O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O INF. CANTO XIII


O INFERNO - CANTO XIII

"HOMEM FUI; HOJE SOU O LENHO QUE ESTÁS VENDO!"

Os dois poetas entram no segundo compartimento, onde são punidos os violentos contra si mesmo e os dilapidadores dos próprios bens. Os primeiros são transformados em árvores, cujas negras folhas as Harpias dilaceram; os outros são perseguidos por cães famintos que os despedaçam. Texto do Tradutor

Nesso ainda não havia chegado à outra margem quando penetramos em uma floresta tão cerrada que não havia o menor sinal de trilha. A copa das árvores não era verde, mas escura; seus ramos não eram lisos porém nodosos e espinhosos; e no lugar dos frutos via-se uma espécie de garras afiadas e venenosas. O bando de Harpias que incutiu nos troianos a necessidade de abandonarem as ilhas Strófades profetizando os cruéis perigos que os aguardava, ali faziam seus ninhos. Têm elas largas asas, colo e rosto humano, garras nos pés, enorme ventre plumoso e seus uivos insanos ressoam por toda a floresta.  Acredito que os ferozes animais que nos matagais de Cerina e Corneto buscam refúgio, naquela floresta onde estávamos estariam mais ocultos e bem protegidos.

Disse-me o Mestre: “Convém que fiques sabendo de que nesse segundo compartimento onde vais entrando até chegares ao horrendo areal, verás coisas descomunais. Ficas pois atento! Assim acreditarás na narrativa que fiz, quando ainda no mundo eu estava.”

        Atordoado, eu ouvia gritos aflitivos de dor que vinham de todos os lados, porém não via os que assim agiam. Fiquei parado e ainda mais perturbado. Suponho que meu Mestre estivesse pensando, eu acreditar  que esses lamentos fossem enviados aos ares pelos padecentes que aos meus olhos se escondessem, pois me disse: “Se quebrares apenas um galhinho dessa árvore ficarás ciente do erro que confunde teus pensamentos.”

Então estendi o braço à um galho da árvore e o quebrei. O tronco assim ferido tingindo-se de negro sangue, disse gemendo: “Por que razão me arrancas? Por que me rasgas?" – e gemendo mais ainda continuou:

 “Nunca tiveste sentimento de piedade? Homem fui; hoje sou o lenho que estás vendo! Mais compassiva tua mão seria, se este que aqui permanece fosse a alma de um monstruoso dragão.”

Como lenha verde quando queimando está, numa extremidade se retorce, na outra estala chiando e a umidade para fora envia, assim brotava a voz e o sangue daquela árvore. Minha mão já havia soltado o ramo; no entanto o horror no meu peito continuava. Disse-lhe então meu Guia: “Alma ferida, se este que me segue tivesse acreditado no que eu em meus versos escrevi (Na “Eneida”, Virgílio se refere a episódio semelhante quando Eneias retira ervas que haviam nascido sobre o túmulo de Polidoro), sua mão não teria sido erguida para te ferir. Nesse momento  eu mesmo duvidei disso; tanto que o induzi ao feito que agora me culpo e me arrependo. Se ele soubesse que sofrerias, jamais teria erguido a mão contra ti. Dizei-lhe quem foste e tira-lhe as dúvidas. E ele ao voltar ao mundo dos vivos fará com que tua fama seja lembrada compensando-te assim do mal que contra ti praticou.”

 Respondeu-lhe então o tronco: “A compaixão que sentes, alivia tanto a minha dor, que de bom grado a ele explicarei diminuindo-lhe assim a tristeza que seu sentimento demonstra”. Continuou:  “Participei do governo do imperador Frederico II como seu auxiliar e  amigo confidencial e discreto. Nesse compromisso fui fiel e constante, a ponto de perder a paz de espírito e a saúde. Porem a inveja, a asquerosa meretriz que nos palácios reais sempre aparece, com calúnias acendeu em todos a chama do ódio contra mim. Essa chama acendeu também a cólera do imperador que, ao retirar-me as honras cobri-me de horrível mágoa. Ressentindo-me então do mundo injusto, para fugir dos seus desprezos busquei a morte. (Pedro des Vignes, secretário de Frederico II que se suicidou por ter sido acusado de trair o seu rei). Eu que era justo, fui maldoso para comigo mesmo; juro pelo tronco em que padeço agora, que jamais infiel fui ao meu senhor, e que tive sempre como norma a justiça. Qualquer um de vós que à luz voltar, suplico que salve a memória do meu nome honrado, que ferido foi pelo duro golpe da inveja”.

