O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O Purg. - CANTO XXXI

Beatriz continua repreendendo Dante, o qual, confessa os seus pecados. Matilde o mergulha, então, no rio Letes. Depois as sete damas que participavam da procissão (as quatro virtudes cardeais e as três virtudes teologais) o levam até Beatriz, pedindo a ela que se desvele diante do seu fiel. Beatriz tira o véu. Texto do Tradutor

"Diz a verdade, diz!..."

“Ó tu, que estás diante das sagradas águas”, continuou Beatriz a falar agora diretamente a mim, com palavras que antes já fora suficientemente doloroso; dizia: “diz a verdade, diz! É necessário que a culpa esteja unida à confissão do culpado”.

Tanto me foi torturada a mente, que a voz desapareceu na garganta. Ela então esperou que eu me recuperasse e continuou: “Que estás pensando? Em responder-me que ainda não fizeste apagar na água as lembranças do passado deplorável?”

No meu espanto, travado pelo temor, trêmulo, respondi um tão confuso “sim” que foi necessário manifestá-lo também através de um movimento de cabeça. Assim como, estando o arco esticado em excesso a ponto de romper-se a corda, a flecha chega ao alvo mas sem a força do arremesso, assim estava minha alma; perturbada ao extremo, me fez romper em lágrimas e soluços, fazendo-me perder totalmente a voz.

E ela continuou: “Se tivesses obedecido às inspirações enviadas a ti por mim como farol que ao bem te conduzisse – se era isso teu desejo – onde estariam os obstáculos que pudessem impedir seus passos? Quais as correntes que retiveram teus passos não permitindo trilhar o caminho do bem? Quais foram os encantos que em outros te prenderam e delícias que tanto te atraíram, a ponto de envolver tua alma, assim?”.

Do peito, amargurados suspiros me saíram. Conseguindo um pouco de ânimo, com a voz embargada pelo pranto respondi: “O engano, o fingimento, me encaminharam ao prazer mundano nublando assim em meu pensamento, tua lembrança”.

Respondeu-me: “Se tivesses ocultado teu pecado, a gravidade da culpa aumentaria perante Aquele que tudo vê e por quem deves se julgado. Mas, se o pecador confessando se sentir arrependido do mal praticado, a justiça divina torna-se mais branda. No entanto, para que sintas vergonha dos teus erros e no futuro, ao ouvir sereias, não voltes a proceder da mesma forma, esquece o motivo do teu pranto e escuta-me: Verás que, mesmo tendo deixado a vida terrena, eu te guiei te conduzindo pelo bom caminho. Jamais a arte ou a natureza te mostrou tanto encanto quanto a formosura do corpo que eu habitara, e que agora está transformado em pó. Se por teu sublime amor quiseste ter baixado comigo à sepultura, como foi possível te deixar seduzir por outros amores menores? Sentindo estar sendo assaltado por tais enganos, deverias ter elevado o pensamento aos céus, até que minha imortalidade te elevasse às alturas e não, baixar do voou em que subias, te expondo a novos perigos atraído por vaidades passageiras. O pássaro inexperiente será duas, três vezes iludido pelo caçador, mas a ave adulta foge, ao perceber a armadilha ”.

Como um menino que a mãe por longo tempo o repreendendo baixa a fronte em silêncio e envergonhado reconhece o erro cometido, tal eu me encontrava, E ela continuou: “Se estás magoado por me ouvir levanta a barba; olhando-me, hás de te sentir mais castigado ainda!” (Beatriz disse “barba” e não “semblante”, querendo se referir a idade adulta de Dante). O vendaval da Europa ou o tufão vindo da terra que a Jarbas obedecia (o frio vento austral ou o vento meridional que sopra da África, terra onde reinou Jarbas), com maior resistência abateria o altivo carvalho, do que à mim as suas palavras. Quando ela disse “Barba” e não “semblante” e ao erguer o rosto, pensativo, percebi a ironia e o que a motivara. Então, ao erguer os olhos compreendi rapidamente que a multidão dos radiantes anjos, não mais lançavam flores ao ar. Voltei o olhar tímido para Beatriz; ela voltara a fitar o grifo, que em uma única pessoa encerrava duas naturezas. Assim, distante do rio sob o véu e a coroa, sua formosura ultrapassava em muito a que possuíra em vida, ela que em vida fora, entre todas, a mais formosa, E a dor e o remorso me fizeram ver que, das coisas que eu mais amara no mundo odiei-as, como se minhas inimigas fossem. E tal dor e o remorso torturaram-me tanto, que tombei vencido; como me senti, sabe somente quem já sentiu dor igual.

Quando as forças me foram recuperadas, notei ao meu lado aquela dama que por primeiro vi colhendo flores no bosque, dizendo-me: “Apóia-te em mim”. Então me levou até ao leito do rio fazendo-me mergulhar até ao pescoço, e correndo sobre a água, arrastou-me junto. Já próximo à sagrada margem ouvi cantar o Asperges me, tão suavemente, que não consigo descrevê-lo, mesmo que eu queira. De repente Matilde abre os braços e segurando-me pela fronte rapidamente afundou-me. Necessário era que eu bebesse daquela água. Assim purificado, ela me conduziu até as quatro damas que ainda bailavam e cada uma delas abraçando-me cantavam “Aqui, cada uma de nós ninfa é, mas nos céus somos estrelas; até mesmo antes que Beatriz descesse ao mundo, suprema ordem nos elegeu suas servas; poderás fitar os seus olhos, porém deverás ter teu próprio olhar preparado para suportar sua intensa luz. E Isso deverá ser feito pelas três damas cuja virtude é mais elevada do que a nossa”. E na harmonia da angelical canção consigo me levaram diante de Grifo, Lá estava Beatriz voltada para nós. Disseram-me as ninfas: “Sacia-te em contemplar as esmeraldas de onde partiram as agressões que por amor tanto te magoaram”. Mil desejos mais ardentes do que a chama, prenderam os meus aos seus formosos olhos, que permaneciam na adoração ao grifo; e em tal momento eu via refletidos nesses lindos astros, como em espelho, o Grifo se alternando em duas naturezas. Qual não foi meu espanto, Leitor, vendo na imagem o ser transmutado, e no aspecto permanecendo o mesmo? E enquanto meu espírito entre prazer e pavor deliciava-me naquele divino manjar que, ao mesmo tempo em que sacia é sempre mais desejado, as três damas, demonstrando pelos seus gestos pertencerem a mais alta categoria celestial, dirigiram-se à Beatriz cantando de maneira angelical: “Ó Beatriz, volta teus santos olhos ao leal servo que para te ver difíceis passos, caminhou. Nós receberemos como graça especial, que o fiel amante contemple neste divinal semblante, sem véus, tua segunda formosura”.

Ó resplendor da luz eterna e pura! Quem à sombra do Parnaso tenha encontrado doçura em sua alma por beber em sua fonte inspiradora atordoado não ficaria como eu, ao tentar descrever tal como te contemplei, quando o céu te cercando de harmonia, ao ar tua face revelaste?

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