O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O INF. CANTO XIV

 O INFERNO -  CANTO XIV

"DO MESMO MODO QUE FUI QUANDO VIVO, ... CONTINUO SENDO"

 

No terceiro compartimento ao qual agora chegam os Poetas, é um campo de areia ardente devastado por grandes chamas de fogo. Aí estão os violentos contra a natureza e contra a arte, e conta Deus. Entre os primeiros está Capaneu, que desafia a Deus. Continuando a andar, Dante e Virgílio chegam a um regato de sangue. Deste e dos outros rios do Inferno, Virgílio narra a origem misteriosa. Texto do Tradutor.

Comovido por seu amor pela velha pátria reuni os ramos que estavam espalhados e coloquei junto às raízes daquele arbusto enfraquecido pelo tanto que falara.

Dali continuamos a andar até chegarmos ao início do terceiro compartimento, onde a justiça divina impõe horrível punição. Para descrever claramente o que vi digo, que chegamos a um lugar no qual não existia vida vegetal alguma. De um lado cercado pela terrível selva dolorosa; do outro, por um riacho de sangue. Ali, próximo à margem, eu pisava. Era aquele chão avermelhado tão quente, que me fez lembrar daquele que Catão pisou quando em sua fatigada jornada. (Os violentos contra Deus, contra a Natureza e contra a Arte divina  são torturados em um deserto. O areão é o oposto da arte apresenta na natureza criada por Deus. Estéril e sem vida, é atravessado por rios de sangue e vive sob uma permanente chuva de brasas) .Ó justiça divina! Quem não te reverenciará ao compreender o que meus olhos viram e a minha mente recorda!

Vi quantidade infinita  de almas nuas miseráveis, insignificantes, desesperadas pagando suas culpas em grupos diferentes. Uma parte dessa multidão mantinha-se deitada naquela areia fervente; outra parte permanecia acocorada. O último grupo  mais numeroso pulava e girava sem parar e maior dor demonstravam nos lamentos; a quantidade das que estavam sofrendo prostradas era menor.

Sobre todo o areal desciam lentamente chamas ardentes, qual neve caindo sobre as montanhas quando não há vento; assim viu Alexandre, nas regiões da Índia, chuva de fogo caindo sobre o exército no campo de batalha e ordenou aos seus soldados que pisassem as chamas no mesmo instante que elas no chão caíssem para que não desse tempo a se  transformarem em incêndio (Alusão a uma das aventuras de Alexandre Magno), assim caia do Céu, constantemente,  aquele fogo que, por menor que fosse a fagulha à areia se prendia, aumentando o sofrimento daqueles condenados. E cada uma sem parar se retorcia rebatendo com as mãos cada chama que em sua direção vinha tentando afastá-la de si.

Disse eu: “Mestre que todos ao obstáculos vai vencendo, com exceção da furiosa legião que em Dite estava impedindo nossa entrada, diz-me: quem é esse espírito altivo que parece não sentir as chamas, pois indiferente permanece?”

Percebendo o condenado ser ele  o objeto da minha pergunta, respondeu raivoso: “Do mesmo modo que fui quando vivo, depois de morto continuo sendo! Pode Júpiter cansar o seu dileto fabricante de armas de quem recebe o cortante e agudo raio para em mim saciar seu desprezível rancor!.. Podem seus ciclopes desmaiarem de cansados  (ciclopes: gigantes de um só olho e no meio da testa, que fabricavam armas para Júpiter), lá na negra oficina de Mongibello... (Mongibello = O vulcão Etna na Sicília) ou sair gritando: “Bom Vulcano, salve-me ou serei vencido”  como gritou na batalha de Flegas!.. Pode ele me fulminar cheio de ódio e de fúria, que mesmo assim, não sentirá o gozo da vingança”.

