O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 6 de maio de 2012

O Pug. - CANTO XV

Caindo a noite, os dois Poetas chegam ao terceiro compartimento. Aí Dante, em êxtase, vê exemplos de mansuetude e misericórdia. Voltando a si, encontra-se imerso num fumo que obscurece o ar e impede a visão.Texto do Tradutor.

“Vinde por aqui..."

A esfera luminosa que está sempre se movimentando igual a uma criança, já havia percorrido seu caminho no espaço, desde a aurora à terça hora. Igual tempo, ele espera para terminar o dia e dar entrada a noite. (Faltavam 3 horas para o ocaso, pois o Poeta percebe que deveria transcorrer tanto tempo para o pôr do Sol quanto transcorre entre o princípio do dia até a hora terça.) Lá era o instante das vésperas; aqui meia-noite.

Prosseguindo em torno à montanha íamos cainhando em direção ao poente, o que fazia com que eu estivesse com a face banhada pela luz do Sol. De repente essa luz se tornou muito mais resplandecente do que antes, ofuscando-me a visão. Estarrecido fiquei, ao sentir a ação desse prodígio; então por alguns instantes ergui as mãos cima dos olhos para protegê-los melhor do excesso desses deslumbrantes raios. Como um raio de luz indo de encontro a um espelho ou água límpida segue em direção oposta subindo em linha vertical logo após ter baixado e mantendo sempre a mesma distância, conforme nos ensina a ciência e a experiência, assim a luz que estava em frente a mim se refletia tão penetrante em minha vista, voltei-me para um lado, dela desviando o olhar.

Então, ao Mestre amado perguntei: “Quem é esse que me ofusca tanto e parece vir ao nosso encontro?” Respondeu-me: “Ainda que sua luz prejudique tua visão, não fique assustado. É um mensageiro celestial que vem falar-te. Ao veres serás envolvido por tão imensa felicidade, quanto é possível ser concedido à criatura humana”.

Aproximando de nós, disse alegremente o anjo: “Vinde por aqui; certamente que por essa escada, a subida será menos penosa”.

Íamos andando quando ouvimos atrás de nós um coro a cantar em voz tristonha ‘Beati misericordes!’ E o ‘Exulta na gloriosa vitória!’ Continuávamos subindo, o Mestre e eu; pela oportunidade de estarmos a sós, procurei tirar proveito de seus conhecimentos perguntando: “Mestre, o que quis dizer Guido del Duca quando se referia aos que se negam a compartilhar?”

Respondeu-me: “Conhecendo agora os danos que seu pecado pode causar não se admire se o condenado passar a te prevenir sobre as consequências da prática do mal; e a inveja é um dos que conduz a intranqüilidade; para aquele que deseja somente os bens terrenos, a partilha não interessa porque, sendo esses bens divididos entre muitos, a parte que compete a cada um é menor do que se fosse somente de um deles. Mas, se o desejo é voltado para os bens celestiais, para o amor divinal, esse temor desaparece. Então, quanto mais se aperfeiçoa no amor, quanto mais esses bens celestiais são compartilhados, tanto mais ventura e felicidade cabe a cada participante”.

Então eu lhe disse: ”Agora compreendo menos do que antes de te haver perguntado e mais dúvida me vem à mente. Como pode, um bem que é compartilhado por muitos, produzir maior riqueza a cada um que dele se apossa, do que se aquele bem fosse dividido entre alguns poucos?” .

Respondeu-me o Mestre: “Estando teu espírito submerso nas coisas terrenas, vê trevas onde há luz intensa. Esse inefável bem vindo do infinito céu, procura atingir a criatura humana assim como um raio de luz procura atingir um corpo polido que o reflita. Quanto mais intensa for, a chama do amor na alma, mais essa chama a envolverá e sobre ela se espalhará a virtude eterna. E quanto mais o ser humano for se elevando espiritualmente, mais a capacidade amar vai aumentando e sendo distribuído, assim como espelhos um nos outros se refletindo. Se as dúvidas continuarem persistindo em ti, ás de falar com Beatriz; na sábia mente encontrarás a razão que tudo explica. Para que sejam apagadas as cinco marcas (os cinco Ps, que Dante tem na testa) que ainda estou vendo em tua fronte é preciso que sintas profundo arrependimento dos teus pecados” .

Quando eu ia dizendo “Começo a compreender!” eis que, imediatamente, num outro círculo acima entramos. Calei-me, e ansioso olhava para todos os lados a procura de novidades. De repente me encontrei em um templo onde grande multidão orava. Na entrada estava meiga senhora com piedoso semblante dizendo – “Ó filho meu querido, por que assim procedeste? Eu e teu pai, com a alma dolorida te procurávamos”. (Maria, mãe de Jesus que, tendo perdido seu filho e encontrando-o depois de três dias, o repreende com meiguice.) Assustado pensei tratar-se de um rapto; mas, assim como aquela visão apareceu logo me fugiu dos sentidos. Depois vi outra senhora em cujo rosto molhado de lágrimas demonstra mágoa e ira, assim dizendo – “Se és senhor da cidade, por cujo mandato os deuses se combateram entre si e onde a luz da ciência irradia, ó Pisístrato, castiga os ímpios braços que se atreveram a abraçar nossa filha!” (a mulher de Pisístrato, príncipe de Atenas, pediu ao marido vingança contra um jovem que abraçara publicamente, a filha.) E ele, a quem tais vozes não comoveram, respondia tranquilo – “Se, com quem nos ama e demonstra esse amor devemos corresponder com tal ira, o que faremos então com aqueles que nos querem mal?” Depois vi uma multidão que assassinava com pedradas a um jovem, bradando cheia de ira – “Morra! Morra!” E o martirizado já muito ferido, debruçava a dolorida fronte sobre a terra; e, voltando o olhar ao céu, naquele horrível sofrimento, suplicava a Deus que perdoasse aqueles perseguidores. Depois, com um sorriso piedoso, fechara os olhos para sempre. (Santo Estevão, que foi apedrejado pela multidão.) Quando então em minha alma o êxtase se desfaz, reconheci que naquela visão aparecia não ficção, mas a face da realidade. E o Mestre que me via como se eu estivesse acordando de pesado sono, me perguntou:

“Que está acontecendo contigo para caminhares assim vacilante? Por mais de meia légua, vens andando cambaleante e olhos baixos, como quem tivesse bebido vinho ou estivesse com muito sono”.

Respondi: “Meu bom Mestre, vou te contar tudo o que meus olhos e ouvidos contemplaram enquanto me vias com os joelhos enfraquecidos”.

Disse Virgílio: “Ainda que estivesses com a face oculta sob centenas de máscaras, não terias conseguido me ocultar os pensamentos que ainda há pouco te enlevaram. As imagens que vistes te induziram a receber na alma águas da fonte perene enviadas pelo amor Divino, para melhor compreenderes os desígnios eternos. Não perguntei ‘que está acontecendo contigo’ como quem somente vê com os olhos da matéria; mas sim, para acelerar teus passos, pois cumpre assim incentivar os preguiçosos que se negam a uma atitude rápida, mesmo estando acordados”.

Caminhávamos apressados a tarde toda, estendendo o olhar para o mais distante possível, mas, procurando evitar que os raios luminosos do Sol impedissem nossa visão. Foi então que uma fumaça intensa se elevando, condensou-se à nossa frente, qual noite escura, nos impedindo a visão e encobrindo-nos totalmente.

Não tem figura

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