O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O INF. - CANTO XV

O INFERNO - CANTO XV

"FILHO MEU! SÊ COMPLACENTE COMIGO!

 
Continuando, os Poetas encontram um grupo de violentos contra a natureza. Entre eles está Brunetto Latini, que reconhece o discípulo e lhe pede para aproximar-se dele, a fim de conversarem. Falam de Florença e das desventuras reservadas a Dante. Brunetto dá ao Poeta ligeiras notícias a respeito das almas que estão danadas como ele e foge para reunir-se à elas. Texto do Tradutor

Ainda no 7º círculo = 3º compartimento

Íamos por uma das margens emparedadas por pedras. O vapor que do riacho se elevava e as bordas altas nos resguardavam das chamas. Essas margens eram iguais aos diques que os flamengos (habitantes de Flandres, na Bélgica e França) erguiam entre Bruges e Cadsand temendo o avanço das forças marítimas, ou como aqueles que os paduanos erguem para impedir o avanço das águas do rio Brenta quando o gelo se desfaz em Quarentina. Assim eram as bordas desse horrendo rio, cuja altura e largura, nenhum construtor acharia ser necessário.

Já estávamos distante da selva – tão distante que voltando o olhar para traz não se podia vê-la - quando de repente encontramos  uma multidão de almas, que andando sob o  intenso calor das chamas ocupava toda a margem, nos olhando continuamente, com atitude igual à do caminhante quando encontra com outro caminhante no fim do dia. Para nos ver contraiam tanto as pálpebras como faz o alfaiate idoso ao  enfiar a linha na agulha.

Assim íamos nós sendo observados pela multidão, quando fui reconhecido por um deles que puxando minha roupa gritou: “Ó milagre!” No momento em que ele estendia seus braços a mim  fixei o olhar no seu rosto que, apesar de queimado pelo fogo eterno, não impedia a mim fossem suas feições bem lembradas. Diante dele inclinei-me, dizendo: “Mestre Brunetto, vós aqui?” (Brunetto Latino, autor do “Tesouro” e mestre predileto de Dante) E ele desconsertado respondeu: “Filho! Sê   complacente comigo! Consente que teu amigo Brunetto, deixando a companhia dos demais, vá caminhando ao teu lado”.

Respondi: “Se isso for possível ficarei sentado aqui vos escutando por quanto tempo desejardes e o guia dos meus passos assim consentir.” Então, explicou-me: “Por muito tempo não é possível; pois se qualquer um de nós que padecemos aqui por nossas culpas ficasse um só momento parado, por centenas de anos ficaríamos imobilizados,  sendo pelo fogo torturado. Caminha que te irei seguindo; depois irei juntar-me aos que pranteiam no eterno tormento.”

Descer da margem para ir caminhando ao seu lado, não tive coragem; mas, atencioso para ele inclinei fronte a fim de escutá-lo. Então continuou ele: “Que ventura ou que destino te conduziu para aqui antes da morte? Quem é este que te orienta nesta jornada”?

Respondi: “Mesmo não tendo completado o tempo da minha existência lá na Terra e levando vida tranquila, me encontrei perdido num tenebroso vale. Ele – Virgílio - me acudiu, quando eu estava tentando voltar e agora me conduz assim por esta estrada. Ontem, pela madrugada, comecei a me afastar do terrível vale”.

Continuou ele: “Quando ainda gozava eu da beleza da vida, te profetizei: ‘Tua estrela há de te conduzir a gloriosa altura’. Se não tivesse eu morrido antes de completar teus conhecimentos, vendo o Céu te ser tão benigno, teria eu te auxiliado mais nas tarefas. Mas, esse ingrato povo que descende da mesma geração de Fiésolli (pequena cidade perto de Florença), e tem o ferino coração jeito de pedra, por seres bondoso, se tornará teu inimigo. E com razão pois, entre os ásperos ramos do sobreiro (árvore natural da região mediterrânea muito cultivada para a extração de cortiça. Tem folhas ásperas, casca grossa e mole,) não se espera colher o doce figo. Existe um dito popular assim: “quem não fecha os olhos à soberba, à inveja, à avareza e deles não se afasta, pode se contaminar, pois eles são contagiosos”. A sorte te reserva tamanha gloria, que hás de ser cobiçado pelos partidos; mas mantenha-se longe deles; evita o contágio dos seus maus instintos; não toques na planta que na lama podre tenha sido germinada, mesmo que da semente brote ramos perfeitos, pois foi germinada cercada de podridão”.

Respondi: “Se o Céu meus rogos escutando vos concedesse por um momento a luz da vida, meus olhos o veriam com carinho pois minha mente ainda lembra com saudade vossa doce fisionomia e o paternal desvelo com que, hora a hora, me haveis ensinado como pode o homem  tornar imortal; e enquanto vivo for, reconhecido, irei proclamá-lo ao mundo inteiro. Quanto a vossa previsão sobre meu futuro (As previsões de Brunetto referem-se à acontecimentos após à tomada de Florença pelas facção dos Neri e o exílio de Dante. Fala que Dante será procurado pelos guibelinos e pelos guelfos de Florença que desejam aliar-se a ele), há de me ser explicadas pela sábia Dama (Beatriz), se à sua presença eu comparecer. E, como a consciência não me pesa, saberei que, quando a sorte me estiver contrária, atento estarei à todo o mal que ela planejar. O que me dissestes, não penseis que seja para mim novidade pois, alguém já me havia alertado (são as previsões de Ciacco  Farinata e no “Canto X). Mova-se a roleta como a sorte a lança. Dela não me preocupo como não me preocupo de que modo o lavrador cuida da terra”.

Então Virgílio que se aproximava, voltando para a direita virou-se para mim e disse: “Bem compreende quem boa lembrança tem”. Porém não me impediu que eu prosseguisse na conversa;

Enquanto caminhávamos pedi a Brunetto que me falasse sobre seus amigos mais famosos; e ele atendendo ao meu pedido disse: “De alguns falarei; de outros porém, convém saber que, sendo a maioria, louvável será deles não se fazer comentário; mesmo porque o tempo está passando e não podemos prolongar nosso discurso; quanto aos primeiros, muitos foram letrados e alguns até clérigos famosos, que se mancharam num mesmo pecado. No meio daqueles desditosos estão: Accorso (Francesco d’Accorso, jurisconsulto bolonhês) e Prisciano (gramático, de Constantinopla) e se quiseres, poderei mostrar-te outro inescrupuloso e repugnante. Ali está aquele que foi transferido do Arno para Bacchiglone, (Andréia de Mozzi, bispo de Florença e de pois de Vicência) como quis o servo dos servos (o Papa), tendo ele lá mesmo terminado seus dias. Não posso mais continuar conversando e nem ficar ao teu lado, pois já percebo vir surgindo no areal, uma outra multidão de almas e, não devo andar com bando diferente. Peço-te me concederes um grande favor: cuide do meu “Tesouro”, porque somente nele ainda sou lembrado”.

        Para voltar ao seu grupo saiu correndo tão rápido, como correm os participantes nas disputas festivas de Verona pela conquista do pálio verde; e assim correndo, parecia mais ser um vencedor do que um derrotado.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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