O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 15 de junho de 2024

 

 

O PARAÍSO - CANTO IV

“Ó DO PRIMEIRO AMOR  SUBLIME AMADA!”

Duas dúvidas agitam o espírito do poeta. A primeira é relativa à doutrina platônica segundo a qual todas as almas retornam para as estrelas donde saíram; a outra, se a violência tolhe a liberdade, como pode ser justo que as almas forçadas a romper os votos tenham desconto de glória. Beatriz responde a primeira dúvida restringindo o sentido da doutrina platônica. Relativamente à segunda diz que aquelas almas não consentiram no mal, mas não o repararam voltando ao claustro quando tiveram possibilidade de fazê-lo. Texto do Tradutor.

Ainda no primeiro Céu - Lua

        Igual a uma pessoa que diante de dois saborosos pratos não sabendo por qual começar a comer morreria de fome, ou a um cordeiro que entre dois lobos vorazes temendo ser atacado não se moveria do lugar, ou ainda em comparação com um cão caçador que ente duas raposas a nenhuma atacaria, assim estava eu. Conservava-me calado passando de um pensamento a outro sem querer revelá-los; porém, o desejo de perguntar no meu semblante se percebia. O constrangido silêncio denunciava melhor o meu querer do que se o tivesse revelado com palavras. Tal como fez Daniel para moderar as manifestações de ira que à prática do mal se encaminhava Nabucodonosor, assim fez Beatriz a mim, dizendo: (Beatriz interpretou o pensamento de Dante, do mesmo modo como Daniel interpretou o sonho de Nabucodonosor quando este queria mandar matar os seus sábios, por não terem eles conseguido interpretar seus sonhos).

        “Desejando melhor compreender cada uma das questões, tua alma se sente cada vez mais confusa e estando em tais laços envolvida o raciocínio se torna mais difícil. Estais a raciocinar assim: Se a vontade perseverava e somente a violência fez dela se afastar, por acaso podem os méritos dessas almas terem diminuído no bem por causa dessa violência?! A outra: se a alma retorna ao seio das estrelas como afirma o filósofo Platão... (Segundo a teoria platônica, as almas são criadas antes dos corpos e habitam as estrelas, à elas retornando depois da morte dos corpos). São essas duas questões, que tanto te perturbam. Começarei por te esclarecer a mais importante. Tanto os Serafins que estão diante da face de Deus como Moisés, Samuel, João Batista, João o Evangelista e também Maria usufruem a mesma claridade Divina que esses espíritos que vistes aqui. Não há lugar diferente para estes ou aqueles; todos habitam o mesmo Céu e gozam em maior ou menor grau a felicidade eterna e suprema, de acordo com o maior ou menor grau de amor por eles sentido. Se os vistes habitando nessa esfera celeste, certamente não foi por lhes ter sido destinado alguma honra especial ou inferior e sim para que teu entendimento compreenda melhor o significado das coisas. É por isso que nas Sagradas Escrituras Deus é representado com mãos e pés mesmo tendo ela certeza de que assim não é, porque a mente humana compreende somente o que é percebido pelos sentidos. Pelo mesmo motivo a Igreja representa os Arcanjos Gabriel, Miguel e aquele que curou Tobias, sob forma humana (o Arcanjo Rafael curou a cegueira de Tobit pai de Tobias = Biblia= (Tobias 1,11 e 11,7-13-15).  Timeu contesta esta verdade acerca do destino das almas ou seja, que após a morte do corpo a alma retorna ao astro de onde viera, se é que o que ele escreveu tenha sido bem interpretado, portanto não merecendo ser escarnecido por isso. (Timeu - filósofo grego pré-socrático. Filho de Babys e natural da ilha grega de Siro, foi um discípulo de Pítaco, e Diógenes Laércio coloca-o no grupo dos Sete Sábios da Grécia = Wikipédia) Se concordando com sua afirmação de que aos astros fora atribuído o poder de influenciar sobre vida humana na honra ou na desventura, certamente seu alvo não ficou muito longe da verdade. Sendo sua teoria mal interpretada (A teoria de Timeu) isso prejudicou quase o mundo inteiro quando, insensatamente, prestou-se adoração a Júpiter e Marte.

