O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O INF - CANTO XXV

Vanni Fucci depois das negras predições desafia a Deus, pelo que o Centauro Caco, todo coberto de serpentes, lhe corre atrás. Dante reconhece entre os danados alguns florentinos que, em Florença, desempenharam funções públicas e descreve suas transformações de homem serpente e vice-versa.

Texto do Tradutor.


"Onde está o facínora?"

Assim profetizava o ladrão; depois, levantando ambas as mãos em forma de figa exclamou: “Recebe Deus, porque estou te ofertando!”. As serpentes, as quais sempre me horrorizavam, no meu conceito tornaram-se amigas porque, uma delas, rapidamente se enroscou no pescoço do condenado blasfemo, como a dizer: “Não quero que continues!”; outra, impedindo-lhe os movimentos, enrolou-se ao redor do peito, e em nó, prendeu-lhe os braços.

Ah! Pistóia! Ah! Pistóia! Deverias ter sido destruída pelo fogo, porque assim, tendo sido extinto esse nome impuro, seus descendentes ficariam isentos do mal. Não vi, em qualquer parte deste infernal abismo, nenhum outro espírito tão soberbo quanto este! Nem o ousado que, já morto, caiu do penhasco. (Capaneu.)
Sem mais nada dizer, fugiu o condenado. Foi então que apareceu correndo um furioso centauro, gritando: “Onde está o facínora?” Acredito que nem em Marema, tenha tão grande quantidade de serpentes, quanto havia sobre este animal-homem! Em todas as partes onde esse animal apresenta ter a forma humana, elas estavam: em volta do pescoço, sobre os ombros, enroladas nos braços, ao redor do tórax, e em torno da cintura. De azas estendidas, o atroz dragão cuspia imensas labaredas sobre aqueles que encontravam. Disse-me o Mestre: “Esse é Caco; ladrão assassino que sentia imenso prazer ao torturar suas vítimas e tê-las sob seu poder; tanto estrago fez que, a região ficou em lagos de sangue. (Região do Aventino). Não viveu em companhia dos irmãos pois aos dez anos, perdeu a vida. Sobre ele, Hércules desfechou sua clava em centenas de golpes, por haver roubado, disfarçadamente, seu rebanho de ovelhas que pastava. (Mitologia: ladrão que, para roubar o rebanho de Hércules, segurava as ovelhas pela cauda, se escondendo atrás delas.) Assim, teve fim juntamente com seus crimes”.
Enquanto o Mestre falava, foi-se o centauro, porém, não havíamos prestado atenção em três espíritos que próximos já estavam e, só os vimos quando gritaram: “Quem sois vós?”. Meu Guia então interrompe a conversa, e os escuta. Não reconheci nenhum deles, mas, como às vezes acontece um interromper o outro sem reparar que esse outro está a falar com alguém, um diz: “Onde está Cainfa?” (Cainfa dei Donati, famoso ladrão florentino que veremos se transformar em serpente.) Ouvindo essa voz, rápido coloquei o dedo sobre os lábios fazendo sinal a Virgílio, para que ele ficasse atento.
Se não acreditares no que vou contar, caro Leitor, não ficarei surpreso, pois o que presenciei quase eu mesmo não acredito.Quando eu estava prestando atenção naqueles espíritos, vi uma serpente com seis pernas se atirar contra um deles e, com as pernas enroscar-lhe todo o corpo. Com as de cima, lhe amarrou os braços; com as do meio, abraçou-lhe o ventre; e com as de baixo, prendeu-lhe as pernas enquanto furiosa lhe mordia as faces e com a cauda freia-lhe os rins. Jamais árvore trepadeira entrelaçaria seus ramos uns aos outros como aquela fera se uniu ao condenado! Depois, como se de cera quente feitos fossem fundiram-se, misturando suas formas e cores; e, como o papel quando está sendo queimado, mesmo sendo colorido, toma outra cor, nem um nem outra apareciam como antes eram. E os dois que, admirados a tudo assistiam, gritavam: “Ah! Agnel, como estás mudado; não és um, nem podes te transformar em dois!
