O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O INF.- CANTO XXVIII

"...LEVANDO A PRÓPRIA CABEÇA..."

No nono compartimento os Poetas encontram os semeadores de cismas e religiosos e os que semearam o ódio e a discórdia. Dante fala também com outros que ali estão condenados.

Texto do tradutor
Quem, em verso ou prosa poderia narrar o sangue e as horrendas chagas que vi naquele fosso? Nenhum idioma seria suficiente. Fraca seriam as palavras e incompetente a mente para descrever ou compreender tanto horror.
Se pudéssemos reunir toda a infeliz gente que na terra da Apúlia derramou seu sangue na terrível batalha contra os romanos, e em outra guerra onde tantos anéis se perderam, (batalha contra os romanos, comandada por Aníbal; das vítimas foram saqueados muitos anéis) conforme descreveu Lívio sem exagero algum; e mais a gente que fora por golpes abatidas quando a Roberto Guiscardo resistia; (batalha contra os sarracenos, quando Roberto Guiscardo comquistou o reino de Nápolis) e aquela cujos ossos Ceprano ainda preserva; (Ceperano, onde Manfredi foi derrotado por Carlos d´Anjou) campo de batalha esse onde cada apuliês traia seu partido e que ainda se pode ver em Taghiacozzo (lugar no qual morreu Corradino) onde o velho Alardo, sem combater, vencia; e se todas essas chagas e mais ainda o aspecto lastimoso das vítimas dessas batalhas ficassem unidas e expostas num único lugar, jamais seria comparado ao que vi no nono fosso onde padecia o bando de condenados. Qual barril estourado que deixa perder todo o seu conteúdo, assim estava lá no fundo do fosso um pecador, dilacerado. Apenas as faces estavam em perfeito estado. O corpo todo estava aberto: os intestinos pendiam para fora; trazia expostos os pulmões; o estômago rasgado deixava à mostra a variedade de alimentos ingeridos. Só ao vê-lo estava eu cheio de horror! Quando me viu gritou, abrindo ainda mais o rasgado peito: “Veja como tenho o peito dilacerado! Sou Maomé, quase desfeito em pedaços! (fundador do islamismo.) Antes de mim, aqui chegou Ali que tem o rosto rasgado do queixo à testa. (Ali; parente de Maomé) E todos os que aqui estão receberam o mesmo castigo e padecem cruelmente. Quando em vida, fomos causadores de escândalos pelos cismas criados; por isso, temos agora todo o corpo cortado. Um demônio nos persegue e nos corta sem descanso, com o fio de sua cruel espada. Ninguém escapa ao seu furor, até que se tenha completado o círculo, quando então as feridas se fecham para depois começar tudo novamente. Mas, quem és que, no penhasco se detendo estás a sentir compaixão pelo modo como Minos executa sua função? Estais ai a pagar por seus crimes cometidos?”. Então o Mestre, respondeu por mim: “Ele não é morto, nem o condena sentença alguma; não vem aqui por castigo, mas para obter pleno conhecimento de como aqui se sofre. Eu que sou morto estou a conduzi-lo ao mais profundo dos temidos círculos. E isto é tão verdadeiro como estou a falar contigo agora”. Ouvindo-o assim falar, mais de cem daqueles condenados detiveram-se espantados esquecendo seus próprios tormentos.
Então, a sofrida alma continuou: “Já que ainda não findaram teus dias e ao Sol hás de retornar em breve, diz a Frei Dolcino (Frei Dolcino; cismático, fundador da seita dos Irmãos Apostólicos, cujas leis exigiam que os bens e as mulheres fossem de uso comum. Sendo perseguido fugiu, mas, não suportando a fome, se entregou e foi morto em Navarra.) – se ainda não foi tomado pelo desejo de vir aqui, para me fazer companhia, - que fique atento e se abasteça de alimentos; pois, ao ser cercado pela neve, triunfo dará à gente de Navarra, a quem vencê-lo, há de ser fácil”. Antes de dizer essas palavras, já havia Maomé erguido um pé para dar mais um passo; e apenas terminou de falar, abaixou o pé e, continuou andando.
