O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 19 de setembro de 2010

O Inf. CANTO XXXIII


O conde Ugolino della Cherardesca conta a Dante a sua trágica morte na torre dos Gualandi. Na Ptoloméia o poeta encontra Frei Alberico de Manfredi, o qual lhe explica que a alma dos traidores cai no inferno logo depois de consumada a traição e que um diabo toma conta do corpo até chegar o tempo do seu fim no mundo.

Texto do Tradutor.


"Torre da fome"...

Na cabeleira do crânio que acabara de roer o feroz pecador limpava os restos do violento alimento que comera. “Queres renovar em mim a dor que só em pensar me dilacera o coração”; - começou ele a falar - “porém, se o que eu disser for semente que brote infâmia ao traidor que acabo de devorar, mesmo debulhado em lágrimas, falarei. Não sei quem és, pois não consigo enxergar tuas feições; e nem sei como aqui chegaste; porém ouvindo teu modo de falar, sou forçado a acreditar que és um florentino. Deves saber que fui Conde Ugolino e este que acabo de devorar foi o Arcebispo Rogério. Narrar como fui traído pela confiança que nele depositava, não é necessário mas, a razão para o meu cruel destino, te direi. Preso e levado ao cárcere lá fui morto por maldade deste infame. Não conheces porém a atroz tortura que antecedeu ao meu fim. Estejas bem atento ao que vou expor e saberás se alguém já foi tão cruelmente torturado”. (O Conde Ugolino della Gherardesca, de Pisa, foi acusado pelo arcebispo Ruggiero delle Ubaldini de ter traído sua cidade natal. Ficou preso numa torre com dois filhos e dois netos, onde todos morreram de fome).

“Muitas vezes, na torre que depois passou a ser chamada “Torre da Fome”, por pequena fresta eu via passar muitas luas; numa dessas noites quando estava a luz da lua em pleno crescimento, em horrível sonho o véu do futuro rasgou-se como um pressentimento. Vindos do monte que fica entre Lucca e Pisa, vi um lobo e seus filhotes a correr. Logo atrás, magros, ágeis, e ferozes cães incitados eram, pela família dos Galandis, Sismondis e Lanfrancos cujo chefe da caçada era esse aqui. De repente o lobo e seus filhotes cansados, mancando e já muito feridos pelos galgos, pareciam estar em últimas agonias. Ao primeiro clarão do dia acordei com o choro dos meus queridos que comigo estavam e que ainda adormecidos, pediam pão. És cruel, se tua alma não sofrer ao imaginar a dor que me aguardava; se não choras com o que estais a ouvir, que sofrimento há que te comova? Despertaram; já chegava a hora em que nos traziam o escasso alimento. O sonho, a cada um nos aterrorizava. Da horrível torre então se ouviam martelos a cravejarem as portas. Eu, mudo e paralisado, nos filhos encarei; já esmoreciam. Eu não chorava; o peito parecia uma rocha. Eles choravam. Então, Anselmúccio disse: “Do que tens medo pai? Porque nos olha assim?” “Não chorei nem palavra alguma eu disse durante o dia e a noite que seguiu lenta, até que novo dia surgiu. Quando a luz ainda escassa a iluminar o doloroso cárcere se apresentou, pude ver meu semblante nos rostinhos das quatro crianças. Delirante de agonia e ódio mordi minhas mãos; pensando eles ser aquele gesto, efeito da fome, suplicantes disseram: “Menos mal nos será feito pai, se nos comeres; nos vestistes, nos deste a carne e a vida; agora, sirva-se de nós pai”! Contendo-me, evitei não mais entristecê-los. Passaram-se dois dias e todos nós em perfeito silêncio... Ah!... Por que, terra, não te abriste evitando tamanha desgraça?... No quarto dia, a luz do sol clareou o ambiente do cárcere. Caddo, caiu-me aos pés desfalecido, os lábios murmurando: “Pai, socorra-me!”. E morreu. E assim como me estais vendo agora, enlouquecido me senti ao presenciar, durante o quinto e o sexto dia um a um, os três, morrerem de fome! Apalpando procurei seus corpos! Não enxergava! Estava eu cego. Durante vários dias, repeti seus nomes, até que a agonia da forme, pior que a agonia da dor, acabasse comigo.”

Após essa terrível narração calou-se; depois furioso e com os olhos revirados com antes, cravou os dentes no crânio do maldito; e igual a cão faminto o foi destruindo.

