O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 24 de outubro de 2009

O INF. - CANTO X

 
O INFERNO. - CANTO X

"...É FARINATA ERGUENDO-SE DE SEU TÚMULO".

   Os Poetas caminham entre as tumbas onde estão penando os heresiarcas. Dante manifesta a Virgílio o desejo de ver os nelas estão sepultados e de falar com alguém. Nisto ouve uma voz chamá-lo. É Farinata deghi Uberti. Enquanto o Poeta conversa com ele, é interrompido por Cavalcante Cavalcanti, que lhe indaga por seu filho Guido. Continua Dante o começado discurso com Farinata, que lhe prediz obscuramente o exílio.
Texto do Tradutor.

Ainda no sexto círculo = Cemitério de fogo

Seguindo entre o muro e os padecentes Virgílio ia à frente e eu  o acompanhava. Então lhe perguntei:

         "Mestre  que  está  me  guiando por este terrível lugar que bem conheces, satisfaz o meu desejo de também conhecer tudo que aqui existe. Esses que estão nesses sepulcros podem ser vistos? Os túmulos estão abertos e não há nenhum guarda que os  proteja." Respondeu-me: "Todos esses túmulos serão fechados e lacrados  no dia em que, voltando de Jeová, os espíritos trouxerem o corpo que deixaram na sepultado Terra. Nesse terrível local se encontra Epícuro com todo o seu bando de discípulos que professaram a doutrina a qual diz que a alma morre juntamente com o corpo. Quanto ao desejo que revelaste, satisfeito serás não somente no que me pediste, também no desejo que  vejo oculto em teu pensamento." 

        Respondi-lhe: "Bondoso guia, não te expus o que desejo saber, porque tenho tido o cuidado de falar menos, como me recomendaste em outras ocasiões”.

        "Ó Toscano que, ainda em vida pudeste penetrar na cidade do fogo e és tão modesto! Detém-te um pouco se te for de agrado. Pelo teu modo de falar, a mim fica bem claro que nasceste na nobre pátria à qual, suponho ter sido muito prejudicado". Subitamente ouvi essa palavras, que saiam de um dos túmulos. Assustou-me tanto, que ao Mestre me acheguei espavorido. 

"Que tens!"–Tranquilizou-me Virgílio. "Repara; é Farinata erguendo-se de seu túmulo. Podes vê-lo, da cintura para cima”. (Farinata degli Uberti foi um dos mais importantes líderes dos guibelinos em Florença. Participou da sangrenta batalha de Montaperti onde os guibelinos massacraram os guelfos - partido da família de Dante) e retomaram o poder em Florença). Contudo eu já o fitava olhos nos olhos e ele altivo, levantava a fronte e o peito como desprezando o seu infernal estado. Por entre os túmulos, com presteza, o Mestre me levou direto ao vulto, dizendo-me: "Fala-lhe, mas cuidado com as palavras". 

Mal havia me aproximando do sepulcro olhou-me com gesto severo e desdenhoso disse: “Falas-me claramente quem foram teus  antepassados”.

 Desejoso em obedecer-lhe expus francamente o quanto sabia a respeito. Então ele arqueando as sobrancelhas com ar de desprezo disse;  "Dura guerra fez tua gente a mim, aos meus, ao meu partido; mas duas vezes eu os expulsei...” Respondi-lhe: “Se foram expulsos duas vezes, duas vezes souberam retornar; arte essa que os vossos nunca conseguiram aprender?” (Os ascendentes de Dante, guelfos, duas vezes foram banidos de Florença.)

 Ao lado de Farinata, surgiu então um outro vulto que somente o rosto mostrava; pareceu-me estar apoiado sobre os joelhos. Ansiosamente olhou ao meu redor para ver se alguém viera ali comigo; mas, perdida a esperança que o animava, em prantos perguntou-me:

 "Se desceste do teu alto posto por prêmio para vires ao reino inimigo, onde está meu filho, não veio contigo"? (Quem fala é Cavalcante di Cavalcanti, pai do poeta Guido Cavalcanti, amigo de Dante). Seu padecimento e sua voz me fizeram compreender de quem se tratava; assim pude dizer diretamente  o que sabia: "Não vim aqui por vontade minha; aquele que ali me aguarda é meu guia; aquele por quem vosso filho Guido não tenha dado o devido valor" (Dante diz que Guido não apreciava a poesia de Virgílio).