E outro que tinha um corte na garganta, o nariz decepado até a altura das sobrancelhas e uma só orelha, e que estava entre os outros contemplando-me pasmado, antecipou-se aos demais e escancarando a boca por onde jorrava sangue, falou: “Tu, que aqui estás sem padecer e a quem, quando vivo, já vi em nossa região latina, se não me falha a memória, recorda-te de Píer de Medina (por dinheiro, estimulou a discórdia entre os senhores da Romanha), quando voltares àquela planície calma que se estende entre Vercello e Marcobó. E aos dois nobres senhores de Fano, Misser Angiolello e Misser Guido que, - se não me engano ao prever o futuro - do navio onde forem conduzidos serão atirados ao mar por ordem de um cruel tirano, junto à Católica. Nem por piratas, nem pelos marinheiros do Argos jamais viu Netuno crime que se iguale àquele que será praticado entre Chipre e Maiorca. O traidor que possui apenas um olho e foi opressor de um companheiro meu de quem lhe tirou as terras por não encontrar coisa de maior valor, irá chamar aqueles dois para um acordo de paz e eles irão com prazer atendendo ao seu convite, mas contra o vento de Fossara, não encontrarão nem socorro, nem abrigo” . (Pier de Medina prediz a morte violenta de Misser Guido Del Cassero e Misser Angiolello de Carignano, que foram convidados a falar com Malatestino, sob promessa de paz.)
Respondi: “Em troca do favor que me pediste, mostra-me esse de quem estás falando e que está agora aqui penando”. Vi então um dos condenados levando as mãos à boca e, escancarando-a dizer: “É este, mas não consegue falar; está sem a língua. Tendo sido exilado foi quem, dissipando as hesitações de César, afirmava que ele poderia perder a oportunidade se não agisse rapidamente”. (Caio Cúrio; cujos conselhos dados a Cezar causou a morte de milhares de pessoas). Oh! Quão apavorado o infame Caio se mostrava; tinha na garganta a língua cortada; essa língua que, com tanta ousadia aconselhava!
Outro que tinha os braços decepados na altura dos pulsos levantou os horrendos cotos ao ar banhando-lhe o rosto de tanto sangue que me causava espanto, gritou: “Lembra-te Mosca, foi eu quem disse: “teu fim está confirmado!”; dito e feito”. (Mosca dei Lamberti que em Florença, induziu a luta entre os gelfos e gibelinos.) Voltei-me então em sua direção dizendo: “Maior dano causaste a Florença e a sua gente”. Assim, sobre a dor, maior dor acrescentando, desesperado, se foi.
E aquela multidão de condenados revelava coisas que ainda agora hesito em narrá-las, porque, provas eu não tenho; apenas a voz da consciência companheira fiel que ao homem o torna forte estando ele protegido pelo escudo da verdade. Depois eu vi acompanhando aquela infeliz multidão, um corpo sem cabeça. Caminhava levando a própria cabeça suspensa pelos cabelos, como sendo uma lanterna que a si próprio servisse de iluminação; e aquela cabeça, gemendo, mantinha os olhos fixos em nós. Se era dois seres em um ou um em dois, somente quem a carregava é que poderia dizer.
Chegando o miserável ao pé da ponte, uma de suas mãos levantou ao alto a cabeça para que pudéssemos ouvir melhor suas cruéis palavras; assim falou: “Tu, que ainda com vida aos mortos visita; neste terrível lugar viste outro castigo igual ao que me foi destinado? sou Bertran de Born a quem ao jovem Rei deu maus conselhos. Tornei inimigos pai e filho. A ira de Absalão contra seu pai Davi provocada por Aquitofel não foi pior que a perfidamente provocada por mim. Por esse motivo, agora carrego meu cérebro separado do meu corpo. Estou aqui agora sendo punido pela lei de Talião. Voltando pois ao mundo dos vivos, faça minha história se tornar conhecida”. (Bretan de Born; poeta e guerreiro francês; infiltrou a discórdia entre o rei Henrique II da Inglaterra e seu filho.)

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