 O Poeta esperou um pouco para que ele continuasse; depois me disse: “Por que estás calado? Pede-lhe que conte mais coisas se ainda desejas ouvir, pois o tempo está passando.” 

Respondi: “O que desejo ouvir perguntas tu mesmo, pois me sinto impedido pela enorme comoção que me invade a alma.” Disse-lhe o Mestre: “Para que teu desejo seja nobremente atendido por este que ainda vivo está, ó encarcerada alma, explica-lhe por que o espírito se une ao tronco e se é possível soltar-se um dia, quebrando-lhe o vínculo?”

Daquela árvore saiu forte sopro que, se transformando em voz nos disse: “O quanto me é possível, breve resposta darei: quando um ser humano na confusão de seu furor tira a sua própria vida, logo é arremessado por Minos ao sétimo círculo, de lá caindo em qualquer lugar dessa selva; daí, qual semente de centeio germina, e vai crescendo até tornar-se numa enorme e espinhosa árvore cujas folhas são arrancadas  pelas ferozes Harpias servindo-lhes de alimento. Nesse ato,   o tronco  é ferido causando intensa dor que se transforma em lamentos.

Quando do Julgamento Final iremos, como todos os outros mortais procurar nossos corpos; os encontraremos porém não poderemos nos revestir deles, pois os rejeitamos; serão então arrastados por nós e ficarão pendurados nos galhos da árvore onde, como vedes, nossa almas estarão eternamente padecendo”.

Estávamos ainda próximo à árvore pois tínhamos a intenção de saber mais sobre o que aquele espírito nos explicava, quando escutei um rumor igual àquele que indica ao caçador pelo estalar dos galhos e latir dos cães a aproximação do javali; súbito vejo à minha esquerda rompendo o escuro bosque, dois espíritos nus e ensanguentados, em desespero tamanho que na fuga iam quebrando muitos galhos.

Gritava o primeiro: “Me acode! Me acode morte”! (Era Lano = Erculano Marconi. Consumiu tudo o que possuía se tornando muito pobre. Alistou-se, depois às tropas florentinas contra os aretinos. Durante a batalha de Toppo, tentando fugir deu de cara com o exército inimigo que o matou)o segundo que parecia andar lentamente, gritava também: “Ninguém ó Lano, nem nas batalhas de Toppo, te viu com tão ágeis pés!” Porém, já tendo perdido todas as forças, atirou-se sobre uma moita que ali estava. Corria em sua procura um bando de cadelas, ferozes e famintas como se houvessem fugido de algum canil. Atirando-se sobre aquele espírito fugitivo, a furiosa matilha o fez em pedaços levando-o consigo.

Então meu Guia segurando-me a mão conduziu-me à moita, onde um arbusto em vão chorava; e pelos cortes de suas ramas onde jorrava escuro sangue ouvia-se dizer tristemente “Ó Iacopo da Santo Andréa! Como poderia eu ter te protegido? A tortura está sendo em mim aplicada  como se eu tivesse que responder por teus crimes”. 

Quando já estava mais próximo, perguntou-lhe o Mestre: “Quem és tu que, por tantos golpes estás coberto de sangue e sofrendo tantas dores”? Respondeu-lhe: “Ó alma que, compadecida falas! Te unes ao teu companheiro para aliviar meu sofrimento recolhendo os ramos quebrados e juntando-os às raízes. Nasci na cidade que trocou seu protetor pelo Batista; protetor esse que tanto amava a arte da guerra; hoje afastado entristece pois, do seu culto apenas um vestígio existe na Ponte do Arno; sem ele sua existência jamais seria lembrada e seus esforços teriam sido sem resultado quando a reergueram das cinzas provocadas por Átila. Foi ali, na minha própria casa que me enforquei”. (Quem responde é Giacomo de Santo Andréa, nascido em Florença antes de tornar-se cidade protegida por São João Batista, e que foi destruída por Átila; tinha como protetor, Marte, do qual restava uma estátua sobre a Ponte Vecchio)

