O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 22 de setembro de 2012

O Pug - CANTO XXXIII


Beatriz anuncia com linguagem misteriosa, que brevemente aparecerá quem libertará a Igreja e a Itália da servidão e da corrupção. Impõe-lhe que escreva o que viu. Pede depois, a Matilde que o mergulhe nas águas do Rio Eunoe. Dante, depois da imersão, se sente mais forte e disposto a subir às estrelas.
Texto do Tradutor. 

“Deus, venerunt gentes”, (Salmo 78 no qual Davi lamenta a contaminação do Templo de Jerusalém: “Senhor as nações entraram no teu domínio e contaminaram o Templo”), alternando-se em dois coros e com os olhos lacrimejando cantaram as ninfas em suave melodia.  Beatriz ouvia; mais dolorida do que ela estava somente Maria, ao pé da Cruz. Quando lhe foi possível elevar a harmoniosa voz, de pé entre as formosas virgens com faces incendiadas por tão santo ardor, disse-lhe: Modicum, et non videbilis me, (“ Pouco tempo passará e não me vereis”, João;XVI,16) amadas irmãs, et interum,”continuou –   “modicum et vos videbitis me!” (“e novamente, pouco tempo passará e me vereis”. Provavelmente referindo-se ao pouco tempo que a Santa Sé teria ficado em Avinhão.) Depois, fazendo com que as sete ninfas se colocassem à sua frente, acenava a mim, a Matilde e ao Poeta para que a acompanhássemos. Assim íamos. Acredito que não havíamos dado dez passos, quando seu olhar se encontrou com o meu; então, com tranquilidade me disse: “Chegue mais perto, pois quero falar contigo se estiveres disposto e me escutar”. Assim que me  coloquei ao seu lado, ela continuou: “Irmão, por que não fazes a pergunta que tantas desejas, já que estás ao meu lado?” Fiquei, como aquele que falando ao seu superior e tímido se sentindo apenas balbucia, disse com voz confusa e entrecortada:"Conheceis bem, senhora, tudo quanto desejo saber e o que me seja necessário conhecer”.
E ela continuou: “De agora em diante, deixa o temor e a vergonha; estando ao meu lado, pára de falar como quem está sonhando. O carro que foi profanado pelo dragão, já  não está mais ferido. O castigo que Deus imporá aos criminosos não será esquecida através da sopa. (Segundo uma lenda, o culpado que em sinal de expiação, tomasse sopa sobre o túmulo do assassinado, durante nove dias, não sofreria condenação.) Não faltarão ambiciosos herdeiros da águia que cobriu com suas penas o carro tornando-o monstro, depois presa fácil. Olhando o futuro vejo o que os mais próximos astros anunciam, sem que nada impeça ou modifique o que está  por vir. Profetizam  eles que o Céu enviará um “quinhentos, dez, cinco” para punir a corrompida e o gigante. (DXV, isto é um chefe, um capitão enviado por Deus, o qual punirá a Cúria Romana e o rei de França). O que estou expondo é enigmático é obscuro e talvez não o entendas, como aconteceu com Temis (que o decifrou de forma obscura, a Deucalião que a foi consultar) e a Esfinge (que propôs o enigma a Édipo) e contudo, os fatos o farão compreender; assim como aconteceu com Náiade, (Édipo que solucionou o enigma) sem contendas, darão a chave do enigma sem causar dano ao trigo e ao gado. Que isto fique gravado em tua memória e estas mesmas palavras, repete aos vivos que na ansiedade em buscar os prazeres terrenos, intranquilos chegam ao fim da vida. Narra-lhes a aflição que sentistes ao veres o estado em que ficou a árvore, quando sofreu dois espantosos ataques. E avisa que todo aquele que mutila ou mata a sagrada planta, afronta a Deus que a criou perfeita, somente para Sua glória. Na verdade, ousadamente o ofende. A primeira alma (Adão esperou durante cinco mil anos a vinda de Jesus Cristo, que tomou sobre si o seu pecado) por ter experimentando o fruto da desobediência, esperou gemendo durante cinco mil anos por quem tomou sobre si, as culpas do seu pecado”.
