O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 4 de outubro de 2009

O INF. -CANTO IV

Nota: O inferno de Dante é formado por anéis iguais aos que se usam na construção de poços e aqui são chamados de círculos, sendo que estes são de tamanho descomunais, e vão se afunilando. 

O INFERNO -CANTO IV

"DESÇAMOS AO MUNDO DAS TREVAS"

 Fui despertado desse terrível sono por horrendo estampido que fez estremecer todo meu corpo. Ergui-me e abrindo vagarosamente os olhos observei tudo naquele lugar sinistro procurando saber onde me encontrava. Na verdade eu estava à beira do espantoso vale das dores, de onde infinitos ais estrondavam. Tão escuro, profundo e nebuloso era esse antro tenebroso que nada se conseguia ver.

        "Desçamos ao mundo das trevas"; - disse-me o Poeta já entrando; "eu descerei primeiro". Notando sua palidez perguntei-lhe: “Como hei de ir se estás dominado pelo medo, enquanto eu estou precisando de tua ajuda?” Respondeu-me: "O que vês em meu semblante não é medo e sim piedade daqueles que lá se encontram em estado tão angustioso. Vamos; longa é a jornada e isso exige pressa".

         Entrou o Poeta, em seguida eu. O primeiro círculo que nos levava ao abismo já começava a estreitar-se como um funil. Prestando bem atenção observei que dali não vinha prantos nem lamentos. Ouvi somente suspiros que vibrava suavemente no ar eterno do espaço inteiro, motivados por sofrimento sem martírios, vindos da multidão de homens, mulheres e crianças que ali estavam.

         Disse meu bom Mestre: "Não queres saber quem são os que assim vês sofrendo? Antes de continuar andando convém saberes que não pecaram. Contudo tendo praticado boas obras, encontram-se aqui porque lhes faltou o batismo, portal da fé, que ditoso é aos que creem. Tendo vivido antes do Cristianismo jamais prestaram a Deus o devido culto. Também sou um dos que padecem neste abismo. Nos perdemos por esse motivo;  os outros defeitos não nos mancharam; somos martirizados com a falta de esperança; com o castigo de ter nossos desejos para sempre frustrados.” Ao saber sobre isso fiquei com o coração partido de dor pois, muitos conheci de grande valor e ali no Limbo se encontravam. Procurando preservar minha fé sobre qualquer dúvida, perguntei-lhe: "Ó mestre e senhor: Por merecimento próprio ou por intercessão de outro, alguém já saiu daqui e ao céu já tem subido?"

Virgílio percebendo rápido minhas intenções, responde-me: "Logo que cheguei a este lugar vi descer do céu forte guerreiro, cingido de triunfal coroa (Jesus Cristo foi... sepultado, desceu a mansão dos mortos...) que daqui levou algumas almas: o nosso pai Adão e Abel, Noé, Moisés o legislador, Abraão, que de fé e obediência era inteiro; depois Davi, que reinou sobre o povo hebreu, e Israel com seu pai e inúmeros filhos, e Raquel por quem Labão tanto trabalhou. Muitos outros foram levados do Limbo para a glória; e saibas tu que antes de Cristo vir a Terra, nunca alguém tinha sido levado daqui".

Enquanto Virgílio falava, caminhávamos sem parar no meio da multidão de almas, quantidade que aumentava a cada instante. Ainda estávamos perto da entrada, quando avistamos um brilhante clarão que iluminava um pouco da parte escura.                        

Estávamos longe dali mas, deu para percebermos tratar-se da sede das almas nobres; então para lá nos dirigimos. "Ó tu que és honra da ciência e da arte" - perguntei - "quem são esses que têm o privilégio de estarem separados dos outros, aqui?" Respondeu Virgílio: "Assim são distinguidos pelo Céu, que reconhece os que na terra foram exaltados pelos seus méritos". De repente escutei uma voz sonora e clara vinda de uma das sombras dizendo: "Honrai todos o altíssimo poeta! Sua sombra que se ausentara, agora retorna". 

Quando a voz silenciou vi outras sombras se aproximarem de nós. Nos seus semblantes não se percebia nem alegria, nem tristeza. Após alguns instantes, disse o Mestre: "Vês aquele que, qual monarca pomposo empunha espada e dos outros três se destaca? É Homero, o poeta soberano (Homero, príncipe da poesia épica; a elQuando a voz silenciou vi outras sombras se aproximarem de nós. Nos seus semblantes não se percebia nem alegria, nem tristeza. Após alguns instantes, disse o e se atribui a autoria dos poemas épicos Ilíada e Odisseia.); o outro é Horácio (Quinto Horácio Flaco, poeta lírico e satírico romano, além de filósofo. É conhecido por ser um dos maiores poetas da Roma Antiga); ao seu lado está Ovídio (Públio Ovídio Naso foi um poeta romano); e em último lugar Luciano (escritor, satírico, filósofo, biógrafo, poeta). Eram eles quem falavam; ao me honrarem estão honrando a eles também e, merecidamente!”

