O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

sábado, 9 de junho de 2012

O PURG. - CANTO XX

Os dois Poetas ouvem uma alma recordar exemplos de pobreza honesta e de generosidade benfazeja. É Hugo Capeto, fundador da casa dos reis de França, o qual censura asperamente os seus descendentes. Ouve-se, no entanto tremer o monte e cantar “Glória in excelsis Deo”.Texto do Tradutor.

“Doce Maria!”

Uma vontade simples não pode vencer uma grande vontade. E isto aconteceu comigo, pois, para satisfazer aquela alma se fez necessário deixar a minha insatisfeita. Com este sentimento segui rápido, os passos do meu Guia que me conduzia pelas extremidades do monte, cautelosamente, como se estivesse caminhando entre parapeitos de castelo. Na parte oposta e mais larga aglomerava-se a multidão de almas, cujas copiosas lágrimas as purificam da avareza atroz que avassala o mundo. Sejas maldita para sempre, velha loba, cobiçosa mais que outras feras e que jamais aplaca a fome! Ó céu a cujo movimento dos teus astros é atribuído as transformações da vida, quando será que essa asquerosa besta, chamada avareza, vai ser escorraçada do mundo?

Subíamos a passos lentos e cuidadosos. Atento, ia eu por entre a multidão que expressava a sentida dor, por lacrimoso pranto. “Doce Maria!” Escutei alguém dizer entre lamentos, igual a uma mulher que sofre dores no parto. E acrescentou: “Foste tão pobre, que deste à luz o fruto santo do teu ventre, em uma humilde hospedaria”. (Na gruta de Belém, onde nasceu Jesus.) E continuou: “Ó bom Fabrício que preferiste ser pobre com virtudes, a viver em opulência viciosa”. (Fabrício, general romano; recusou o dinheiro que o inimigo de Roma lhe oferecia). Ouvindo essas palavras que me agradaram, apressei em me aproximar para ver aquele que as pronunciara. E ele continuava, narrando o ato generoso que Nicolau fizera em benefício das pobres jovens a fim de protegê-las das ciladas dos maldosos. (São Nicolau, bispo de Mira, adotou várias jovens pobres). Disse-lhe então: “Ó alma que tão acertadamente falas, dize-me com sinceridade quem foste tu e por que aqui, somente a tua voz valoriza a virtude? Ficarei grato pela tua resposta; e se eu retornar à vida terrena, me lembrarei sempre de ti”. E ele respondeu: “Falarei, não por esperar consolo que lá da Terra possa vir, mas, pela glória que vejo refulgir em ti, estando ainda vivo. Fui raiz daquela maldita planta que esteriliza o solo da cristandade; se algum dia ela produzir bons frutos, este fato será de causar espanto. Porém, se fosse possível, a Lilla, Bruges, Conai, Grandja, seria aplicada a vingança que rogo a Suma Justiça. Na Terra fui chamado Hugo Capeto, tronco dos Filipes e dos Luíses que dominam a França. Meu pai foi carniceiro. (Segundo a história, Hugo Capeto, filho de um açougueiro, desposou a filha do último rei carvolíngio.) Os velhos reis, deixaram apenas um único descendente que se tinha tornado monge; então o comando daquele reino veio parar nas minhas mãos. Feliz, alcancei muito prestígio, exibia tanto poder e, consegui muitos amigos entre outros povos, Com isso, exigi fosse posta a coroa na fronte do meu filho, iniciando assim a dinastia ungida, desses Reis de França. Meus descendentes, até receberam Provença como dote. (Carlos I de Anjou por casamento, herdou a Provença.) Mesmo sendo comum procederem sem escrúpulos, nada haviam feito de tão vergonhoso. Não satisfeitos com o que possuíam, teve início a roubalheira. Começaram a realizar seus sonhos pela força e astúcia pois, conquistaram o Pontois, a Normandia e a Gasconha. Carlos, entrando na Itália fingindo-se de penitente, vitimou Corradino; triunfante, e como forma de gratidão, mandou aos Céus Santo Tomás. (Carlos I de Anjou conquistou o reino de Nápolis, mandou matar Corradino de Suábia e, segundo narra uma tradição, fez envenenar S, Tomás de Aquino, quando este se dirigia para o concílio de Lião.) Vejo chegar da França, e não vai demorar muito, um outro Carlos, que fama ainda mais sonora dará a si e aos seus. Chega desarmado; porém trás consigo a lança usada por Judas – a traição – tendo a ponta voltada em direção a Florença; segundo seu capricho rasga-lhe o peito. Não ganhará terras mas, pecados e desonras, que hão de se tornar tanto mais graves após a morte, quanto menos importância lhes der, durante a vida terrena. (Carlos de Valois, que foi a Florença em vestes de pacificador e expulsou os Brancos, entre eles estava Dante.) Vejo outro, que sai preso, do próprio navio; e o pai desnaturado venderá a filha, como faziam os piratas com os prisioneiros. Ó avareza! Que mais se pode esperar de ti? Se, a tamanha vergonha submeteste tua própria carne, que não farás com o meu sangue! Mas, para demonstrar que os crimes do passado e presente, praticados pelos meus descendentes são menos graves, afirmo que estou vendo o estandarte da flor-de-lis entrando em Alagini, e fazendo Cristo prisioneiro em seu Vigário. (O papa Bonifácio VIII em 1.303, por decreto de Felipe o Belo, foi aprisionado em Alagni) Novamente sendo injuriado, bebendo fel e vinagre e entre dois ladrões sofrer morte lenta. Vejo o novo Pilatos cuja fúria não tem fim, sem decreto assinado toma posse do Templo, por pura ambição. E suspirandi disse:"Ó Senhor meu! Quando terei a ventura de assistir a justa punição cujo momento trás oculto em ti?”. E voltando-se a mim, continuou: “Quanto ao que, de modo curioso perguntaste, sobre as palavras que eu fervorosamente dirigia à Esposa do Espírito Santo, são as orações que fazemos enquanto é dia; mas, quando a sombra da noite principia, lembramos exemplos contrários. Recordamos e condenamos Pigmaleão que por sua sede pelo ouro, se tornou traidor, ladrão e parricida (matou a traição seu Siqueu para roubá-lo). E a miserável condição a que ficou reduzido Mida; pelo insensato desejo, tornou-se escárnio do mundo (rei mitológico; recebeu o poder de transformar em o ouro tudo o que tocasse; morreu de fome). Lembramos a louca atitude de Acam, que roubou os despojos; amedrontado fugiu com medo da ira de Josué (guerreiro israelita; depois da conquista de Jericó, desobedecendo as ordens de Josué escondeu o que saqueou e foi condenado à morte). Falamos sobre Safira e seu marido e louvamos o mau fim de Heliodoro.(Safira e seu marido Ananias, querendo roubar o dinheiro pertencente à comunidade cristã, foram fulminados. Heleodoro entrou no templo de Jerusalém para roubar mas foi expulso a patadas, por um cavalo). E por todo o monte ecoam brados contra aquele que tirou a vida de Polidoro (Polinestor rei da Tárcia, matou a Polidoro, filho de Priamo, para roubá-lo). E exclamou:“Ó avarento Crasso, dize-nos agora: qual é o sabor do ouro?” (Crasso, romano muito rico e avarento).Depois continuou: "Esses exemplos são ditos por todos nós em coro; alguns em altas vozes outros murmurando, de acordo com sentimento de cada um mais forte ou mais fraco. Portanto eu não era o único a exaltar o bem que é próprio do momento do dia como lhe expliquei mas, perto de mim não havia outro que o fizesse com tanto ardor”.

