O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 3 de janeiro de 2010

O INF. CANTO XXIII

INFERNO – CANTO XXIII

"ESTE QUE GEME EM DURO LEITO..."

Prosseguem os dois Poetas o seu caminho descartando-se dos dois diabos. Vendo-os porém voltar novamente, Virgílio abraça-se com Dante e, deixa-se resvalar pelo declive do precipício. Encontram os hipócritas vestidos de pesadas capas de chumbo dourado. Falam com dois frades: Catalano e Loderigo, bolonheses. Um dos frades, inquirido por Virgílio, indica-lhe o modo de subir ao sétimo compartimento. Texto do Tradutor .

        Deixando a maldita companhia seguimos em silêncio, um atrás do outro igual aos frades menores quando andam pelas estradas. Lembrando da rixa entre os demônios voltou-me a memória a fábula de Esopo em que a rã prepara ao rato tremenda armadilha. Comparando-se os dois casos, seus começos e fins são iguais. E como os pensamentos se associam,  após aquele outro veio trazendo ao meu espírito duplo temor. Pensei: “Esses demônios que por nossa causa passaram  tamanha vergonha, certamente estão enfurecidos conosco. Se a maldade agravar ainda mais o rancor, atrás de nós virão ferozes, como cão que abocanhando a lebre, a enfia garganta abaixo”.

        Totalmente dominado pelo medo e a todo momento olhando para trás implorei ao meu guia : “Mestre estou sentindo muito medo das atrozes garras daqueles demônios! Encontras rapidamente um amparo  para nós, pois estou escutando seus passos vindo em nossa direção!”. Ele respondeu: “Se espelho eu fosse, caro amigo, tua imagem não refletiria tão claramente, quanto vejo o está se passando em tua alma. Pensamento igual ao teu me surgiu à mente como se fosse um único. Se não me engano, a encosta se inclina para a direita; se descermos até a próxima vala estaremos livres da perseguição”.

        Tinha Virgílio terminado de falar, quando avistei não muito longe, de azas estendidas, a feroz turba vindo em nossa direção. Rapidamente meu Guia em seus braços me tomou, qual mãe que despertando e se vendo cercada por furiosas chamas desesperada corre em direção ao filho aperta-o contra o seio e foge levando consigo apenas a camisa que lhe cobre a nudez, assim meu Mestre: do cimo da pedregosa ribeira, comigo nos braços escorregou pelo duro penhasco indo parar na encosta de outro fosso. Não corre mais rápida a água pelo canal que faz mover o engenho quando próxima aos cubos está, do que a velocidade com que Virgílio desceu me aconchegando em seus braços, não como a um companheiro, mas como a um filho. Mal tínhamos chegado, já lá em cima apareciam os demônios. Porém, falhando o seu intento ainda mais furiosos se ficaram, pois a Providência que os tornou sentinelas obrigatórias da quinta vala, proíbe-os que dela se afastem.   

De onde estávamos vimos no fundo da vala (sexta vala, ainda no 8º circulo), gente de cor brilhante que a passos lentos andava; chorava e suas forças pareciam extintas. Cada um aqueles condenados trajava capa dourada com capuz que os olhos ocultava, do mesmo modo que é usado pelos monges de Colônia e o peso dessas vestes  douradas se comparadas com as de Frederico, as dele pareciam feitas de palha. (Os hipócritas aparecem vestidos de uma roupa brilhante, visualmente atraente, porém pesada como chumbo sendo esse o peso que não sentiram na consciência ao prometerem uma coisa e fazerem outra)  (Comparando com as capas que o Rei Frederico II mandava vestir seus inimigos – capas de chumbo muito pesadas, com as quais eram atirados ao fogo). Que pesado manto para ser usado por toda a eternidade!