“Se não consegues compreender a única razão porque tem a árvore tão alta e tão larga copa, é porque tens o espírito a dormir. Se a satisfação produzida pelos pensamentos inúteis como as águas Elsa, (confluente do rio Arno) não tivesse produzido efeito sobre sua mente tornando-a escura qual suco de amora, terias compreendido; o que te expliquei já foi suficiente para compreenderes o justo ensinamento que Deus deixou na velha árvore. Como a luz de minhas palavras te confunde porque o entendimento não permite ver o efeito que isso causa sobre a culpa, quero que guarde na memória uma comparação: as palmas que enfeitam o bordão do peregrino lembram que ele deve regressar”.
Respondi-lhe: “Vossas palavras ficarão gravadas em minha memória qual cera conservando a marca impressa pelo carimbo. Mas, porque vossas palavras se elevam com tamanho excesso que não consigo alcançá-las?”. E ela continuou: “Veja, portanto, em que pervertida escola tens cursado, pois seus ensinamentos não desenvolverem em ti a capacidade de alcançar o sentido das minhas palavras;  teu caminho está mais distante do divino, do que a distância existente entre a terra e o céu”.
Respondi à minha sublime amada: “Não me lembro de ter me afastado das vossas leis; a vigilante consciência, disto não me acusa”. “Possível é que estejas enganado” - respondeu-me a sorrir – “não te recordas que ainda há pouco, bebeste do Letes a água e de acordo com o dito popular, a fumaça é sinal de fogo. Que tua vontade andou perdida no erro, teu esquecimento demonstra isto seguramente. De agora em diante o sentido de minhas palavras serão mais claras para ti”.
Com passo mais lento e brilho mais intenso o Sol já atingia o círculo que divide os climas, tornando-os diferentes, (era meio-dia; o Sol atingia o círculo imaginário do equador) quando as damas, qual guia que indo à frente da tropa pára de andar e disfarçado espia, caso se anuncie alguma novidade, assim pararam. Haviam chegado a um lugar de espessa sombra parecido com os frios bosques alpinos de árvores verdejantes e troncos escuros e pareceu-me ver não muito distante delas, brotando da mesma fonte o Tigre e o Eufrates e em seguida separando-se lentamente, como sendo dois amigos. (O Letes e o Eunoe; pareciam esses dois rios com o Tigre e o Eufrates, pois nasciam na mesma fonte e depois se afastavam aos poucos, um do outro).
“Ó glória! Ó esplendor da humanidade! Dizei-me que água é essa que corre dividida depois de sair de uma mesma nascente!” Disse-me então Beatriz, “Deve essa pergunta ser respondida por Matilde”. Então me respondeu a dama: “Já estive lhe explicando tudo! A lembrança na memória se apagando esse efeito não deve ter vindo do Letes”.
E Beatriz continuou falando a Matilde: “Talvez a falta de interesse pelas coisas belas e maravilhosas pode ter perturbado sua mente fazendo com que a compreensão se torne difícil. Eis as águas do Eunoé; nele imergindo-o seu coração adormecido se reanimará”.
A alma nobre que à obediência jamais rejeita faz do querer do outro o próprio querer mesmo através do simples sinal. Matilde me conduziu para junto de Estácio dizendo-lhe com altivez e majestade: “Segue-o também!” Caro leitor, ao ser mergulhado naquelas águas o sabor do doce licor que experimentei não desapareceu do meu paladar; e eu o descreveria em texto especial se ainda tivesse espaço suficiente nesta página; mas como as páginas destinadas a este Canto já foram todas ocupadas, a arte da poesia impede de satisfazer esse desejo. Por isso canto assim:
Como da plantas as flores renovadas
Mais frescas na haste mostram-se mais belas,
Puro saí das águas consagradas
Pronto a me elevar às lúcidas estrelas!


FIM DA 2ª PARTE