O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

2ª PARTE = O PURGATÓRIO

CANTO I

Saindo do Inferno, Dante respira novamente o ar puro e vê fulgurantíssima estrela. Encontra-se na ilha do Purgatório. O guardião da ilha Catão Uticanse, pergunta aos dois Poetas qual é o motivo da sua jornada. Dá-lhes instrução com relação ao que devem fazer antes de iniciar a subida ao monte.

Texto do Tradutor


Agora, a barca da minha imaginação ergue as velas para correr em mar aberto com a popa voltada ao desapiedado abismo. E esse reino que para a alma é merecida a prisão pois a liberta do imundo pecado antes de ser recebida no Céu, pela ordem, cantarei como o segundo! Ó santas Musas a quem sou devotado, desperta em mim a beleza da poesia que está adormecida! Cléope, (musa da “Epopéia”) cuja voz sonora e sublimada, não permitiu às Pegas que o atrevimento lhes fosse perdoado, suplico-te! Vem unir-se, agora, ao meu cantar! (As filhas de Piério desafiaram as Musas para contar com elas; e vencidas, foram transformadas em pegas espécie de pássaro).

A suave cor da safira oriental que irradiava pelo tranqüilo horizonte indo até onde gira o primeiro Céu, alegrava-me o olhar e aumentava minha felicidade por ter eu sido retirado daquele tenebroso lugar onde dores e lágrimas me causaram profunda aflição ao olhar e ao peito. Já a bela estrela, (Vênus) o maior símbolo do amor, acompanhada pela constelação de Peixes, iluminava todo o poente.

Com o pensamento dirigido apenas ao presente, voltei-me à direita e avistei o outro pólo. Foi então que vi quatro estrelas, que somente foram vistas pelos primeiros seres humanos. Ao seu esplendoroso brilho mais alegre pareceu-me todo o firmamento. Ó setentrião! (região Norte) Não te foi dado a oportunidade de contemplar tão fulgurantes astros!

Depois de admirá-los demoradamente, voltei o olhar em direção oposta a que o sol havia surgido e eis que vejo bem próximo a mim um ancião que reverência tanta merecia quanto deva dar um filho ao pai ao se colocar na sua presença. Tinha alvas as longas barbas assim como os cabelos que em dupla trança ao peito lhes caíam. O brilho resplandecente daqueles astros tanto lhe clareava o semblante, que o vi como se estivesse iluminado pelo sol.

“Quem sois que, dominando o escuro e triste rio, tenham conseguido fugir dos laços do eterno cárcere? – disse-me, movendo rápido, as respeitáveis barbas. “Quem os guiou iluminando os passos a fim de que pudesses deixar a profunda noite que cobre de luto os espaços infernais? Por acaso foram quebradas as leis do abismo, ou o Céu revogando seus decretos deu ordem para que nos meus domínios os maus tenham estrada?”

Voltou-se a mim Virgílio, aconselhando-me com gestos de mãos; compreendendo-o, curvei os joelhos baixando os olhos. “Por vontade própria, não vim”. – respondeu Virgílio. “Atendendo aos rogos de uma Dama que do Céu descera, presto socorro a este homem servindo-lhe de guia; porém, como desejas que nossa condição seja mais bem definida, cumpre-me dar verdadeiras explicações”. E continuou: “Este homem ainda mantém em si a aura da vida, mas de tanta imprudência, esteve a ponto de perdê-la, eternamente. Já vos disse por que tive pressa em salvá-lo; mas para evitá-lo do perigo, tive que dirigir seus passos. Mostrei-lhe aquela gente que, por ter praticado a maldade, no Inferno padece. Agora, tenho a intenção de mostrar-lhe os que estão se purificando aqui neste lugar, onde vós sois o guardião. Direi-vos por qual motivo o vou guiando: é que a força que me impele a trazê-lo aqui para vos ver e ouvir vem das Alturas. Dignai-vos, pois, ser benigno para com ele que deseja ardentemente a liberdade de espírito, que tão difícil é. Conhece-a bem quem por ela desistiu da vida. Para alcançá-la, não foi amarga vossa morte em Utica, onde vosso corpo foi guardado e que, no Juízo Final, há de ser iluminado. (Catão uticense que, para não se entregar a Júlio César, suicidou-se, em Utica) Não estamos violando as leis divinas, por que ele ainda vive. E Minos não me impediu, pois sou do círculo onde se encontra vossa Márcia, (esposa de Catão) que em casto olhar parece rogar que ainda a tenhais como esposa. Lembrando-a, sede sensível a nossos rogos deixando-nos atravessar vossos reinos; então, agradecido, hei de dizer a Márcia o quanto sois benigno, se assim me permitires”.

Disse Catão: “Márcia!... tanta alegria trouxe aos meus olhos que, no mundo, lhe concedi tudo que desejou. Agora, estando eu no lado oposto ao seu, ir além do escuro riacho não posso; esta ordem me foi decretada quando deixei o Limbo. E vós, se por celestial Dama fostes eleito para trazer este homem até aqui, desnecessária se torna minha interferência. Ide, pois, sem demora! No ponto mais baixo desta ilha onde é banhado pelo mar e alastra-se uma camada de lodo natural, há um viçoso juncal. Não pode vegetal de caule forte ou frondoso ter vida ali, porque não se dobraria ele ao embate caprichoso das ondas. Envolvendo este homem com as palmas do junco, lavai-lhe o semblante para que toda a impureza seja posta fora. Isto é necessário para que nenhuma névoa lhe impeça a visão, quando diante do anjo que descer do Céu, ele estiver. De lá seguireis em direção ao monte. Ao surgir do Sol, descobrireis o melhor caminho” – e desapareceu.

Ergui-me então sem demora e em silêncio; com o olhar fixo no semblante de Virgílio, no seu braço me amparei. “Vem comigo, filho”. Disse-me. “Voltemos pois daqui se vai em direção ao mar”.

Fugia a noite ante a claridade matutina. Apesar de distante já se apresentava aos nossos lhos o movimento do mar. Pela planície deserta andávamos, como que perdidos e temendo não encontrar o caminho certo.

Chegando ao lugar onde o Sol ainda não pudera desfazer o orvalho porque à sombra o vento se torna mais suave, meu Mestre vagarosamente desliza as mãos sobre a relva molhada; vendo-lhe o gesto e compreendendo-o, prontamente as lacrimosas faces lhe apresento. E o passar das mãos molhadas de orvalho sobre meu rosto, recuperou nele o vigor perdido no ambiente do Inferno.

Com passos rápidos chegamos à deserta praia. Nunca suas águas haviam sido tocadas por homem vivo algum. Então fui envolvido pelos juncos, conforme Catão ordenara. Mas, oh! Milagre!... No lugar onde a humilde planta foi arrancada via-se que ela renascida estava; e tão crescida como antes eu a havia visto no solo, sem diferença alguma entre as outras.


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