O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 12 de agosto de 2012

O Purg. - CANTO XXXII

Dante olha com amor a Beatriz. No entanto o carro, seguido pela procissão dos bem-aventurados se move em direção a uma árvore elevadíssima e despida de folhagem. O Grifo ata o carro à árvore e esta logo cobre-se de flores. O Poeta adormece. Ao despertar vê Beatriz rodeada das sete damas, sentada ao pé da árvore. Acontecem depois, no carro, fatos maravilhosos que causam ao Poeta, surpresa e medo. Texto do Tradutor.

"Onde está Beatiz?..."

Com ansioso olhar saciava eu a sede que desde aos dez anos me abrasava a ponto de desaparecer dos meus outros sentidos qualquer ação. Como entre muralhas, meu olhar mergulhado no seu sorriso e nos laços que outrora a ela me prendiam, estavam indiferentes a tudo. Fui tirado repentinamente desse êxtase pelas vozes das três damas que ao me lado diziam: “Tens a mente contemplativa demais; observe ali!” Virei-me, mas nada conseguia ver, pois tinha os olhos ofuscados pelo mesmo efeito causado a quem ao sol diretamente olha. Quando a pouca luz fiquei acostumado, - digo pouca luz, comparando ao deslumbrante clarão do olhar de Beatriz - vi que para a direita voltava o triunfante exército, estando à frente os sete candelabros e o flamejante sol (Beatriz). Como esquadrões que antes de retornar erguem a bandeira, mas não prosseguem, e apenas girando mudam de direção, assim a celestial milícia seguiu desfilando, antes que o carro começasse a se mover. Pelas damas, cada roda estava protegida; e o Grifo a santa carga levando, apenas agitava as plumas levemente. Aquela que pelo rio me arrastara, Estácio e eu acompanhávamos o carro pelo lado onde à roda dá a menor volta. Íamos caminhando pela extensa floresta que solitária era, por culpa daquela que acreditou na serpente. Pelo ritmo dos cânticos regulávamos nossos passos. Tínhamos caminhado à distância de três vezes uma seta disparada, quando Beatriz desceu do carro; e murmurando, o santo cortejo disse: ”Adão!” E todos se aproximaram de uma árvore totalmente desprovida de flores e folhas; (a árvore do bem e do mal, cujo fruto Adão comera; pelo que foi expulso do Paraíso Terrestre) seus ramos eram mais longos à medida que eram mais alto; prodígio que deveria causar espanto aos próprios índios acostumados com grandiosas árvores. Ao redor daquele enorme tronco, cantou a procissão: “Glória a ti ó grifo, que por estares isento de culpa não provaste o doce sabor de seus frutos, que causou tanta dor e tormento”. E o grifo respondeu: “Assim, justo é que permaneça para sempre onde está”. Depois, voltando ao carro que fora conduzido pela floresta, levou até ao velho tronco que dele faz parte, deixando nele atado.

Quando, após o luminoso signo dos Peixes o Sol surge poderoso juntando seus raios aos dele, antes mesmo de ter com a estrela se encontrado, espalha sua brilhante luz sobre as plantas fazendo, rapidamente, brotar as flores com suas cores renovadas, assim subitamente cobriu-se de flores aquela seca árvore, com variações de cores entre o rosa e o violeta, formando abundante copa. Então, um cântico escutando como na Terra foi cantado, não pude resistir a tão suave melodia. Se eu pudesse narrar como se fecharam os olhos do impiedoso Argos ao ouvir o doce cântico Sírius, (como adormecendo se fecharam os olhos de ao ouvir o canto de Mercúrio a respeito de Sírius) e por este demasiado sono alto preço pagou, e me visse assim nesse estado de profunda sonolência, julgaria ter sido igual; mas julgue-o quem souber qualificá-lo.