        “A segunda dúvida se apresenta menos prejudicial porque o mal que nela encerra não deve afastar tua alma de mim. Que lá na Terra para o ser humano a Justiça Divina pareça injusta é pura heresia. É doutrina de fé que jamais erra. E já estando o entendimento humano capacitado a compreender esta verdade, vou te apresentar o que tanto desejas saber. Se contra a vítima houver coação e ela em luta resiste, isenta de culpa ela fica. Sendo persistente a vontade não será dominada; a chama tremulante mil vezes resiste a força que a retorce; mas se a vítima sentir-se vacilante muito ou pouco, desculpa ela não tem; essas almas poderiam ter voltado ao santo abrigo do claustro assim que se viram livres da força da violência. Se a sua vontade tivesse sido conservada inteira como a de São Lourenço sobre a grelha ardente, ou a de Mucio, quando deu sua mão ao castigo. (Em agosto do ano 258, São Lourenço foi queimado até à morte em cima de uma grelha, de onde, antes de morrer terá dito ao seu carrasco: "deste lado já está bem tostado, vire-me do outro e depois sirvam-se". E Múcio para punir-se fez queimar sua mão sobre um braseiro). Sendo livres para escolher seguiram zelosos a estrada do dever. Mas, tal atitude é rara na humanidade. Se prestaste bem atenção no que eu disse viste que poderosas razões apresentei para teres suas questões resolvidas. Mas, diante de ti vês elevar-se questão ainda mais complicada que, sem auxílio não poderás resolver. Já te mostrei bem claramente que a ditosa alma não pode te enganar pois está sempre na presença as Suma Verdade. Narrou Picarda que Constança fora “extremosa” no seu amor aos votos e não “cautelosa” como eu havia dito. Acontece que, durante a existência terrena há mais de uma circunstância em que, por receio a consequências maiores se praticam atos que a consciência não aceita. Foi por isso que Alemeon por compaixão ao pai tirou a vida da própria mãe; por piedade tornou-se impiedoso. (Ver Purgatório XII – Alemeon filho de Anfiarau, matou sua mãe Eurífelis.) Por isso fique teu espírito convencido de que ao acontecimento a vontade anda unida, não havendo portanto desculpas para a falta cometida. A vontade absoluta é inimiga declarada do mal; mas quando ameaçada, se retrai, temendo que sejam cometidos maiores males. Ao falar de Constança, Picarda referiu-se a vontade absoluta; e eu falava da outra vontade – a relativa – mas ambas estamos defendendo a verdade".

        Aquelas palavras vindas da Fonte da Verdade esclareceram todas as minhas dúvidas; então exclamei:  “Ó do Primeiro Amor (de Deus) sublime amada! Ó bondosa senhora! Vossas palavras me encorajam, me iluminam, me estimulam e aquecem a minha alma. Por mais que meu afeto por vós ao extremo se eleve, não é ele suficiente para vos agradecer plenamente; por isso suplico ao Senhor que tudo pode, que preencha o que falta em mim! Não há nada que satisfaça ao espírito se esta Verdade ele não compreende e fora da qual nenhuma outra existe. E uma vez nela penetrada a alma ali se fortalece e tranquila fica qual fera ao recolher sua presa em seu esconderijo. Se assim não fosse todos os esforço seriam vãos. A dúvida nasce ao pé da certeza qual broto de arbusto e assim nos leva de grau em grau até a sublime altura. Com toda a reverência que vos devo senhora, ouso pedir-vos que esclareça outra verdade que me está obscura: os votos rompidos  podem ser substituídos por outros com méritos diferentes mas que se igualem em proporção ao que foram antes pronunciados?”

Beatriz me encarou. Tão fulgurante e divino estava seu olhar que dele me desviei sentindo faltarem-me as forças; e quase destruído, a fronte inclinei.

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