Virgílio então, com voz sonora e forte como eu jamais tinha ouvido respondeu-lhe: “Capaneu, (um dos sete reis que sitiaram Tebas) se a morte não fez diminuir em ti a soberba, sofrimento maior terás; não há castigo pior do que a ira que te aflige”. Depois tranquilo voltando-se a mim dizendo: “Foi um dos reis que sitiaram Tebas; se declara inimigo de Deus por isto, no inferno, os seus crimes se agravam;  já o havia avisado - quem a blasfêmia e o furor no peito traz, prêmios dignos dele recebe. – Agora, vem me seguindo com cuidado; não pises na areia incandescente; indo próximo à selva, o calor é menor”.

Íamos caminhando em silêncio, quando avistei saindo do bosque   um riacho tão vermelho e quente, que só ao lembrar fico trêmulo; vendo-o assim deslizando sobre a areia fez-me lembrar do Bulicame (fonte de água quente perto de Roma) frequentado por prostitutas. Tanto as margens como o leito eram de pedra. Pisando nelas levemente percebi que poderia servir de caminho.

“De tudo o que te fiz conhecer desde que atravessamos aquela porta cuja entrada a todos dá acesso, nada de impressionante que te foi mostrado, se compara à desse riacho que imediatamente apaga qualquer chama que em suas águas venha a cair.”

Assim falando, o Mestre despertou em mim o desejo de saber mais; roguei-lhe: “Mestre fale mais sobre a origem desse riacho”! Então ele continuou: “No meio do mar existe um país triste e solitário chamado Creta (ilha de Creta) que estando sob o reinado de Saturno conheceu a glória e a prosperidade. Há ali uma montanha que tem por nome Ida, hoje  esquecida, desprezada como  ruínas. Em tempos passados, quando ornada de verdes fontes  foi o lugar preferido     de Reia para esconder o próprio filho; e fazendo enorme algazarra   encobria o choro da criança. (Reia, mulher de Saturno e mãe de Júpiter). Em uma caverna nas entranhas desta montanha está a estátua de um velho. (O Velho de Creta, símbolo da humanidade e segundo outros, da monarquia que em princípio boa e reta, vai depois se degenerando). Tem ele as costas voltadas para Damieta (Damieta - no passado, um importante porto egípcio), o olhar dirigido para Roma (Roma – o mundo moderno, cristão). De ouro é a cabeça; de pura prata são os braços e o peito; o busto em formas bem definidas lembra Enéias; toda a parte inferior do corpo é feito de ferro (Ovídio utiliza a figura do ouro, prata, bronze e ferro para descrever as quatro fases na idade  do homem), com exceção do pé direito que feito de argila (argila – símbolo da Igreja enfraquecida pelas disputas políticas); e mesmo sendo de material tão frágil, todo o peso do corpo está sobre ele..  Exceto na parte onde é feita de ouro, em todo o mais escorre constantemente um fio de lágrima que perfurando a gruta, rápida atravessa os escuros vales, desce por esse estreito canal, transforma-se depois nos rios Estinge, Aqueronte e Flegetonte e vai até ao fundo do Inferno onde se forma a nascente do Cocito; o rio que mais tarde irás conhecer, não havendo portanto necessidade de eu agora explicar”.

            Disse-lhe eu: “Se desde o nosso mundo ele vem, ó Mestre, por que razão somente neste triste abismo o rio é visto?” E ele respondeu:

“Tendo este lugar a forma circular, e embora tenhamos percorrido extensa região, descendo à esquerda, não terás completado inteiramente o círculo. Não fiques portanto desde já    dominado pelo espanto, pois coisas novas verás como também estranhos acontecimentos”.  

            “Mestre”, insisti, “por onde passam os rios Flegeronte e o Letes? Sobre este nada comentaste; do outro, disseste ser afluente desse rio de lágrimas humanas”.

 Respondeu-me: “Muito me agrada o que dizes sobre esse riacho de águas rubras e ferventes; porém, sobre o Letes, lhe digo que o verás  fora do Inferno; em suas águas as almas vão banhar-se depois que a penitência lhes conceder o perdão”. E continuou. “É tempo de nos afastarmos  desta selva. Acompanhe sempre os meus passos. Podemos andar pela margem, pois ali toda a fúria das chamas se apaga.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário