O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 8 de julho de 2012

O Purg. - CANTO XXVIII


O Poeta descreve a beleza do Paraíso Terrestre. Chegam Dante, Virgílio e Estácio perto de um rio que lhes impede de prosseguir. Do outro lado do rio aparece uma mulher de maravilhosa beleza que discorre a respeito das condições do lugar, resolvendo dúvidas que Dante lhe propõe. Texto do Tradutor.

"Após isso, voltei o olhar..."

Tinha pressa em me afastar daquela encosta pois desejava andar por aquela encantadora e espessa selva divinal, onde ao novo dia a luz do Sol se fazia mais branda. Afastando-me um pouco dos Poetas, a passos lentos entrei pela belíssima campina sentindo o doce aroma que dela exalava. A suave brisa que circulava afagava-me a fronte e agitava levemente a copa das árvores no lado onde na santa montanha já apresentava as primeiras sombras.

Esse movimento produzido pela brisa, não perturbava o repouso dos pássaros que ali se encontravam calmamente pousados entre os ramos e sim parecia que o ruído brando das folhas os despertava aos murmurinhos, fazendo-os saltar de ramo em ramo e com seus gorjeios, saudavam a alvorada. É deste modo que às margens do Chiassi as aves se abrigam nas ramas dos pinhais quando Éolo deixa livre o caminho para o Siroco (o rio Éolo). Havia eu caminhado tranquilamente pela antiga selva, por tanto tempo, que não podia mais ver o lugar por onde penetrara. De repente, um riacho me impediu de continuar; pela esquerda deslizand0 beijava a ervinha que crescia às suas margens. A pureza e transparência cristalina dessa água, superavam a de qualquer uma outra existente na Terra; no entanto, pela permanente sombra que a luz do sol ou da lua nunca atravessa, aquela plácida correnteza parecia negra. Detendo o passo lancei o olhar para a outra margem daquele singelo riacho e fiquei a contemplar belezas que somente no mês de maio aparecem. Então, como quando algo extraordinário surge em nossa mente desviando o nosso pensar de qualquer um outro, surge ante meus olhos uma mulher sorridente cantando, colhendo flores de entre as flores que cobriam o chão de matizes. (Trata-se de Matelda, que Dante citará no Canto XXXIII)

Vendo-a, assim falei: “Bela dama cuja alma sente os fervores do amor divino – assim devo julgar pelo teu sorriso – se chegares até a margem do riacho, poderia entender as palavras do ter cantar. Estando sozinha a caminhar por este lugar, tão formosa, colhendo flores, e com este cantar inebriante, faz-me recordar Prosérpina que foi arrebatada de sua mãe e que, ao perdê-la, perdeu também a juventude”. (Prosérpina, filha Ceres, que foi raptada por Pluto enquanto colhia flores no vale do Etna.)

Qual menina distraída gira rápido como uma graciosa bailarina e, deslizando os passos sobre o solo coberto de relva e flores, a mim se encaminhou, abaixando modestamente o olhar. E atendendo ao meu pedido tanto se aproximou que pude ouvir claramente o sentido dos versos da bela canção. E, tendo chegado ao ponto onde a delicada erva era banhada pela cristalina água, fez-me a graça inigualável de pousar o seu olhar sobre o meu. Não creio que no rápido olhar de Vênus ao feri-la a seta do amor, resplandecesse tal brilho.

Da margem oposta a sorrir se apresenta, tendo as mãos repletas de lindas flores, que a natureza o solo guarnece. A distancia que havia entre nós era de, mais ou menos, três passos. Leandro não nutrira maior indignação contra o Helesponto ao ser obrigado a atravessá-lo a nado e que Xerxes ao atravessá-lo, deixou penosa lição aos soberbos, do que ao empecilho que esse riacho me causava. (Leandro, todas as noites atravessa o Helesponto a nado, de sua cidade Abido a Sesto onde morava sua amante Heros; e Xerxes, rei da Pérsia atravessou-o por uma ponte feita de barcos, para invadir a Grécia e que derrotado, teve de retornar do mesmo modo.)

Ela então assim falou: “És recém-chegado aqui! Quando clareava o dia, ao ver-te neste lugar designado para receber a espécie humana, senti imensa alegria que se manifestou através do meu sorriso, e que não compreendeste. Mas, se recordares o Salmo “Delectasti” (Salmo 91.6 – Quão magníficas são, Senhor, as tuas obras!) toda tua dúvida terá esclarecida. Tu, que antecipaste aos demais e me dirigiste a palavra, que desejas saber? Pronta estou a te dar qualquer informação”.

Então falei: “Esta água e os ruídos desta floresta não combinam com o que eu acreditava, nem com o que tinha escutado até este momento”.

E ela continuou: “Te explicarei porque isso acontece, bem como a razão da tua surpresa, dissipando assim as névoas que encobrem teu espírito enchendo-o de luz. O Supremo Bem que a Si próprio se basta, criou o homem apto ao bem e como garantia concedeu-lhe a paradisíaca abundância de eterna paz. Mas, por sua própria culpa, o homem perdeu esse lugar de paz. A culpa transformou sua vida de risos e prazeres, em prantos, em desgostos. Para que os maus efeitos causados pela evaporação das águas e da terra acompanhados de intenso calor não lhe causassem danos, é que tão alto se eleva esta montanha; por isso, desde a escada que para aqui dá acesso até seu pico, perturbação nenhuma a atinge. O ar gira constantemente em círculo, impelido pelo impulso do Primeiro Motor – Deus. Neste elevado cume tão atingido pelo ar celestial, o denso bosque, sensível ao seu movimento ressoa inteiro; as plantas ao serem tocadas pela brisa espalham seus perfumes por toda floresta. A terra sendo para isso preparada tornando-se fértil, por si ou por determinação divina, germina e produz plantas de gênero e forma variadas. Por isso, claramente se percebe como há plantas viçosas e floridas, mesmo que a terra não tenha recebido as sementes. Esta água que aí vês, não tem origem em vapor ou chuva como rio que enche ou seca. Vem de certa fonte que nunca se esgota pois, por vontade de Divina flui tanto, que aqui se divide em dois canais. A que neste leito agora vês, faz desaparecer a lembrança da culpa; a outra, desperta a memória para as virtudes humanas. Um, se chama Letes (o rio do esquecimento); o outro, Eunoé (o rio da boa recordação); mas suas águas somente atuam sobre o ser humano, quando este experimenta o sabor de uma e da outra. Comparando-as a outras, sabor igual não existe, ao desta água. Assim falando, creio ter esclarecido tuas dúvidas. Porém não receio que te desagrade se eu for além do que me perguntaste. Os Poetas que cantaram a idade do ouro e seu estado de felicidade, certamente situaram no Parnaso, um lugar como este. Aqui a origem da espécie humana viveu em feliz inocência; aqui a primavera é eterna e esta água é o néctar ao qual eles se referiam ".

Então aos Poetas meu olhar se dirige. Em seus olhos se revela um sorriso dando-me a perceber que escutaram o que fora dito. Após isso voltei o olhar para a bela dama.

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