Comovido por seu amor pela velha pátria reuni os ramos que estavam espalhados e coloquei junto às raízes daquele arbusto enfraquecido pelo tanto que falara.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os dois poetas entram no segundo compartimento, onde são punidos os violentos contra si mesmo e os delapidadores dos próprios bens. Os primeiros são transformados em árvores, cujas negras folhas as Harpias dilaceram; os outros são perseguidos por cães famintos que os despedaçam. Dante encontra Pedro des Vígnes , de quem ouve os motivos pelos quais se suicidou e as leis divinas em relação aos suicidas, Vê depois o senês Lano e o paduano Jacob de Sant´Andrea. Ouve enfim, de um suicida florentino, qual é a causa dos males de sua pátria.
Texto do Tradutor


"Homem fui; hoje sou o lenho que estás vendo!"
Nesso não havia ainda chegado ao lado oposto, quando penetramos em uma floresta tão cerrada que não havia o menor sinal de trilha. A copa das árvores verde, mas escura; seus ramos não eram lisos mas, embaraçados e nodosas; não tinham frutos, mas pontas aguçadas e venenosas. Os animais ferozes que nos campos de Cerina e Corneto buscam abrigo, naquelas brenhas estariam escondidos e protegidos.
Ali morava aquele horrendo bando de Harpias, que incutiram nos troianos a necessidade de abandonarem as ilhas Strófades, profetizando o mal que os aguardava; têm elas largas asas, colo e rosto humano, garras nos pés, enorme ventre plumoso e seus uivos insanos ressoavam por toda a floresta..
Disse-me o Mestre “Convém que fiques informado de que no segundo compartimento onde vais entrando, até que chegues ao horrendo areal, verás espetáculo disforme. Ficas atento! Então acreditarás na narrativa que fiz, quando ainda no mundo eu estava.”
Então eu ouvia gritos aflitivos que vinham de todos os lados, mas não via os que assim gemiam. Fiquei parado e ainda mais perturbado. Creio que meu Mestre estivesse pensando, que acreditava eu serem esses lamentos, enviados aos ares pelos padecentes que aos meus olhos se escondessem; pois me disse: “Se quebrares apenas um galhinho dessa árvore, ficarás ciente do erro que confunde teus pensamentos.”
Então estendi o braço à um galho da árvore e o quebrei. O tronco assim ferido tingindo-se de negro sangue disse gemendo: “Por que razão me arrancas? Por que me rasgas?" – e gemendo mais ainda continuou: “Nunca tiveste sentimento de piedade? Homem fui; hoje sou o lenho que estás vendo! Mais compassiva tua mão seria, se fosse a alma de um monstruoso dragão.”
Como lasca de lenha verde quando queimando está, numa extremidade se retorce, na outra estala chiando e a umidade para fora envia, assim brotava a voz e o sangue daquela árvore. A minha mão já soltara o ramo e, no entanto o horror no meu peito, continuava. Disse-lhe então meu Guia: “Alma ferida, se este que comigo está tivesse acreditado no que eu em meus versos lhe escrevi, para te ferir sua mão não teria sido erguida; eu mesmo, pouco acreditava nisso tanto que o induzi ao feito que agora me culpo e me arrependo. Dizei-lhe quem foste e tira-lhe as dúvidas. Tua fama será no mundo lembrada, compensando-te assim do mal que ele, contra ti, praticou.”
Respondeu-lhe então o tronco: “A compaixão que sentes, alivia tanto a minha dor, que de bom grado a ele explicarei, diminuindo-lhe assim a tristeza que seu sentimento demonstra”. E continuou: “Fui quem do coração de Frederico tive as chaves e com tanto jeito a usei fechando e abrindo, que seu peito, rico era em fé por mim. Nesse cargo fui constante e leal, nele perdendo a paz de espírito e a saúde. Porem a torpe meretriz (a inveja) que nos palácios reais sempre aparece, volvia olhares ardentes ao trono real. Contra mim acendeu-se o ódio de todos. Então voltou-se também contra mim a cólera de Augusto, que de ledas honras, transformou-se em horrível mágoa. Ressentindo-me então do mundo injusto, para fugir dos seus desprezos busquei a morte. (Pedro des Vignes, secretário de Frederico II que se suicidou por ter sido acusado de trair o seu rei). Eu que era justo, fui maldoso para comigo mesmo; juro pelo tronco em que padeço agora, que jamais infiel fui ao meu Rei, e que tive sempre como norma a justiça. Qualquer um de vós que à luz voltar, suplico que salve a memória do meu nome honrado, que ferido foi pelo duro golpe da inveja”.
