O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 1 de janeiro de 2012

O Pug. CANTO X

Os dois Poetas sobem ao primeiro compartimento do Purgatório, cuja escarpa é de mármore, no qual estão esculpidos vários episódios de humildade. Eles os observam e no entanto vêm em sua direção várias almas curvadas sob o peso de grandes pedras. São as almas dos que no mundo foram soberbos.
Texto do Tradutor.

"Aqui é necessário ficar atento..."
Tendo ultrapassado o limiar da porta pouco usada – porque o excesso das paixões faz com que o ser humano deixe de seguir pelo caminho certo preferindo o errado – quando, pelo estrondo ouvido, percebi ter sido ela novamente trancada. Porém, continuei firme olhando para frente, pois se para ela voltasse o olhar, qual seria a explicação a dar para falta cometida?

Subíamos por uma fenda aberta na rocha, cujo caminho apresentava curvas inesperadas. Disse-me o Mestre: “Aqui, é necessário ficar atento, acompanhando as curvas e ir encostando-se à rocha, ora de um lado, ora de outro”.

Íamos devagar e a lua já se reclinava em seu leito de repouso desaparecendo no horizonte quando, finalmente, deixando aquele estreito caminho e já estando eu exausto, nos deparamos com uma planície, porém mais solitária e árida que um deserto. Calculamos que, da beira do precipício onde estávamos até ao lado oposto, essa planície media em seu comprimento, três vezes a altura de um homem; e por toda a extensão que a vista alcançava, à direita ou à esquerda, mostrava-se ela toda por igual em sua largura.

Não tínhamos dado ainda nenhum passo sobre aquela planície e percebi que a íngreme ladeira que circundava todo aquele abismo e tão inclinada para o alto a ponto de tornar impossível chegar-se até seu cume era de alvíssimo mármore e, inteiramente decorada com entalhes; acredito que para reproduzi-los foi necessário se recorrer ao talento de Policleto (célebre escultor grego) e a do artista que criou a natureza.

O anjo que trouxe o decreto de paz que abriu o Céu à humanidade, decreto este há tantos séculos com lágrimas foi suplicado, (o anjo Gabriel) estava ali esculpido tão suave nos gestos e na aparência, que nem se percebia estivesse esculpido em pedra. Poderia até jurar que estivesse proferindo “Ave!”, pois, juntamente com ele estava ali a figura daquela (a Virgem Maria) que colaborou para que o supremo amor, (Deus) girara a chave; seu semblante expressava tanta realidade, que poderia se dizer estivesse pronunciando “Ecce ancilla Dei”.

“Não fiques com a atenção presa somente a essas imagens”. Disse o Mestre, tendo-me junto a si, do lado onde se sente pulsar o coração. Então, olhei mais adiante e maravilhado vi um pouco além de Maria, outra parte da história descrita em mármore; para melhor vê-la, me distanciei além do Mestre e pude admirar ali esculpida a Santa Arca da Aliança sendo conduzida em um carro de bois, lembrando aos profanos a certeza do castigo. (Oza caiu fulminado por ter se aproximado da Arca, quando esta estava quase a cair.) Ao redor da Arca, dividido em sete coros, o povo cantava e, aos meus sentidos a cena se apresentava tão real que, enquanto meus olhos diziam “sim, eu os vejo cantando”, meus ouvidos disso discordavam. De igual modo acontecia com o incenso que eu via elevar-se no ar: a visão me dizia “sim, eu vejo a fumaça” enquanto o olfato dizia “não”. Na frente, adiante da Arca, com fervor imenso, via-se mais o salmista no zelo intenso, dançando humildemente, e bem menos um Rei. (Na frente da Arca, dançava o Rei Davi.) E na sacada do palácio real estava Micol; seu olhar, fitando o Rei, demonstrava estranheza ao vê-lo naquela dança, ato que lhe causa grande desgosto e vexame. (A esposa de Davi, mulher orgulhosa, manifestava censura pelo ato humilde do esposo).

Depois, afastando-me dali, fui apreciar de perto outra história. Na alvura do mármore, realçava a brilhante glória desse famoso imperador romano por quem Gregório obteve tão grande vitória. (Trajano, que segundo uma lenda o papa Gregório I conseguiu com suas preces que ele voltasse à vida terrena e, batizado, fosse para o Céu.) Ali estava Trajano em tamanho natural montado em um cavalo. Ao seu redor apinhava-se a tropa de cavalheiros e acima deles, na bandeira que tremulava ao vento, via-se a águia de ouro como a voar. Uma mulher segurava os freios do animal, e seu pranto demonstrava grande dor e perda. A infeliz, rodeada de guerreiros parecia dizer: “Vingança, senhor! Meu filho está morto e eu em desespero, choro!” E podia-se ouvir Trajano dizer: “Tenha esperança até que eu volte!”. E a mísera, pungida de dor que como mãe a tudo recorre, respondia: “Senhor, e se não voltares?”. E ele: “Aquele que me suceder, irá te ouvir” E ela, ainda aos prantos: “Como posso confiar que outro cumpra tua obrigação se tu próprio foges dela?” E ele: “O ânimo que sentes na desgraça me convenceram; meu dever cumprirei sem mais demora; a justiça o exige e a compaixão me envolve”.

Aquele para quem nada é novo, tornou real esta linguagem expressa no mármore. Não se trata de fantasia teatral, pois esta não chega a tão sublime altura.

Tendo me encantado com cada um dos acontecimentos ali apresentados, e me envolvido com os extremos de humildade neles contidos, disse meu Guia: “Eis que, uma multidão de almas se aproxima lentamente; talvez sua bondade nos possa conduzir até ao alto”.

Prevendo ver novos acontecimentos, ansioso, fiquei atento ao que o Mestre me advertia. Caro leitor, não pretendo te esmorecer nem que desapareçam em ti os bons sentimentos sabendo de que modo Deus quer que paguemos a Ele nossos débitos. Não prendas a atenção ao castigo que recebem, mas, no que virá após o pagamento total da dívida.

Ao Mestre respondi: “O que vem em nossa direção, não creio sejam almas; contudo, diante da confusão que se formou em meu espírito, não consigo imaginar o que seja”. E ele me explicou: “O que tanto espanto te causou, é o modo como estão sendo castigadas; a mim também causou dúvidas vê-las. Pela atitude que tiveram durante suas vidas terrenas agora estão a andar assim curvadas, levando às costas essas pesadas pedras. São cristãos soberbos, míseros, perdidos, cegos de espírito que, possuídos de tão autoconfiança voltam-se agora sobre si mesmos. Não perceberam que somos o lagartas do qual surgirá a celestial borboleta que de modo natural voará em direção ao Tribunal Sagrado? Por que tanto orgulho se não passais de embriões de insetos, casulo em formação ainda incompleto?”

É freqüente ver-se a figura humana em forma de estátuas, com os joelhos e peito unidos a sustentar forros e tetos. E quem a olha, comove-se, mesmo sendo mera ficção, com a dor e sofrimento reproduzidos. Assim, dor igual senti, ao ver aquelas almas que se aproximavam; vinham curvadas sob o peso das pedras que carregavam, umas mais outras menos, de acordo com o peso dos pecados. E as que eram mais sofridas, em prantos, pareciam dizer: “Não suporto mais tanto peso!”.

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