Foi então que as duas cabeças numa só se transformaram, porém, conservando os dois semblantes que haviam se misturados. Os braços que eram quatro voltaram a ser dois; as coxas se misturaram com as pernas; o ventre e peito colocados ao redor das pernas transformaram dois seres em um ser jamais imaginado; e assim o monstro se foi, a passos lentos.
Depois vi surgir uma serpente menor, escura como um grão de pimenta, lívida, irada, farejando, qual cão de caça a procura de lagarto que rápido cruza a estrada. Encontrando os dois condenados, velozmente sobre um deles se atira, picando-lhe o seio e aos seus pés tombou, em violenta queda. O ferido olhou-a em silêncio, imóvel, bocejando, como que tomado por pesado sono; a serpente o encarou; e os dois a fumegar- ele, pela ferida, ela, pela boca – nessas fumaças se envolverm.
Cale-se Luciano, ao descreve o que ocorreu com Sebelo e Nascídio. (Personagens de “Fersália”, de Luciano, que, após serem mordidos por serpentes, Sebelo estoura de inchado, e Nascídio se transforma em cinzas.) Cale-se e escute, porque sobre acontecimentos mais extraordinários, descreverei agora. Cale-se Ovídio; não o invejo pela narração da história de Cádimo e Aretusa;(personagens do poema “Metamorfoses”, de Ovídio, onde Cádimo se transforma em serpente, e Aretusa em fonte.) aqui, pior aconteceu! De tal modo se uniram os dois seres, que mudaram a sua própria natureza; a cauda da serpente abrindo-se ao meio formou as pernas do homem e as pernas do homem unindo-se, formaram a cauda da serpente; as coxas se uniram de forma tão perfeita, que essa união não deixou vestígios; a cauda que fora dividida voltou novamente a sua forma anterior, porém sua pele tornou-se macia, enquanto a do homem fez-se dura. Vi braços nas axilas entrar, e pernas no ventre penetrar; e enquanto na serpente apareceram seus curtos pés, no homem encolheram seus longos braços. Retorcendo os pés, o horrível monstro deixou a mostra o órgão masculino, enquanto no homem esse órgão, partindo-se em dois, transformou-se em pés.
Enquanto os dois iam sendo cobertos pela fumaça, e as peles tomando nova cor, os cabelos do homem foram transferidos para a serpente. Depois, ergueu-se a serpente, e arrastou-se o homem, tendo sempre um no outro os ímpios olhos cravados acompanhando toda a funesta transformação. Ao que estava de pé, subiu-lhe à fronte a matéria que sobrou do rosto do companheiro: na face, onde não havia uma só orelha, apareceu-lhe duas; o nariz ajustou-se ao orifício nasal da serpente; os lábios se colocaram ao redor da boca que era estreita. No outro que em terra se arrastava qual caracol, as orelhas se transformaram em antenas; a língua emperrada no falar de um, uniu-se à enforquilhada do outro. Daí então, a fumaça desapareceu.
Essa alma que em réptil foi transformada, pelo vale arrastou-se sibilando, enquanto a outra falando, escarrou-lhe em cima, indo-se embora irada. Depois, voltando-se para a terceira alma que a tudo assistia, disse: “Que esse caracol ande agora, como eu andava: rastejando”
Essas terríveis transformações, com espanto eu vi acontecerem no sétimo compartimento. Desculpe-me, caro Leitor, o modo rude e mal escrito deste canto, onde tanta coisa estranha estou a descrever. Apesar de estar eu dominado pelo assombro, meus olhos não ficaram tão perturbados a ponto de não reconhecerem quem era o condenado: Puccio Sciancato, o único que não sofreu transformação.(Punccio, o Desancado; ladrão florentino.) O outro era Gavile, que, morte sofrida, teve. (Gavile, ladrão que foi linchado, pelos parentes da vítima.)

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