O Poeta esperou um pouco para que ele continuasse; depois me disse: “Por que estás calado? Pede-lhe que conte mais coisas se ainda desejas ouvir, pois o tempo está passando.” Respondi: “O que desejo ouvir, perguntas tu mesmo, pois me sinto impedido pela enorme comoção que me invade a alma.” Disse-lhe o Mestre: “Para que teu desejo seja nobremente atendido por este que ainda vivo está, ó encarcerada alma, explica-lhe por que o espírito se une ao tronco e se é possível soltar-se um dia, quebrando-lhe o vínculo?”
Daquela árvore saiu forte sopro que se transformando em voz nos disse: “O quanto me é possível, breve resposta darei: quando um ser humano na confusão de seu furor destrói a sua própria vida, Minos, logo o envia ao sétimo círculo. Cai, como lhe permite o destino, em qualquer lugar dessa selva; daí, qual semente de centeio, germina, vai crescendo até se tornar enorme árvore que servirá de alimento as Harpias, causando-lhe imensa dor que se transforma em lamentos. No dia do Julgamento Final iremos como todos os outras, iremos procurar nossos corpos, os encontraremos, mas não poderemos nos revestir deles; serão então arrastados por nós e ficarão pendurados nos galos da árvore onde como vedes, nossa almas estarão eternamente padecendo”.
Permanecíamos ainda próximo à árvore pois tínhamos a intenção de algo mais ouvir, quando escutamos um rumor igual ao que o caçador ouve dos cães os latidos e das ramagens o estalar violento, e reconhece que o javali se aproxima. súbito vejo à minha esquerda, fugindo espavorido, rompendo o negro bosque, dois espíritos nus e dilacerados. Gritava o primeiro: “Vem ó morte! Acode aos desgraçados”! (Era Lano de Siena, que morreu em Pieve Del Toppo, na batalha entre sienenses e atenienses); o segundo que parecia andar lentamente, gritava também: “Ninguém ó Lano, nem nas batalhas de Toppo, te viu com tão ágeis passos!” Porém, já tendo perdido todas as forças, escondeu-se num moita que ali estava. Corria em sua procura um bando de cadelas negras, ferozes e famintas como se houvessem fugido de algum canil. Atirando-se sobre aquele espírito fugitivo, a furiosa matilha o fez em pedaços e logo após uivando, levou consigo. Então meu Guia, segurando-me a mão, conduziu-me à moita, onde um arbusto em vão chorava e pelos seus cortes jorrava negro sangue. “Ó Giácomo de Santo Andréa” – ouvia-se dizer tristemente – “ poderia eu ter te protegido? E a tortura ter sido aplicada a mim, como sendo responsável por teus crimes“. Quando já estava mais próximo, perguntou-lhe o Mestre: “Quem és tu que, por tantos golpes estás coberto de sangue e sofrendo tantas dores”?
Respondeu-lhe: “Ó alma que, compadecida falas! Te unes ao teu companheiro e juntos aliviai o meu sofrimento recolhendo os ramos quebrados e colocando junto às raízes. Nasci na cidade que trocou seu protetor pelo Batista; protetor esse que tanto amava a arte da guerra; hoje afastado entristece, pois do seu culto apenas um vestígio existe na Ponte do Arno e que sem ele, talvez a sua existência não seria lembrada, e os esforços teriam sido sem resultado quando a reergueram das cinzas provocadas por Átila. Foi ali e na minha própria casa que me enforquei”. (Giacomo de Santo Andréa, nascido em Florença, antes de tornar-se cidade protegida por São João Batista, e que foi destruída por Átila; tinha como protetor, Marte, do qual restava uma estátua sobre a Ponte Vecchio).

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