         Assim vi reunida a bela escola do ilustre mestre, do sublime, que, qual águia alça vou mais alto que os outros. Quando  nos aproximamos, Virgílio se dirigiu a eles; e tendo por algum tempo conversado entre si voltaram-se a mim com gesto de amigos; Virgílio sorriu por essa atenção. Foi para mim grande honra, quando acolhendo-me em seu grupo ocupei o sexto lugar (Dante ocupou o sexto lugar na hierarquia dos maiores poetas da literatura ocidental).

        Caminhamos juntos até ao local iluminado. Chegamos a um reluzente castelo sete vezes cercado de altos muros e rodeado por lindo porém singelo riacho. Atravessei-o a pé enxuto. Acompanhados entramos por sete portas e caminhamos por fresca relva aonde chegamos a um suave prado. Sérios, movimentando pausadamente os olhos, lá estavam sombras de aspecto majestoso e voz suave que raramente falavam. Subimos à uma iluminada colina; de lá avistava-se uma multidão dessas almas espalhadas sobre a brilhante relva verde; então o Mestre me indicava ilustres sombras. Ainda sinto imensa alegria pelo prazer de vê-los, o que me encheu de entusiasmo. Vi Eletra (mãe de Dárdamo, fundador de Troia) acompanhada dos heróis, Eneias (príncipe troiano, filho de Anquises e de Vênus) e  Heitor ( filho de Priano rei de Troia) e também César (o ditador Júlio César e, por adoção, o primeiro imperador romano), cujos olhos delineados nos volvia. Vi Pentesiléia (rainha das Amazonas morta por Aquiles)  e o rosto corajoso de Camila (filha de Metabo, rei latino) e sentado estava o rei Latino enternecido com sua Lavínia (rei dos aborígenes, pai de Lavínia que foi mulher de Enéias); Vi também Márcia (mulher de Catão Uticense), Lucrécia (mulher de Colatino que, ao ser violentada por Sesto Tarquínio se suicidou);  e Bruto (fundador da república de Roma) o que destronou Tarquínio - Cornélia (mãe dos Gracos);e Júlia (filha de Cesar e mulher de Pompéu); e, afastado de todos permanecia Saladino (sultão do Egito e da Síria, que conquistou Jerusalém).

Erguendo a vista respeitosamente, vi o Mestre (Aristóteles) maior em saber cercado por filósofos. Todos o estimavam com consideração e respeito. Também lá se encontravam Platão e Sócrates, que em grandeza, são os que mais a ele se assemelham; Tales; ( de Mileto - filósofo, matemático, engenheiro, homem de negócios e astrônomo da Grécia Antiga). Heráclito (de Éfeso - filósofo pré-socrático considerado o "Pai da dialética") e Anaxágora, (filósofo grego do período pré-socrático, fundou a primeira escola filosófica de Atenas), acompanhavam o atomista Demócrito (filósofo pré-socrático da Grécia Antiga. Nasceu na cidade de Mileto ou Abdera, viajou pela Babilônia, Egito e Atenas, e se estabeleceu em Abdera no final do século V a.C); Empédocles, (430 a.C.) filósofo e pensador grego e cidadão de Agrigento, na Sicília. Afirmava que toda matéria é feita de quatro elementos: água, terra, ar e fogo) Orfeu, (de Trácia -  poeta e músico); Túlio o eloquente; (Márcios Túlio Cícero) Sêneca (filósofo de costumes rígidos; um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano); Lívio, Euclides, Hipócrates, de enorme estatura, Ptolomeu (autor do sistema do Universo, que se chamou "Sistema Ptolomeico") Galeno e Avicena (famosos médicos; o 1º de Pérgamo, no Ponto; o 2º árabe); Averrois com seus sábios comentários... Descrição minuciosa de todos não é possível dar. O assunto é longo; como não posso me demorar, deixarei de fazer pois, apressadamente, poderei me esquecer de alguém, o que seria condenável. O nosso grupo de seis então se dividiu e o Mestre seguiu comigo outro caminho.

Deixando aquele lugar ameno, passamos ao de ar pesado e terrivelmente escuro.

 



 

 


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