O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O INF. - CANTO V

Na entrada do segundo círculo está Minos, que julga as almas e designa-lhes a pena. Na parte côncava deste círculo, no centro, está os luxuriosos, que são continuamente arrebatados e atormentados por terrível turbilhão. Aqui, Dante encontra Francesca de Rimini, que lhe narra a história do seu amor.

O INFERNO - CANTO V

"POR QUE FALAS ASSIM GRITANDO?!"

“Deixando aquele lugar ameno, passamos ao de ar pesado e terrivelmente escuro”.

Entramos no segundo círculo onde o espaço é mais estreito. Na entrada encontrava-se Minos recebendo os pecadores. Ele examinava as culpas de cada uma daquelas almas desde o início de sua existência e dava-lhe a sentença como se a estivesse esmagando, comprimindo.

Quando uma dessas desventuradas à sua presença vai, confessa-lhe minuciosamente suas culpas. Minos que é  o  senhor   absoluto daquele lugar e conhece bem os pecados, determina a que Círculo ela deve ser enviada, pelas voltas que ele dá em sua cauda. Diante dele há sempre muitas almas esperando a vez de serem julgada. Uma a uma ele julga e a sentencia; ela ouve, cai e some rapidamente no abismo.

Minos desempenhava seu terrível ofício e assim que me viu gritou furioso: “Ó tu que vens à morada das dores, olha lá como entras e em que confias, porque não vai ser fácil saíres daqui. Não te enganes só porque entraste com facilidade!"  Então meu guia replicou: "Por que falas assim gritando?! Não tentes impedir nossa difícil missão! Assim nos foi ordenado, assim se cumpre; disso tenhas absoluta certeza."

 Minos se calou e nós continuamos a andar. Logo comecei a ouvir da infernal geena muito pranto e terríveis lamentos (geena, lugar de suplício eterno). Me aproximando do lugar vi o prantear de cabelos arrancados e isso me causou grande compaixão. Naquele lugar fiquei todo o tempo em silêncio. Escutava estrondos iguais aos do mar quando é combatido pelos ventos.

Com o furor da tormenta, as almas se retorciam, se agitavam indo de encontro umas às outras constantemente. Quando de encontro às paredes do abismo eram lançadas ouvia-se ais, soluços, lamentos e a multidão maldita blasfemando a Deus. Me explicou o Mestre que estão nesse horrível padecer os que aos vícios da carne se entregaram, submetendo a razão ao apetite.

Quais estorninhos,  que durante o inverno ao voar em densos bandos, se embaraçam (pássaro de plumagem negra lustrosa malhada de branco, com reflexo verde e vermelho) , assim, em rodopios, as almas se movimentavam ao capricho do vento que as jogava de um lado ao outro sem parar. Pior que a dor é a certeza de que nunca sairão dessa agonia. Como os grous que nos ares, em bandos vão grasnando sem cessar, assim o seu gemer irritante era trazido daquelas sombras pelo tufão. "Mestre” - perguntei - "quem são essas pessoas que o vendaval tanto castiga?”

"A primeira entre elas cujo feitos deves conhecer - explicou o mestre -, governou nações; foi tão degradante na luxúria que, para desculpar suas torpes fantasias criou leis dizendo ser lícito e agradável essa prática, por trazer felicidade mesmo momentânea; seu nome era Semíramis (Rainha da Babilônia, viúva do rei Nino); foi esposa de Nino e herdeira de seu trono por bastante tempo; governou a terra que hoje pertence ao sultão; a outra (Dido - esposa de Siquém) foi infiel traindo Siquém a que jurou fidelidade eterna; a seguir vem a luxuriosa Cleópatra (rainha do Egito). Podes ver também Helena, (mulher de Menelau rei de Esparta. Cedeu as tentações de Afrodite deixando-se ser sequestrada por Párias causando a guerra de Tróia); de tão má cometeu perjúrio; também o louvado Aquiles que combateu somente por amor (foi o maior dos guerreiros gregos na mitologia grega. Quando criança, sua mãe o imergiu no rio Estige tornando-o imortal. A única parte do seu corpo que não foi submersa foi o calcanhar, por onde sua mãe o segurou.). Párias, (príncipe de Tróia; foi responsável pelo sequestro de Helena arquitetado por Afrodite) e Tristão (que morreu de paixão por seu amor impossível por Isolda)... E mostrou-me muitas outras almas de notáveis dizendo seus nomes e que o amor desregrado as levou à sepultura.

