O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Pug. CANTO XVI

Sempre ao lado de Virgílio, Dante continua a viagem. Denso fumo envolve os iracundos. Entre eles está Marco Lombardo, o qual lamenta os tempos, que eram bons e agora ficaram maus. Dante pergunta de que depende essa mutação, e Marcos responde que a corrupção dos tempos novos do mau governo do mundo e especialmente da confusão entre poder espiritual e o poder temporal. Texto do Tradutor.

“Cuidado para que não te afastes de mim”.

A fumaça que nos rodeava era mais espessa e tenebrosa do que as sombras que eu vi no Inferno. Coisa tão terrível jamais fora lançada sobre meu rosto. Tinha eu os olhos totalmente fechados. O meu fiel e diligente amigo vindo em meu auxílio, em seu ombro deu-me guarida. Qual cego que vai acompanhando seu guia para não se desviar do caminho, se chocar com algo que venha a machucá-lo ou que possa provocar a morte, assim no meio daquela escuridão, seguia eu atento o Mestre, que repetia: “Cuidado para que não te afastes de mim”.

Então ouvi vozes; parecia-me que suplicavam misericórdia ao Cordeiro de Deus que às culpas dá alívio; (Jesus, símbolo de mansidão, virtude contrária ao vício da ira.) Letra e melodia guardavam perfeita consonância entre si. Perguntei: “Por quem essa oração que ouço é cantada?”. Respondeu-me o Mestre: “Desse modo, através da oração tranqüila e calma, é diminuída a culpa da ira”.

“Quem sois que fendeis a névoa e falais sobre nós qual criatura viva a calcular o tempo pelo calendário?” Falou uma das vozes. Disse-me Virgílio: “Responde e pergunta se por aqui, se pode subir”. Então falei: “Ó alma que implora a graça de ir pura e bela para junto d’Aquele que te criou, se me seguires ouvirá maravilhas”. Respondeu-me: “Irei até onde me for permitido; e como através da fumaça não conseguimos nos ver, iremos conversando porque assim nos manteremos próximo um do outro”.

Comecei a falar: “Meu espírito ainda está coberto por aquela veste que a morte usa despir. Estou subindo desde as profundezas infernais. E se Deus, Suprema bondade, me permitir que eu chegue a ver a Sua Corte por este meio tão estranho, diz-me quem foste antes de morto e, qual o melhor caminho para a subida; assim, conversando, poderemos acompanhar teus passos”.

Respondeu-me: “Fui Lombardo e meu nome era Marcos. (Marco, de Veneza; conhecido pelo nome de Lombardo, homem sábio e prudente.) Conheci o mundo e amei os feitos honrosos os quais hoje ninguém mais dá valor. Para subirdes deveis ir trilhando pelo melhor caminho que encontrar pela frente”. Falou-me assim e acrescentou: “E rogo que intercedais por mim ao chegardes ao alto”. Logo repliquei: “Quanto me pedes prometo fazer, mas encontro-me oprimido por dúvida que desejo seja desfeita. Antes era simples; mas ouvindo tuas palavras aqui e outras ali, tiveram elas para mim duplo sentido. Dizes que o mundo está vazio de virtudes; e tens razão de sobra quando lamentas cheio de maldade e coberto por vícios. Peço-te, porém que me esclareça os motivos que o levaram a tão mísero estado, se tens conhecimentos deles, para que eu possa revelá-los a outros. Alguns dizem que ser a vontade Divina, outros que vem da maldade humana”.

