O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O PARAÍSO - CANTO IV


Duas dúvidas agitam o espírito do poeta. A primeira é relativa à doutrina platônica, segundo a qual todas as almas retornam para as estrelas donde saíram; a outra, se a violência tolhe a liberdade, como pode ser justo que as almas forçadas a romper os votos tenham desconto de glória. Beatriz responde a primeira dúvida restringindo o sentido da doutrina platônica. Relativamente à segunda diz que aquelas almas não consentiram no mal, mas não o repararam, voltando ao claustro quando tiveram possibilidade de fazê-lo.
Texto do Tradutor.

Igual a uma pessoa que diante de dois saborosos pratos, não sabendo por qual começar a comer morreria de fome; ou a um cordeiro que entre dois lobos vorazes, temendo ser atacado não se moveria do lugar, ou ainda em comparação com um cão caçador que ente duas raposas a nenhuma atacaria, assim estava eu. Conservava-me calado, passando de um pensamento a outro, sem querer revelá-los; porém, o desejo de perguntar, no semblante se percebia. O constrangido silêncio denunciava melhor o meu querer, do que se o tivesse revelado com palavras. Tal como fez Daniel para moderar as manifestações de ira que à prática do mal se encaminhava Nabucodonosor, assim fez Beatriz a mim, dizendo: (Beatriz interpretou o pensamento de Dante, do mesmo modo como Daniel interpretou o sonho de Nabucodonosor, quando este queria mandar matar os seus sábios, por não terem eles conseguido interpretar seus sonhos).
“Desejando melhor compreender cada uma das questões, tua alma se sente cada vez mais confusa; e estando em tais laços envolvida, o raciocínio se torna mais difícil. Por isso, deves analisar assim: Se a vontade perseverava no bem e somente a violência fez dela se afastar, por acaso pode, por essa violência, os méritos dessas almas terem diminuído? E ainda: se a alma retorna ao seio das estrelas como afirma o filósofo Platão. (Segundo a teoria platônica, as almas são criadas antes dos corpos e habitam as estrelas, a elas retornando depois da morte dos corpos). São essas duas questões, que tanto te perturbam. Começarei por te esclarecer a mais importante. Tanto os Serafins, como Moisés, Samuel e o João (o Batista ou o Evangelista) e também Maria, usufruem a mesma claridade Divina que esses espíritos que vistes aqui. Não há lugar diferente para estes ou aqueles; todos habitam o mesmo Céu e gozam em maior ou menor grau a felicidade eterna e suprema, de acordo com o maior ou menor grau de amor, por eles sentido. Se os vistes habitando nessa esfera celeste, certamente não foi por lhes ter sido destinado alguma honra especial ou inferior e sim, para que teu entendimento compreenda melhor o significado das coisas. É por isso que nas Sagradas Escrituras Deus é representado com mãos e pés, mesmo tendo ela certeza de que assim não é, pois a mente humana compreende somente o que é percebido pelos sentidos. Pelo mesmo motivo a Igreja representa os Arcanjos Gabriel e Miguel e aquele que curou Tobias (o Arcanjo Rafael curou a cegueira de Tobias) sob forma humana. Timéu contesta esta verdade acerca do destino das almas, ou seja, que após a morte do corpo, a alma retorna ao astro de onde viera, se é que, o que ele escreveu tenha sido bem interpretado, portanto não merecendo ser escarnecido por isso. Se, concordando com sua afirmação de que aos astros fora atribuído o poder de influenciar sobre vida humana na honra ou na desventura, certamente seu alvo não ficou muito longe da verdade. Sendo sua teoria mal interpretada, isso prejudicou quase o mundo inteiro quando, insensatamente, adoração prestou a Júpiter e Marte. A segunda dúvida, se apresenta menos prejudicial porque o mal que nela encerra não deve afastar tua alma de mim. Que lá na Terra, para o ser humano, a Justiça Divina pareça injusta, é argumento de fé, e não motivo para polêmica. E já estando o entendimento humano capacitado a compreender esta verdade, vou te apresentar o que tanto desejas saber. Se contra a vítima houver coação e ela em luta, resiste, isenta de culpa ela fica. Sendo persistente a vontade não será dominada; a chama tremulante mil vezes resiste a força que a retorce; mas se a vítima sentir-se vacilante muito ou pouco, desculpa ela não tem; essas almas poderiam ter voltado ao santo abrigo do claustro, assim que se viram livres da força da violência. Se a sua vontade tivesse sido conservada inteira como a de São Lourenço sobre a grelha ardente, ou a de Múcio, quando deu sua mão ao castigo (Lourenço foi condenado a morrer queimado vivo e Múcio, para punir-se fez queimar sua mão sobre um braseiro). Sendo livres para escolher, a estrada do dever zelosos seguiram. Mas, tal atitude é rara na humanidade. Se, prestaste bem atenção no que eu disse, viste que poderosas razões apresentei para teres suas questões resolvidas. Mas diante de ti vês elevar-se questão ainda mais complicada que sem auxílio não poderás resolver. Já te mostrei bem claramente que a ditosa alma não pode te enganar, pois está sempre na presença as Suma Verdade. Narrou Picarda que Constança fora “extremosa” no seu amor aos votos, e não “cautelosa” como eu disse o que parece uma contradição. Acontece que, durante a existência terrena há mais de uma circunstância em que, por receio a consequências maiores se praticam atos que a consciência não aceita. Foi por isso que Alemeom por compaixão ao pai, tirou a vida da própria mãe; por piedade tornou-se impiedoso. (Ver Pugatório XII – Alemeon filho de Anfiarau, matou sua mãe Eurífelis.) Fique, pois teu espírito convencido de que ao acontecimento a vontade anda unida, não havendo portanto desculpas para a falta cometida. A vontade absoluta é inimiga declarada do mal; mas quando ameaçada se retrai, temendo que sejam cometidos maiores males. Ao falar de Constança, Picarda referiu-se a vontade absoluta; e eu falava da outra vontade – a relativa – mas ambas estamos defendendo a verdade".
Aquelas palavras vindas da Fonte da Verdade esclareceram todas as minhas dúvidas; então exclamei:
“Ó do Primeiro Amante (de Deus) sublime amada! Ó bondosa senhora! Vossas palavras me encorajam, me iluminam, me estimulam, e aquecem a minha alma. Por mais que meu afeto por vós ao extremo se eleve, não é ele suficiente para vos agradecer plenamente; por isso, suplico ao Senhor que tudo pode, que preencha o que em mim falta! Não há nada que satisfaça ao espírito se esta Verdade ele não compreende e fora da qual nenhuma outra existe. E uma vez nela penetrada, a alma ali se fortalece e tranquila fica, qual a fera ao recolher-se em seu esconderijo. Nada proíbe ao ser humano buscar compreendê-la; se assim fosse, todos os esforço seriam vãos. Por isso, qual broto de arbusto a dúvida nasce ao pé da certeza; e assim nos leva de grau em grau até a sublime altura. Com toda a reverência que vos devo senhora, ouso pedir-vos que esclareça outra verdade que me está obscura: os votos rompidos pelo homem podem ser substituídos por outros com méritos diferentes, mas que se igualem em proporção, ao que foram rompidos?”

Beatriz me olhou. Tão refulgente e divino estava seu olhar que dele me desviei sentindo faltarem-me as forças; então quase prostrado, a fronte inclinei.
  

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