes do meio-dia de 26 de Março de l.3OO. Ao meio-dia seriam transcorrido l.266 anos da morte de Cristo.) É então pela rocha que devereis seguir. Tereis a companhia de meus sócios que irão vigiar o bando dos condenados, para que nenhum deles escape e tente raptar-vos. Indo com os meus não sereis molestado”.

 Então chamando alguns dos companheiros ordenou: “Calcabrina (Calcabrina =pisa neve) irá na frente, Alichino (Alichino=asa baixa) será o segundo, Cagnazzo (Cagnazzo=focinho de cão) acompanhará os dois, Barbariccia (Barbariccia=barba crespa) comandará a decúria (decúria = grupo de dez),  que será completada por Droghinazzo (Draghignazzo=dragão feio), Libicocco  (Libicocco=libiano), Graffiacane (Graffiacane=esfola-cães),  Ciriatto (Ciriatto=porcalhão) Farfarello (Farfarello=duende) e Rubicante (Rubicante=vermelhaço). No caminho cada um se mostre atento, cuidando para que nenhum condenado escape do piche fervente. Quanto aos dois caminhantes, em perfeita paz sejam eles conduzidos ao arco da ponte que até agora esteve em perfeito estado”.

Apavorado disse eu: “Que vejo ó Mestre? Já conheces o caminho, vamos somente nós e, rápido; que tais guias sejam dispensados! Se, és prudente como sempre foste, cuidado! Não vês como eles estão rangendo os dentes e nos encarando com furor crescente?” Então disse o Mestre: “Não temas. Deixa-os ranger os dentes quanto quiserem pois, essa fúria não é contra nós mas contra os que estão lá embaixo mergulhados no piche”.

Deixando-nos no lugar apropriado, os demônios se afastaram; porém antes disso fizeram caretas ao chefe mostrando os dentes e por gozação mostrando a língua. O chefe então, lhes voltando o traseiro em postura repugnante emitiu sons de trombeta acompanhados de insuportável odor.