Já estava me sentindo aflito por ouvir nomes e conhecer as culpas dessas damas e antigos cavalheiros. Então eu disse: " Poeta, desejo muito falar com aqueles dois que ali vês abraçados um ao outro e que ao impulso do vento parecem ser tão leves. (Francisca de Rimini e Paulo Malatesta que foram mortos por Gianciotto Malatesta, marido de Francisca e irmão de Paulo, por terem eles se apaixonado entre si.) Respondeu-me: "Seu desejo será prontamente atendido. Quando estiveram mais perto pede-lhes pelo amor que os uniu; certamente virão sem pudor algum".

Quando se aproximaram trazidos pelo vento, falei em voz alta: "Ó almas sofridas vinde; desejo falar-lhes se lei maior não vos impede".                          

 Quais pombas que abrindo as asas deixam o ninho e vão pelo ar unidas, assim vieram atendendo ao meu chamado. Deixando a multidão onde também estava Dido (viúva de Siquém; se tornou rainha de Cartago passando a viver junto com Eneias como marido e mulher), as duas almas se aproximaram de nós reverentes, tão comovidas ficaram com o tom de minha voz.

Então falaram: “Ó Ente bondoso e compassivo que, para nos visitar neste abismo infernal saístes do mundo onde derramamos nosso impuro sangue, e o Senhor do Universo quisesse ouvir nossos rogos imploraríamos a Ele por vossa salvação, pois compadeces do nosso mal perverso. Aproveitai enquanto o vento está calmo; o que disseres haveremos nós de escutar atentamente e a ti diremos tudo o que desejas ouvir”. E continuou: “Minha terra natal é aquela onde fica o grande rio com seus afluentes desagua no mar como em um abraço de paz. (O Rio Pó). Este que vês comigo incendiou-se de amor por minha beleza - daquele amor que subitamente domina os corações -  beleza que de mim foi levada e que ainda me amargura. Amor que em troca exige amor igual invadiu-me de tal modo o peito que, bem vês, nele permanece eternamente! Amor que nos conduziu a morte; e aquele que tirou nossas vidas seu fim é encontrar Caina”.

Após essas palavras fez-se profundo silêncio. A angústia atroz daquelas almas me fez meditar de fronte inclinada e assim permaneci até que o Mestre perguntou: "Em que pensas"? Logo que pude respondi: “Cruel destino! Que meigo encanto existiu neles antes do terrível fim!"

Aos dois me voltei dizendo: " Francesca, teus sofrimentos me angustiam e me levam ao triste e compassivo pranto! Dize-me, quando tiveram início os doces suspiros como os que em amor agora queres mostrar e em ti sentes escondido?" Respondeu-me: "Não há tormento mais doloroso do que na desgraça recordar tempo venturoso. Teu Mestre o tem sentido! Mas, por que estás desejoso de saber como nasceu a flor do nosso afeto? Mesmo sabendo que irás chorar, te contarei o lastimoso caso: um dia estávamos somente eu e meu amado, tranquilos, lendo sobre a paixão que dominou Lancelote. (Lancelote e Guinevere: Guinevere era esposa do rei Artur e era apaixonada pelo cavaleiro  Lancelote.  Galeoto   foi  o  intermediário  da  relação). Durante a leitura, nossos olhares que várias vezes se encontravam, de repente pararam de ler sendo aquele o momento que mudou nossos destinos: pois ao lermos que aquele amante desejava beijar os lábios da mulher amada, nossas faces tornaram-se ardentes e este que mim jamais se separa, ofegante e trêmulo os lábios me beijou. A partir desse momento, por culpa de Galeoto e seu romance, esquecemos a leitura".

Enquanto aquela alma contava sua triste história, ele ao seu lado chorava tanto que eu transpassado de compaixão desmaiei e cai como cai um corpo morto.

 
 
 
 

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