Já havíamos nos afastado aquela alma e íamos caminhando, fazendo enorme esforço para vencer a íngreme altura que adiante surgia quando, de repente senti tremer o monte! Aterrorizado senti no peito meu o coração se esfriava , qual réu que pálido, se arrasta para a morte. Nem Delos estremeceu tanto, quando Latona a preferiu por ninho ao dar à luz seus dois filhos divinos. (Dalos, ilha do mar Egeu. Segundo a mitologia era instável, antes que ela se estabelecesse Latona que deu à luz seus filhos gêneos, Apolo e Diana). De toda a parte então um brado ressoou e tão forte que o Mestre a mim se voltando diz: “Não há perigo; teu Guia te protege”! Quando foi possível distinguir as vozes no lugar onde havíamos chegado, consegui perceber que estava sendo entoado o Gloria in excelsis Deo!, (É o canto dos anjos na noite em que Jesus nasceu). Ficamos quietos como os pastores ao ouvires aquele canto pela primeira vez.

Depois seguimos pelo santo caminho vendo as almas prostradas sobre a terra, sempre a verter o costumeiro pranto. E se a memória não falha, jamais surgiu em minha mente o desejo, filho da ignorância, de me aprofundar em tão misteriosos fatos. Nem pela pressa, eu ousara perguntar; nem do que ouvira tentara compreender. E assim, tímido e pensativo, ia eu andando.

Obs: não tem figura


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