O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

     
    

 

O PURGATÓRIO – CANTO XXIX

"ESCUTA IRMÃO, E PROCURA VER!"

        Da floresta aparece um súbito clarão. Dante vê avançar uma procissão de espíritos bem-aventurados em cândidas vestes, e no fim da procissão um carro puxado por um grifo. Ouve-se um trovão; o carro e o grifo param. Texto do Tradutor.  

  12º local =  Paraíso Terrestre

        Depois de ter falado de tudo sobre aquele maravilhoso lugar qual dama enamorada encerrou o assunto cantando: “Beati quorum tecta sunt peccata!” Bíblia: Salmo 31,1 Bem-aventurados aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados são apagados). E semelhante a uma ninfa que se afastando do bando pela relva vai sozinha ora buscando o sol ora evitando-o, seguiu lentamente pela margem do riacho; resolvi acompanhá-la regulando meus passos pelos seus. Tínhamos andado apenas uns cinquenta pas(sos quando aquela água cristalina curvou-se no seu leito e sem saber como, me encontrei no lado oposto em direção a nascente. Pouco havíamos avançado naquela direção quando voltando-se a mim, ela disse: “Escuta irmão e procura ver”  Foi então que intensa luz refulgiu por todo o imenso espaço da floresta. No momento julguei tratar-se de um relâmpago; porém após o relâmpago a luz não permanece e aquele fulgor mais e mais aumentava. E eu me perguntava: “Que maravilha é esta?” Pelo espaço iluminado se espalhava dulcíssimo som musical e eu observando a prontidão com que céus e terra obedeciam a Deus, consumido em zelo repreendia a atitude de Eva, pois sendo ela a origem da vida humana havia violado esse preceito divino rompendo os véus da humildade. Se houvesse permanecido fiel as ordens divinas respeitando-as, mais cedo e por mais tempo teria eu gozado daquela divina morada e suas indescritíveis delícias.

Estava assim enlevado tendo a alma transportada e abrasada nos mais vivos desejos da eterna felicidade, quando vimos que sobre as ramas o ar tornava-se intensamente brilhante, e o som musical transformava-se em suave melodia. Ó Musas inspiradoras da poesia! Se por vós padeci fome, frio e sono, agora rogo-vos proteção! Que Hipocrene ( lar das nove musas de onde vem toda a inspiração poética) lance suas inspiradoras águas sobre mim e que Urânia (musa da Astronomia que Dante invoca pois o que segue exige conhecimento das coisas do céu.) com seu coral me inspire para que eu possa  cantar em versos, tudo quanto aqui vejo.

        Tive a impressão de ter visto um pouco mais além sete árvores, que pela distância pareciam ser de ouro. Mas quando me aproximei, quando a evidência provou-me quanto a semelhança engana dando das coisas falsa ideia, vi distintamente tratar-se de candelabros de ouro e os versos do canto eram aclamações, louvores. (São João Bíblia: Apocalipse 4,5...vê sete candelabros  de ouro, símbolos dos sete sacramentos e dos sete dons do Espírito Santo= Apocalipse- “1,12 Voltei-me para ver a voz que falava comigo e voltando-me vi sete candelabros de ouro...”+ “Apocalipse 1,20 Eis o mistério das sete estrelas que vistes na minha mão direita e dos sete candelabros de ouro: as sete estrelas são sete anjos das sete igrejas; os sete candelabros são as sete Igrejas.” Representam as sete igrejas da Asia)

          Cada um, resplandecia mais do que brilha no céu a luz da Lua no meio da noite no seu maior crescente. Com o espírito repleto de admiração me voltei para Virgílio; ele me encarou; o seu semblante também revelava espanto. Voltei a olhar novamente para o candelabro que continuava seguindo solene e lentamente. Uma noiva dirigindo-se ao altar teria caminhado com mais presteza. Então a dama me disse: “Por que presta atenção somente nas luzes a ponto de não perceberes o que vem depois delas?”

        Começo então a ver que acompanhavam os candelabros pessoas vestidas de branco. Alvura igual àquelas vestes, na Terra nunca vi. À esquerda as águas do riacho resplandeciam de luzes; do lado onde eu estava minha imagem se refletia na água como em espelho. Estando tão próximo das luzes separado apenas pelo riacho, maravilhado parei para ver melhor. Então vi que ao passar esse clarão deixava após si faixas de luzes coloridas que se agitavam como bandeiras desfraldadas desenhando no ar sete listras de cores bem definidas, iguais às que tingem o cinto de Delia ou figuram no arco do Sol. Cada candelabro ia um após o outro de modo a perder de vista, havendo entre cada um deles, se não me engano nos cálculos, a distância de dez passos. Embaixo de tão belo dossel seguiam, emparelhados, vinte e quatro anciãos, cujas frontes eram coroadas por brancos lírios. (Ver: Apocalipse;4,4-5 Em volta do trono, vinte e quatro tronos; e sobre estres tronos estavam sentados vinte e quatro anciãos, vestidos de roupa branca tendo em suas cabeças coroas de ouro. Do trono saíam relâmpagos, vozes e trovões;” = símbolo dos vinte e quatro livros do Velho Testamento). Cantavam juntos e bem compassados: “Bendita sejas tu entre as filhas de Adão! Benditas sejam tuas sublimes virtudes!” (a saudação que o anjo Gabriel faz a Maria [Lucas 1:28]