De repente o vulto ergueu-se gritando: “Porque dizes, tenha..? Ele não vive mais? O seu corpo, a terra já o consumiu? A doce luz do sol não mais ofusca seus olhos?" Como me demorei um pouco a responder à sua pergunta, tombou de costa e desapareceu entre as chamas.

Farinata continuava na mesma posição de quando a conversa foi interrompida; a fronte e o peito altivos, imóvel permanecia. E continuou: "Se por não conhecer a arte de voltar meu nome perdeu o brilho, isso me dói mais do que o tormento de estar nesse leito incandescente; porém a Soberana do inferno (Prosérpina, que aqui está representada pela Lua)  não terá mostrado cinquenta vezes a sua face acesa ao mundo antes de experimentares quanto essa arte pesa(Farinata prevê o exílio de Dante, antes de passarem 50 meses ou 4 anos). Antes que possas voltar à vida humana dizei-me: por que as leis que vêm do teu povo determinam tanto rigor contra os meus"? 

Respondi: "Pelo massacre que tingiu de sangue as águas do Arábia, (A Batalha de Montaperti - monte da morte: Uma das mais sangrentas batalhas de toda a história ocorreu quando o exército de Siena – cidade governada pelos guibelinos, enfrentou o exército de Florença – governada pelos guelfos. Do lado de Siena estava o guibelino florentino Farinata degli Uberti que estava exilado e pretendia recuperar o poder em Florença. A batalha durou do amanhecer ao pôr do sol do dia 4 de setembro de 1260. O exército guelfo era muito mais numeroso que o dos guibelinos mas estes eram mais agressivos. Um momento decisivo da luta ocorreu quando o guelfo florentino Bocca degli Abati traiu o seu próprio exército e junto com seus aliados, que esperavam o momento certo para atacar, voltaram-se contra os guelfos e deram uma vitória fácil aos guibelinos. Mas os guibelinos não ficaram satisfeitos. Foram atrás dos guelfos em fuga e os mataram cruelmente, mesmo aqueles que já haviam  se  rendido. O  resultado   foi   um  saldo  de  mais  de 10 mil  mortos,  que  banhou  o  rio  Arábia  de   sangue   (HistoryNet).  Então inclinando a cabeça suspirou e disse: “Não fui sozinho a essa batalha e certamente também não teria seguido os outros se não fosse por uma boa causa; porém, achei-me só quando o brado geral exigiu a ruína de Florença. A peito descoberto eu a defendi dos que desejavam sua ruína”.

Então bradei: “Que a paz esteja com teus descendentes”. E continuei: “Se bem compreendi, te é possível prevê o futuro; porém do presente ignoras tudo o que se passa". Respondeu-me: " Nos assemelhamos aos que têm defeito de visão (enxergam melhor de longe); vemos com mais nitidez os acontecimentos distantes. Quando estão perto ou no presente os temos, a clareza de Inteligência se apaga e o pouco que nos é permitido saber somos informados pelos que vão chegando. A nossa ciência depende do futuro; mas, um dia, quando a porta  do futuro for fechada, essa pouca luz se apagará em nós e não mais se acenderá". Repliquei então com a alma cheia de remorso: "Digas àquele vulto com quem a pouco eu falava, que o filho dele ainda tem morada entre os vivos; (Guido Cavalcante ainda está vivo) e se demorei a responder ao que me perguntava, é porque eu estava dominado pela influência da dúvida que foi dispersada pela vossa explicação".

Se bem que o Mestre pudesse me esclarecer, continuei rogando ao vulto a me dizer "quem são aquelas almas que o acompanhava". Respondeu-me: "Milhares estão aqui dentro, comigo: Frederico Segundo, e aquele cardeal... (Otávio deghi Ubaldini, também tido como herege) dos outros que não falarei”. E desapareceu.

Retornei ao sábio Mestre refletindo sobre o que tinha escutado nas últimas palavras de Farinata. Ele caminhava e enquanto adiante passava, me dizia: "Por que estás preocupado?" Então lhe contei tudo o que me inquietava. "Do que ouviste conserva na memória cada ponto!" Ordenou-me o sábio mestre e erguendo o dedo, continuou: ”Agora escuta bem! Quando estiveres diante da luz daqueles belos olhos que tudo tem presente, os momentos aflitos da vida irão ser revelando".

Então voltou-se à direita; e rápido deixando o muro conduziu-me por um atalho que descia ao hediondo vale onde terríveis vapores, exalava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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