Então um suspiro dolorido, escapa-lhe do peito. E continuou: “Irmão, que o mundo é cego, ouvindo-vos bem se percebe. Vós os vivos, julgais que o Céu é o autor de todas as causas, como se por ele tudo fosse determinado. Desta forma, se assim realmente fosse, desaparecendo no homem o livre-arbítrio, portanto não sendo ele responsável pelos seus atos, não seria justo aplicar-lhe prêmio ou castigo. É verdade que as primeiras inspirações para vossas ações vêm do alto, da permissão divina. Não digo todas, pois isso não se refere às más ações; mesmo que assim fosse, tendes a luz da razão que vos faz diferenciar o bem do mal. Sendo livre para escolher, quem não se cansa e em seu querer prossegue, alcança a vitória e com o auxílio do Céu tudo vencerá. A Natureza mais poderosa vos domina e vos concede o raciocínio para que usando-o, não fiqueis sempre dependentes da vontade do Céu. Se, mesmo assim, o mundo se desviou do bom caminho, a causa está em vós. Disto, explicarei fielmente o que acontece: Das mãos do Criador surge a alma que, mesmo antes de sua existência já era por Ele amada; no instante em que foi criada, conhecendo apenas o amor do Deus, suprema alegria, ingênua e simples busca tudo que lhe dá prazer e qual criança inocente ora ri ora chora. Então, se prende a doçura dos mais frívolos prazeres, desviando-se, se freio não a impedisse de afastar a visão da justiça divina. O freio consiste nas leis. Portanto, leis existem; mas não quem as cumpra. Nem mesmo esse pastor que aos mais precede, que rumina essas palavras, mas não lhe nasce a unha fendida. (A comparação deriva da lei mosaica a qual permitia que se comessem apenas, os animais ruminantes e de unhas partidas. O ‘ruminar’, exprime sabedoria e a ‘unha partida’ a ação.) E, vendo o povo que o próprio guia se excede em busca do prazer dos bens materiais segue-lhe o exemplo, nada mais, além disto, desejando. Agora podes compreender que a causa de o mundo ter-se corrompido é o exemplo de má conduta dos governantes e não o enfraquecimento das leis naturais. Roma, que era exemplo para o mundo, tinha dois sóis a iluminar-lhe: o das leis do Estado e o das regras Divinas. Aconteceu que um apagou o outro e se juntaram: do Bispo o báculo e do guerreiro a espada; mal unidos, à força, mal andavam, não se respeitando mais naquela união forçada. Para reforçar o que digo observes a natureza: se a planta pela semente que essa produz. Valor e cortesia em abundância encontravam-se nas terras banhadas pelos rios Ádige e Pó, (a Lombardia e a Marca Trevisana) antes de chegarem, as atitudes de Frederico. (As guerras entre os Papas e Frederico II de Suábia.) Atualmente por ali, os que se envergonhavam de praticar o bem e de fazerem parte da liga dos corretos, podem entrar livremente pela região sem nada recearem. Contudo, ainda existe nesta terra, três anciãos que com seus costumes de vida antiga, se diferem dos novos; brevemente Deus os retirará dessa terra inimiga. São eles: Conrado de Palazzo, o bom Gherardo e Guido de Castal, chamado, segundo o estilo francês simplesmente, o Lombardo. A Igreja de Roma por fundir-se aos poderes antigos, cai na lama, enlodando a si e ao seu pesado fardo”.

Então eu lhe disse: “Marcos, Ouvindo tuas sábias razões, percebo porque partiu de Levi a Lei que exclui seus filhos de qualquer herança. (Segundo a lei mosaica, os descendentes de Levi, isto é, os levíticos – os sacerdotes – não podem possuir bens temporais.) Mas, qual Gherardo trazes à lembrança, que representa a glória e brasão da antiga gente, lançando censura a este século cheio de vícios?”.

Respondeu-me: “Quereis que eu continue a falar ou estais a me enganar! Pois, como posso acreditar que falando italiano, ignorais quem seja o bom Gherardo? Não o conheço com outro nome; por isso dou-vos como indicação o nome de Gaia, sua amada filha. Bem, a partir daqui não posso mais seguir convosco; Deus vos acompanhe! A fumaça já está menos densa e o dia clareando; devo voltar, pois o anjo está preste a se apresentar”.

Depois, afastou-se, sem nada mais querer ouvir.

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