Chegando bem em frente à margem guarnecida de flores e fresca relva, a santa grei desapareceu; e como ocorre no céu quando a luz de um relâmpago é logo seguida por outro, assim sugiram quatro animais (Símbolo dos quatro Evangelhos) com as cabeças entrelaçadas com verdes flores. Cada qual tinha seis asas, cujas plumas eram adornadas de tantos olhos quantos possuía Argos (monstro mitológico, que possuía cem olhos e cobrem as penas das cauda do pavão) e com todos eles enxergava, ao mesmo tempo. Para descrevê-los, caro leitor, não me faltam rimas e sim tempo, por isso nesse assunto não posso me alongar. Contenta teu desejo lendo o texto de Ezequiel, que os viu descendo do norte como vento, como nuvem, como bola de fogo. (Bíblia=Ezequiel:1,4 Vi, e eis que vinha do lado do Aquilão um torvelinho de vento, uma grande nuvem, um globo de fogo e à roda um resplendo. No meio dele, isto é, no meio do fogo, uma espécie de metal brilhante.)  Do mesmo modo como ele os descreveu os viu sendo que a diferença estava nas asas; agora, deixando o que descreveu Ezequiel, sigo João. (Apocalipse 4, 6-8 Em frente do trono havia um como mar de vidro semelhante ao cristal; e no meio do trono, e em volta do trono, quatro animais cheios de olhos por diante e por detrás. O primeiro animal era semelhante a um leão; o segundo semelhante a um novilho; o terceiro tinha o rosto como de homem, e o quarto era semelhante a uma águia voando. Os quatro animais tinha cada um seis asas; em volta e por dentro estavam cheios de olhos, e não cessavam dia e noite de dizer: Santo, Santo, Santo, o Senhor Deus onipotente, que era, que é, e que há de vir.)              

Entre os quatro animais, rodava resplandecente sobre duas rodas, um triunfante carro puxado por um altaneiro grifo; (o carro: a Igreja Católica; as duas rodas simbolizam o Velho e o Novo Testamentos; e o grifo, animal mitológico metade leão metade águia, simboliza Jesus Cristo com as duas naturezas: Humana e Divina.) Com as asas estendidas cujo ponto a vista não alcançava, mostrava o grifo todo o seu vigor; os pés iguais ao das aves eram de ouro. O corpo de leão cujo branco e o rosa se misturavam. Mantinha-se  sob a faixa de luz colorida do meio; e as outras, sendo três de cada lado, a nenhuma delas tocando ou prejudicando seguia  majestoso. Roma nunca viu maravilha igual nem mesmo por ocasião do triunfo do Africano ou de Augusto. Diante de tal esplendor, o próprio carro solar quando estava sendo guiado e foi incendiado por Júpiter fazendo  justiça ao atender as súplicas dos horrorizados humanos, parecia uma simples lanterna (Fetonte tentou guiar o carro do Sol, porém pelas súplicas dos humanos foi fulminado por Júpiter).

A direita, dançando e acompanhando o carro, apareceram diante dos meus olhos três damas (as três virtudes teologais: Fé, Esperança e Caridade).  Uma delas era tão vermelha como se fosse envolvida em chamas (a Caridade ou o Amor); a segunda resplandecia tão verde como se fosse feita de bela esmeralda (a Esperança); a terceira era tão alva que diante dela a neve pareceria escura (a Fé). Ora a branca ora a rubra se alternava no dirigir a dança; o cantar de uma mantinha o ritmo da outra. À esquerda, outras quatro vestidas de vermelho, (as quatro virtudes cardeais: Justiça, Fortaleza, Temperança e Prudência) participavam também da festa; uma delas comandava as outras e possuía na testa três olhos. (A prudência tem três olhos. - Como diz Sêneca, vigia o presente, prevê o futuro e lembra do passado.) Em seguida vinham dois anciãos (São Lucas e São Paulo) se vestiam de modo diferentes, mas nos gestos e no aspecto respeitoso eram iguais. Um deles na verdade parecia ter sido aluno da escola criada por Hipócrates em proveito da humanidade. (São Lucas foi médico). O outro mostrava-se cuidadoso trazendo consigo tão pontiaguda e reluzente espada que, apesar da distância fiquei assustado (São Paulo foi soldado romano). Em seguida minha vista se deparou com mais quatro de aspecto bem humilde (São Pedro, São João, São Tiago e São Judas); e bem afastado dos demais tendo os olhos serrados porém as faces iluminadas seguia um Velho. (São João que ao escrever o Apocalipse estava perto dos noventa anos. É preciso notar que os escritores sacros são apresentados em vários aspectos conforme os seus livros: por isso São João é apresentado em dois aspectos.) Esses sete vestiam-se iguais aos quatro primeiros e tinham também as frontes coroadas, mas não com brancos lírios e sim com flores vermelhas; ao vê-los à distância parecia que a testa de cada um estava flamejando.

Quando o carro se colocou à minha frente ouviu-se o estampido de um trovão; então, o carro obedecendo prontamente ao sinal parou, e juntamente com ele toda santa comitiva.

 

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