O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 18 de outubro de 2009

O INF. - CANTO IX

O INFERNO - CANTO IX

"...É O MAIS PROFUNDO E DENEGRIDO..."

    Dante pergunta a Virgílio se havia percorrido outra vez o Inferno; Virgílio responde que já percorreu todo o Inferno e narra como é. Quando na torre de Dite, se apresentam as três Fúrias e depois a Meduza, que ameaçam a Dante. Virgílio porém o defende. Chega um Anjo do Céu que abre aos Poetas as portas da cidade rebelde. Texto do Tradutor.

Ao ver Virgílio retornar fiquei pálido de medo porém tranquilizei-me ao perceber quão sereno ele estava andando lentamente.

De repente parou atento como quem procura ouvir algo, pois a escuridão e a névoa espessa impediam a visão; dizia para si: “É preciso não desanimar... senão... me foi prometido socorro... Oh! como está demorando a sua vinda!" 

Percebi que o sentido cheio de dúvidas das suas palavras apenas iniciadas, foram por outra ideia interrompido. Porém o que maior receio me causava era perceber nas reticências algo de grave. Então perguntei: "Já desceu ao fundo desse horrível lugar alguém do Limbo?"

Respondeu-me o Mestre: "Raras vezes aparece alguém percorrendo esses caminhos que levam  ao abismo.  É verdade que aqui já estive quando Éricton, bruxa que sabia coagir os espíritos a se ligarem aos corpos mortos, esconjurando-me, me enviou para cá. Isso aconteceu pouco tempo depois que as carnes me deixaram; por macabros rituais fui levado ao círculo onde Judas permanece, para de lá resgatar a alma de um dos condenados . (A alma de Virgílio já desceu ao mais profundo do Inferno acompanhado pela bruxa Éricton). Esse lugar é o mais profundo e denegrido e o mais distante do Céu . Por esse motivo é que conheço muito bem o caminho; esforça-te ó querido! Este pântano que horrível cheiro exala e circunda de tormento a cidade, sem coragem não conseguiremos  de nela entrar".

Não me lembro o que  ele continuou dizendo pois meu olhar estava atento ao cimo da torre chamejante onde apareceu de repente, três Fúrias, com horrendo aspecto tingidas de sangue e femininas no gesto e no semblante. Cada uma tinha em torno da cabeça, servindo-lhes de cabeleira serpentes com aspecto de cera. Virgílio reconhecendo nelas, as escravas da rainha da eterna dor  e do eterno pranto (Prosérpina), disse-me apontando cada uma com o dedo: "Preste atenção nas Eríneas(Eríneas ou as três Fúrias, filhas de Éribo e da Noite). A da esquerda é Megera; a que está à direta chorando é Aleto;  a que está no meio é Tisífone”. E assim dizendo, calou-se. As Fúrias com as unhas  rasgavam o próprio peito, batiam palmas  com tais gritos, que do Poeta me aproximei cheio de pavor.

 Elas então olhando-me gritavam: " Vem! Serás transformado em pedra por Medusa; o assalto  praticado  por Teseu não  foi  ainda  vingado”.  (Teseu desceu ao Inferno para raptar Prosérpina).  

          “Volta-lhe as costas; conserva-te de olhos fechados, pois se Górgona olhar firme em teus olhos, não tornarás mais à terra". (Górgona, rosto de Medusa que petrificava que a olhasse). Assim disse o Mestre virando-me para o lado oposto. E as suas mãos juntando-se às minhas que não eram suficientes, cobriu-me os olhos protegendo-me.

          Ó vós, que tendes uma inteligência saudável, buscai compreender
o sentido exato que se oculta no que estou narrando!

De repente, sobre as turvas águas retumbou violento estrondo. Tremendo, as margens sentiram os efeitos. Semelhava-se a impetuoso furacão que por aquecimentos contrários açoita impetuoso sem descanso, furioso fere a selva, quebra ramas, arranca flores, e entre nuvens de poeira, atinge feras, rebanhos e pastores.

Então o Mestre descobrindo meus olhos  disse: "Ergue o olhar agora, e fixa a vista até onde começa a espuma (o Rio Estige), e  a cerração está mais forte." Iguais a rãs que ao verem voraz serpente buscam refúgio no fundo do charco, assim  vi  as serpentes inimigas, todas desapareceram no meio das águas e cada qual no lodo entrou e se escondeu. Vi também milhares de espíritos fugindo, apavorados ante a linda imagem que atravessava as águas daquele rio, sem molhar os pés.

Movendo a mão esquerda, afastava a névoa escura que lhe estava ao redor. Só este cuidado que para ele era árduo trabalho, lhe altera a face pura. Acreditei ser ele enviado pelos Céus. Voltei-me a Virgílio e, mudo e quieto ao sinal que me fez, inclinei-me reverente. Então a angelical figura aproximou-se da entrada e ao leve toque de uma vara, abriu-se a porta da repugnante fortaleza.  Depois dirigindo-se aos terríveis demônios disse:

          "Ó turba desprezível que os céus de si a afastou! Donde vem todo esse atrevimento? Por que teimar em desobedecer a vontade do Altíssimo cujo excelso designo é sempre respeitado?  Cuidas   de  pôr  impedimento   ao   destino?   Não   basta  a intensidade do sofrimento a que estás submetida. Tendes na mente como guia a Cérbero, pois a ele assemelhais no aspecto e no querer”. (Cérbero, guardião do Inferno). Depois, em silêncio, pelo imundo lugar retornou caminhando despreocupadamente em meio àqueles, como se eles ali não estivessem.

      Aquele altivo e santo falar nos deu confiança. Não havendo mais impedimento, entramos e fomos em direção à cidade.  Sentia eu desejo de saber quais as dificuldades que ainda encontraríamos para transpor aquela fortaleza. Encontrando-me dentro, de imediato vi extenso campo de tamanho ilimitado, mas não sofrimento em demasia. Assim como em Arle onde o Ródano se transforma em brejo; também  em Pola, junto ao Guarnaro que faz fronteira com a Itália, (alusão aos túmulos romanos que são numerosos na Provença, perto de Arles; e também em Pola, na Itália) o lugar

por onde estávamos passando o solo estava coberto de sepulcros incertos e desiguais, porém de modo  mais  escabroso  pois entre eles, serpenteavam chamas que os abrasava mais que do que exige a arte para moldar o ferro. Com a tampa do sepulcro erguida, podia-se ouvir terríveis e permanentes gemidos.

"Ó Mestre" - perguntei - "quem foram eles e que crimes cometeram para terminarem assim em tormento sem descanso?" Respondeu: "Aqui estão os heresiarcas e seus seguidores; são mais do que podes imaginar e as tumbas estão cheias. Ali estão os iguais com seus iguais e padecem de acordo com a gravidades da heresia praticada; por isso alguns túmulos são mais incandescentes que outros."

E voltou-se rumo à direita passamos entre o muro e os padecentes.

 

 

 

 

 

 

 


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