O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 28 de julho de 2012

O Purg. - CANTO XXX

Acolhida festivamente pelo anjos e pelos bem-aventurados, desce do Céu Beatriz (a divina sabedoria) e pousa no carro. Nisto Virgílio (a a humana sabedoria) desaparece. Ela dirige-se a Dante e lhe exproba os seus desvios. Dante chora e os anjos se compadecem dele. Beatriz, dirigindo-se a eles, expões mais particularmente quais foram as suas faltas depois da sua morte. Texto do Tradutor

In te Domine, speravi”

Quando o setentrião do primeiro Céu - o qual permanece sempre visível e não conheceu outro nevoeiro senão a da culpa fazendo com que, ali, cada um esteja ciente do seu dever a cumprir, assim como o setentrião do mundo é guia permanente aos navegantes quando procuram um porto seguro - parou a santa procissão que seguia acompanhando o Grifo voltando o olhar para o carro, símbolo da paz (os sete candelabros, símbolos dos sete dons do Espírito Santo, que habitam o primeiro Céu – o Empíreo - são comparados com as sete estrelas da constelação da Ursa Maior chamadas de setentrião e sevem de guia aos navegantes que ao chegarem ao porto param, cientes do dever cumprido); e um entre eles, como se fosse arauto do Céu, cantou por três vezes Veni, sponsa, de Líbano! (Convite do esposo a esposa, no Cântico dos Cânticos, de Salomão). E os outros respondiam em coro. Então, como no dia do Juízo Final os eleitos irão ressurgir e com voz vigorosa entoarão louvores, assim uma multidão de Anjos surgiu do carro entoando ad vocem tanti senis, Benedictus qui venis! E lançando flores ao redor do carro: Manibus, o date, lilia plenis! (Espalhai lírios as mãos cheias).

Já vi o brilho resplandecente do amanhecer tingindo de rosa afogueado uma parte do céu enquanto em outra parte totalmente azul o sol aparece envolto em leve névoa permitindo assim que se possa olhar o seu esplendor. Deste mesmo modo vi uma nuvem de flores lançada por mãos de anjos que se erguia do carro e a ele mansamente retornava exalando agradável perfume; e através dessa névoa de flores pude perceber que ali estava uma linda mulher coroada de ramos de oliveira, envolta em um manto verde tendo as vestes da cor da chama do fogo .

E meu espírito que jamais presenciara tal encanto deixou-me extasiado e como que petrificado, depois trêmulo de espanto diante daquela maravilhosa visão. Mas, mesmo sem que as feições se apresentassem aos meus olhos, meu espirito sentiu o poderoso efeito, pela força oculta do antigo amor que me dominou nos primeiros anos da minha existência quando as potências da alma avassala e vence. (Dante se apaixonou por Beatriz quando tinha a idade de 9 anos).

Então, igual a uma criança correndo aos braços da mãe se a dor ou o medo ameaça-lhe a inocência, rapidamente me dirigi a Virgílio. Pensava em dizer-lhe: “Em minhas veias, cada gota do meu sangue se agita e queima nas chamas do antigo amor!” Mas, oh! Virgílio havia desaparecido! Virgílio, o doce e amoroso pai! Virgílio, a quem confiei minha salvação Ao perder este magnífico lugar Eva não derramou tantas lágrimas como as que no meu rosto se espalharam e milagrosamente me purificaram.

“Não fiques tão aflito por Virgílio ter-se ido. Não te entregues agora ao pranto, ó Dante. Para dor maior, deves estar preparado”. Como faz o hábil almirante, quando nas difíceis manobras examina a nau e cuidadoso observa a ação dos seus marinheiros, assim fiz voltando-me após ouvir meu nome; e aqui deixo registrado tal como foi pronunciado; ao percorrer com o olhar todo o lado esquerdo do carro, vi a mesma dama que estava envolta em véus em meio ao divinal cortejo, do outro lado do riacho tendo o olhar para mim voltado. Apesar de ter somente a fronte coberta pelos ramos de oliveira tão agradáveis à Minerva, não se podia ver-lhe a face; mas, com a soberana altivez que apresentava, desta forma prosseguiu; porém, o que mais queria atingir, guardou para o final. Continuou: “Olha! Sou eu, sim! Estás vendo Beatriz! Como ousaste subir a este monte sabendo que este lugar é designado somente aos ditosos?”

Baixando o olhar às águas puras do rio, vi minha imagem ali refletida; rapidamente desviei o olhar para um lado, tanto a vergonha me queimava as faces. Beatriz pareceu-me com mãe que repreende ao filho em tom magoado, porque se torna amarga ao castigado, a piedade que o pune. Ela então se calou e a límpida voz dos anjos entoou: In te Domine, speravi” mas após pronunciar “Pedes meos”, silenciou. (Salmo XXX; até as palavras “pedes meos”, exprime o arrependimento e a esperança na misericórdia de Deus). Nas altas montanhas da Itália quando atingidas por fortes ventos, o gelo se acumula entre as árvores; depois, ao quente sopro do vento que do sul procede se derrete e escorre como caudaloso rio. Assim fiquei enregelado e como que paralisado; mas, ao ouvir o angelical cântico pertencente às esferas eternas e sentindo nesse cântico mais compaixão do que se houvesse dito “Senhora, porque tão severamente o repreende?”, no meu peito o gelo se derrete transformando-se em pranto e soluços.

Ela então de pé sobre o carro voltou-se para a direita e disse aos piedosos espíritos que lá se encontravam: “Vós que vigilantes estais por toda a eternidade e a quem nem o sono ou noite podem vos impedir de ver o que acontece no mundo, minha resposta vai dirigida àquele que agora derrama lágrimas; a sua culpa seja medida pela dor que ele sente. Não é pela ação do astro presente no momento em que se deu início à vida que cada criatura é conduzida a um determinado fim e sim pela abundância de graças divina que são lançadas sobre nós, de tal altura, que não pode ser alcançada nem pela nossa mente. Este homem, na aurora da sua existência, foi ornado de tantas graças divinas, que poderia ter alcançado o mais alto grau em virtudes. Porém, mesmo em terreno bom, má semente for lançada, ali ervas daninhas irão crescer. Junto a mim, conservou-se puro e sereno. Meu olhar de menina o conduzia por caminho seguro e ameno, tanto que no início da segunda idade e quando em espírito fui transformada, a beleza e a virtude em mim cresceram, mas para ele não tive nenhum valor, tanto que me esqueceu, atraído por outros encantos. Seduzido por fingidas imagens fugiu do verdadeiro caminho enveredando-se por trilhas tortuosas, onde jamais se alcança o que se espera. Em vão procurei guiá-lo através de sonhos, de insônia mostrando-lhe o caminho do bem; completamente cego, seguiu pelo caminho errado. Sentindo o fracasso de todo meu esforço, para salvá-lo do perigo eterno quis que ele conhecesse o reino dos miseráveis. Foi com esse propósito que desci até ao mundo dos mortos e dirigindo-me ao espírito que lhe serviu de guia, fiz o meu eterno e lacrimoso pedido. As leis divinas teriam sido desrespeitadas se ele tivesse atravessado ou provado as águas do Letes, sem pagar com prantos e dores o preço da sua culpa”.

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