Caminhávamos ao lado daquelas almas, atentos ao lamentoso pranto; e elas exaustas sob o terrível peso tão lentamente andavam, que a cada instante encontrávamos ao lado de novo grupo. Então solicitei  ao meu guia: “Por favor! Procuras deter-te um pouco para que, entre tantos condenados  possa eu identificar algum que no mundo foi notável no nome ou por seus feitos!” Foi então que um dos que atrás estava tendo  escutado alguém falar linguagem toscana, gritou: “Talvez tenha eu algo a dizer, que vos interessa! Mas, necessário se faz diminuir o passo, pois estais a correr, tentando atravessar rápido este horrendo lugar”. O Mestre então voltando-se a mim disse: “Procures igualar teu passo ao dele; não tenhas pressa”. Parando, vi dois vultos querendo se aproximar; com muita dificuldade tentavam acelerar os passos porém, o peso do manto e a qualidade do caminho quase intransitável, não permitiam fazê-los.

        Já próximos, aqueles dois em silêncio, com seus vesgos olhos  miraram por bastante tempo o meu rosto; depois pude ouvir falar entre eles: “O que respira foi colocado aqui ainda em vida? Se ambos são mortos, por qual motivo não estão usando a capa?” E voltando-se a mim, disseram: “Toscano que ainda em vida viestes conhecer o triste bando dos hipócritas, não recuseis a dizer-nos quem sois!”. Respondi: “Nasci e cresci na grande cidade onde está presente com suas belas margens o ameno Arno, e ainda conservo vivo o meu corpo. Quem eis e por que demonstras tanta aflição no semblante, e no pranto tanto amargor?”

        Um deles me respondeu: “Tanto peso se esconde sob o dourado destas capas, que a cada passo dado oscilamos quais pratos de balança quando estão sob pressão. Somos de Bolonha e convivíamos entre os chamados ‘frades gaudentes’ (assim chamados, por ostentarem vida luxuosa e de muito brilho). Meu nome é Catalano, e este é Loderigo. Ambos recebemos o comando de Florença para que a paz fosse promovida. Em vez disso, o que nos tornamos, as ruínas de Gardingo dá testemunho”. (Catalano di Malavolti e Loderigo di Liandolo ambos frades gaudentes de Bolonha e fundadores daquela ordem em Florença. Foram designados para manter a paz e administrar a justiça de forma imparcial. Porém, aproveitando do poder que a sociedade lhes depositava desviaram-se das funções de pacificadores tornando-se partidários políticos mais em benefício próprio do que social ficando famosos por suas atitudes hipócritas).

Ia eu lhes dizendo: “Ó irmão, o mal que cometestes...” mas, não pude continuar, pois parei ao ver um condenado estendido no chão, crucificado com três cravos. Vendo-me contorceu-se angustiado arcando o peito em dolorosos suspiros; então o frade Catalano aproximou-se de mim dizendo: “Este que geme em duro leito foi aquele que, dizendo ser para o bem do povo, aconselhou os fariseus a que dessem morte a um homem. Repara! Está nu e atravessado sobre o caminho de quem passa. Ele agora conhece o peso do cargo que ocupou, pois todos devem pisá-lo fortemente. (Caifás, o sumo sacerdote de Israel que aconselhou a morte de Jesus.) De igual suplício padece também seu sogro (Anás, sogro de Caifás) e cada um dos que participaram dessa determinação (os membros do Conselho ou Sinédrio, - supremo tribunal da nação) servindo de exemplo à geração de Judeus”. 

Maravilhado se mostrou Virgílio, por conhecer o condenado colocado na cruz, em tamanha degradação, lá no eterno exílio. Depois, voltando-se a Catalano, falou: “Dize-nos, caso seja permitido e assim quiseres, se, de onde estamos há caminho onde possamos passar para sair deste temido recinto sem que os perversos demônios servindo-nos de guias nos obrigue a andar por caminhos perigosos”.

 Respondeu-nos: “Mais perto do que imaginas, há um rochedo que, se estendendo para longe, dá passagem para os vales onde todos padecem, menos para esse onde estamos. Mas, podes subir por uma fenda da ruína que segue em direção ao alto”. Ouvindo-o, meu Guia inclinando um pouco a fronte disse: “Se tivéssemos pedido informações aos que se divertem torturando pecadores, certamente não seriam elas verdadeiras”. Respondeu então o frade: “Em Bolonha já se dizia que, dentre os títulos que o demônio ostenta com mais orgulho é, o de ser - O Pai da Mentira”.

A passos largos afastou-se o Mestre demonstrando ira no rosto preocupado. E eu deixando os condenados que em suas horrendas capas se atormentavam, apressado segui meu guia.

 

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