Passo a narrar então, do momento em que fui despertado por intenso fulgor ao mesmo tempo em que ouvia dizer: “Desperta! Que fazes?” Como João, Pedro e Tiago foram levados a ver se cobrir de flores a macieira cujo fruto é oferecido nas bodas eternas e aos anjos extasia, e depois da prostração fortificaram-se ao ouvir a voz que despertou sonos mais profundos; e ao se reanimar perceberam o Mestre acompanhado de Elias e Moises enquanto tinha as vestes iluminadas, (como os apóstolos João, Pedro e Tiago, ao assistirem à transfiguração de Jesus Cristo no monte Tabor e ao vê-Lo em companhia de Moisés e Elias, desmaiaram, e despertando depois O viram em sua forma natural havendo os dois profetas desaparecido), assim eu; ao ser despertado por forte esplendor olhei ao redor e vi próximo ao rio, sobre a relva e as flores, a dama que me guiou até ao bosque. Envergonhado, perguntei-lhe: “Onde está Beatriz?” Matilde me respondeu: “Vês! Está sentada à sombra da renovada árvore, sobre as raízes e rodeada pela sua corte. Seguindo o grifo, todos os outros ao Céu subiram, acompanhados pela mais doce e sublime canção”. Não sei dizer se ele continuou falando, pois tinha diante dos meus olhos, aquela em quem meus pensamentos mergulharam. Sentada sobre o abençoado chão, sozinha, como se estivesse ali guardando o prodigioso carro que o grifo deixou amarrado ao velho tronco. Ao seu redor formando lindo círculo, estavam sete ninfas que seguravam os candelabros, ficando assim protegidos do Austro ou do ruidoso Aquilão (Ventos fortes e perigosos).

“Permanecerás nesse bosque por pouco tempo, pois irás comigo à morada eterna, essa Roma onde Cristo reina. (O Paraíso). Observa bem o carro, e atento a cada acontecimento guarda-o na memória, para depois ser descrito, e ao mundo apresentado”. Assim falou Beatriz; e tendo eu posto aos seus pés o entendimento e o querer, para o carro voltei o olhar e o pensamento.

Vindo dos longínquos extremos do espaço com tanta rapidez não rasga o raio a espessa nuvem, como pelo meio da alta ramagem destruindo casca, folhas e flores, surgiu feroz águia (A águia simboliza o Império Romano) lançando-se contra o carro, que pelos golpes tomba, qual navio atingido por fortes ventos e ondas. Em seguida vi uma raposa como que enlouquecida pela fome, lançar-se para dentro do carro. (A raposa simboliza as que ameaçavam a Igreja.) Acusando-lhe a vida criminosa Beatriz, dali expulsou-a; e a raposa fugiu com tanta velocidade quanto era a sua magreza. Depois de ter atacado o carro, a águia retornou por onde havia descido deixando nos assentos do carro grande parte de suas plumas. (Provavelmente Dante se refere ao poder temporal concedido por Constantino à Igreja de Romana.) E, igual a gemido que no peito a dor produz, ouvi uma voz vinda do Céu que dizia: “Ó minha barca, que péssima carga te impuseram agora!” Então, pereceu-me ver que por entre as rodas a terra se abria dela surgindo terrível dragão, que com o ferrão de sua longa cauda perfura o carro; em seguida esticando e retorcendo-a arranca o fundo do sagrado carro, e sai se arrastando, igual a terrível serpente. Como em terra fértil renasce a relva, assim o que restou do carro cobriu-se das plumas da águia, talvez ali deixadas com a pura intenção de protegê-lo. Igualmente se cobrem com as plumas o leme e as rodas, mais rápido do que um suspiro para chegar aos lábios. E em vários lugares daquele santo carro, assim transformado, sugiram cabeças; três no leme e outras quatro estavam colocadas uma em cada canto. As três primeiras tinham chifres como os de boi; As outras possuíam apenas um chifre. Monstros iguais jamais foram vistos. (Nesta descrição Dante imita as do Apocalípse e pretende simbolizar os funestos efeitos provocados pelas riquezas oferecidas à Igreja. As sete cacças do monstro simbolizam os sete pecados capitais originados pela corrupção). Em pé sobre o carro qual rochedo em alta montanha, estava uma meretriz nua (a Cúria Romana) cujo sensual olhar, ao redor volvia. E como para que não pudesse ser dali arrebatada, ao lado estava um gigante, com quem trocava indecentes beijos. E a torpe amante requebrava os olhos para mim; e o barrigudo gigante percebendo suas insinuações, feroz a espancava da cabeça aos pés. Depois, incendiado de ciúme e ira retirou-a do carro e para o bosque a conduziu tão depressa, que rapidamente desapareceram a prostituta e o mostro infame.

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