O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 19 de maio de 2012

O Pug. CANTO XVIII

Virgílio continua a falar sobre o amor. No entanto as almas dos preguiçosos vão passando diante dos Poetas, lembrando exemplos de virtude contrária à preguiça e, depois, de punições à preguiça. Uma das almas dá-se a conhecer a Dante. É o abade de S. Zeno em Verona. Dante cai em profundo sono. Texto do Tradutor

“O exagero que há nas perguntas, talvez o canse
”.

Terminando Virgílio de proferir suas explicações, atento me observava para ver se parecia eu satisfeito. E eu que em maior sede de saber me inflamava, calando-me, dizia a mim mesmo: “O exagero que há nas perguntas, talvez o canse”. Mas, meu incansável Mestre que era como um verdadeiro pai, notando meu silêncio e o que o motivava, animou-me logo para que eu perguntasse tudo o que desejava saber. Disse-lhe então:

“Mestre, tuas palavras iluminam tanto meu espírito, que percebo claramente tudo o quanto desejas que eu compreenda. Rogo-te, pois, bondoso e paciente Guia, que me explique a origem desse amor que todo mal e todo bem trás ao ignorante mundo”.

Respondeu-me: “Concentra em mim toda a tua atenção e acende em ti toda a luz que ilumina teu espírito, e ficará para ti bem claro o quanto erra o cego que pretende guiar outro cego. Sendo a alma criada para amar ardentemente corre ao encontro de tudo que lhe dá prazer, se para o amor, despertada se sente. Para que o amor instintivo se torne em ato de amor, teu entendimento recolhe imagens que se prende de tal forma no íntimo que outras almas se sentem atraídas para ela. Se as almas atraídas se entregam, essa entrega é o amor, é a própria natureza que em busca do prazer amoroso, une novamente os seres humanos uns aos outros. E como o fogo que por sua natureza eleva-se às alturas e ao elevar-se tende ao centro onde sua origem mais permanece assim se incendeia a alma pelo desejo, numa ação espiritual que não descansa enquanto não consegue a posse que pretende. Compreendes agora como ultrapassam a meta da verdade aqueles que acreditam e asseguram aos outros que todo amor é, por si mesmo, coisa boa? Geralmente se considera que o amor é sempre bom; mas, toda assinatura é boa ainda que a tinta seja de boa qualidade?”. Respondi: “Te ouvindo com o maior carinho e atenção fico ciente do que pode ser o amor mas, ainda desejo ser esclarecido em algumas dúvidas: já que o incentivo ao amor vem de fora do ser, e se a alma vai de modo natural ao encontro do amor ao ser por ele atraída, essa atitude da alma não me parece que seja ela certa ou errada “.

Respondeu-me o Mestre: “Somente posso te esclarecer o que a razão me concede; no mais, por ser por ato de fé, pedes maiores explicações a Beatriz quando estives com ela. A substância do espírito não depende da matéria, porém, estando unida a ela, guarda virtude específica que somente pode ser sentida quando atua apresentando então o efeito da ação, assim como na planta o verdor indica vida. De onde vem o entendimento das primeiras sensações e os primeiros desejos que até hoje, no mundo o homem está sujeito? São sentimentos tão naturais e instintivos como é instintivo para a abelha preparar o mel; assim sendo, essa tendência que existe em vós de querer amar, não merece nem louvor nem censura; e precisamente por isso é que se faz necessário a permanente vigilância da porta por onde entram na alma, as paixões. De tal princípio é que procede ao merecimento de prêmio ou castigo. Os sábios, (os filósofos) estudando sobre os fundamentos da tendência natural para a liberdade de escolha, deixaram para a humanidade ensinamentos, nas lições de moral. Supondo que o amor surgisse no íntimo do ser por necessidade, mesmo assim tendes o poder de contê-lo pela disciplina, pelo exercício do autodomínio. Beatriz considera esta virtude como sendo livre arbítrio. Quando estiveres com ela, preste bem atenção às suas explicações".

Já era quase meia-noite e a Lua ia surgindo, fazendo com sua claridade desaparecer do nosso olhar os outros astros luminosos. Percorria caminho contrario àquele por onde o Sol vai se pôr e é visto pelos romanos a brilhar entre Sardenha e Córsega. Já havia meu ilustre Mestre esclarecido todas as minhas dúvidas e, estava eu me sentindo aliviado da fadiga do meu corpo, quando fui tomado por tão grande sonolência, que me obscureceu a mente. Subitamente fui despertado dessa sonolência por uma multidão de almas que, em passo acelerado, vinha em nossa direção. E como outrora Ismeno e Asopo (rios da Beocia) altas horas da noite, viram-se cruzados por desesperados e ofegantes tebanos, que suplicavam em altas vozes pelo deus Baco, assim a multidão de caminhantes, impelida por sublime desejo e justo amor, apressava-se por atravessar o círculo; e estava bem próxima de nós, quando vimos dois espíritos que mais adiantados estavam, diziam gritando: ”Maria corre pressurosa para a montanha”; (alusão a Virgem Maria que, logo depois do anuncio do nascimento de Jesus, correu a visitar sua prima Isabel – Lucas; I, 39.) e “Para dominar lérida, César venceu Marselha antes de ir rápido à Espanha”. (Júlio César, com grande rapidez deixa parte do seu exército próximo a Marselha e com a outra parte dirigi-se para Lérica onde vence os outros pompeianos.) Outros clamavam: “Rápido! Rápido, Já! Sem perda de tempo! Que não falte o cuidado em apressar o passo! A graça divina não re floresce na alma preguiçosa!”.

Então a voz do Meu Guia desta forma suplicou: “Ó vós que em tais fervores ides remindo talvez da negligência dos tempos em que no bem não se empenharam, dizei a este que ainda é vivo (na verdade está a ouvi-los) e que pretende continuar subindo assim que surgir a aurora, se fica perto a escada que dá acesso ao alto”. Então um dos espíritos lhe respondeu: “Vem conosco; ela não fica longe daqui. O desejo de cumprir nosso dever nos impede de parar; perdoe-nos por bondade se há descortesia ao andarmos tão depressa. Fui abade de São Zeno em Verona, sob o reinado de Barba-Roxa, o Bom, a quem Milão lembra sem saudades. Alguém que está curvado sob a sepultura, há de em breve ser chorado nesse mosteiro juntamente com o poder com que o tinha dominado; pois em detrimento ao verdadeiro pastor, ali foi colocado um filho aleijado, bastardo e que usa na maldade”.

Não sei se continuou falando ou se silenciou, pois que de nós velozmente se afastou, mas, senti alegria em puder ouvi-lo com clareza e não se esquecer de suas palavras. Disse-me então aquele que me guiava e amparava: “Olha para aqueles dois espíritos que estão postados ao lado da multidão; como repreendem com energia os que se mostram mais vagarosos”. Quando passavam em frente a nós, ouvimos exclamar: “Vamos! Rápido! Foi por preguiça que foram mortos os lentos, não chegando a atravessar o mar quando este se abriu; por isso não receberam a herança do Jordão. (Os filhos de Israel, que pela sua preguiça morreram no deserto, não alcançaram a Terra Prometida). Também morreram os que por preguiça não quiseram seguir o filho de Anquises até ao fim, na árdua fornada e, por seu próprio gosto perderam a fama e a glória”.

Quando aquela multidão já se tinha afastado tanto a ponto de não mais poder avistá-la, de nova inquietação a mente me foi tomada. Depois vieram outras e mais outras e, tanto de uma à outra vagueava que, pouco a pouco foram meus olhos se fechando; então o pensamento foi se transformando em sonho.

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