Ah! Pisa! És a vergonha dos que habitam a bela Terra onde seus corpos repousam! Por que os povos vizinhos são tão lentos, em ti punir, Depressa se movam Capraia e Górgona (ilhas, na foz do Arno) fechando-te a foz do Arno à saída, a fim de que teu povo pereça sob as águas represadas! E se ao infeliz Ugolino foi atribuído a traição de entregar sua pátria aos inimigos, por que, de modo tão cruel tirar a vida dos seus filhos? Oh! Nova Tebas! Pela tenra idade Ugoccione e Brigata inocentes eram, assim como os dois irmãos, para com quem usaste tamanha ferocidade!

Seguindo mais adiante – na Ptoloméia, encontramos outros que, encravados no gelo, padeciam duro sofrimento. Tinham eles as cabeças pendidas para trás, impedindo-lhes que o pranto da dor rolasse pelas faces; ficando ela reprimida, transformava-se em gelo que obstruía toda a cavidade interior dos olhos.

Com a intensidade do frio meu rosto tornara-se insensível; mesmo assim, desde que a essa eterna geleira cheguei, percebi como sendo um sopro ou branda aragem, a me tocar as faces. Curioso, perguntei: “Mestre, qual a origem deste leve vento? Se aqui não há vapor de ar, de onde ele vem?”. (Naquela época, acreditava-se que o vento era produzido pela evaporação da Terra; se a luz e o calor do Sol não chegavam ao fundo do Inferno, não poderia haver evaporação). Respondeu-me o Mestre: “Irás aonde teus próprios olhos resposta correta te darão. E ali chegando, saberás como é produzido esse suave vento”.

De repente, um dos padecentes que ali estavam nos disse gritando: ”Ó almas cruéis! Ó almas condenadas que no extremo do abismo estais, tirai dos meus olhos essas gélidas camadas e deixa-me chorar até desafogar o peito aflito, antes que eu tenha as lágrimas novamente congeladas”. Respondi: “Se queres que te ajude, diz-me teu nome; e se eu não cumprir o que estou prometendo, seja eu retirado desse lugar gelado onde estou e levado ao abismo infernal onde estás”. Logo me respondeu: “Sou frei Alberto; pelos famosos frutos do meu amaldiçoado pomar, aqui recebo tâmara, quando me prometeram figo”. (Frei Alberto Manfrede, de Faenza; convidou dois parentes, para comerem em sua casa; no fim do jantar, ao pedir que trouxessem as frutas, os criados entraram na sala e mataram os hóspedes.) Exclamei surpreso: “Oh! Então morreste!”.

Respondeu-me: “Não sei; não sei se meu corpo está vivo lá no mundo, nem como ele está. Essa relação entre alma e corpo, pelas regras da Ptoloméia, é muito freqüente. Pode a alma estar (das três Parcas; a que cortava o fio da vida humana.) E para que estas vitrificadas lágrimas sejam por ti prontamente removidas te direi como isso acontece a quem, como eu, tem a mente corrompida pela traição. No momento exato do ato o corpo do traidor passa a pertencer ao demônio que o governa, até o último momento de vida, quando na terra a lúgubre sepultura alívio dá ao corpo, cujo espírito já esteja aqui trêmulo a padecer. Se recém-chegado és, fiques sabendo que esse traiçoeiro que ali está, se envolveu em infernal confusão há muitos; é Bianca d´Ório”. (Genovês que convidou o sogro Miguel Zanche a jantar em sua casa, armando-lhe uma cilada: matou-o para ficar com o castelo de Logodoro.) Respondi: “Este é mais um de seus enganos; Bianca d´Ório desfruta alegremente da vida; come, bebe, dorme e veste roupas”. Então ele continuou: “Não é a de Miguel Zanche, porque sua alma está na negra caverna em Malebolge, submersa no viscoso piche; e esse criminoso aqui, deixou entrar no seu corpo um demônio; o mesmo acontecendo a um seu parente que na traição foi sócio, tirando disso grande proveito”. Depois gritou: “Agora, presta clemente auxílio com tuas mãos abrindo-me os olhos!”.

Mas nada fiz pois compreendi haver cometido grave erro ao querer tratar com cortesia, tal bandido.

Ah! Genoveses! Raça impura e avarenta que nas ações tem tamanha mancha! Quem, da face da terra vos extinguirá? Vi, entre o pior espírito da Romanha um tão grande traidor, que sua alma no Cocito já se banha, enquanto no mundo, seu corpo, vivo está!

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