O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 24 de junho de 2012

O Purg - CANTO XXII

Subindo ao sexto compartimento, Estácio diz a Virgílio que não pelo pecado da avareza, mas pela sua prodigalidade, teve que ficar muito tempo no quinto compartimento; e, por não ter declarado publicamente a sua conversão ao cristianismo precisou ficar muito tempo no quarto compartimento, Virgílio o informa a respeito de muitos ilustres personagens da antiguidade que estão no Limbo. Chegando os Poetas no sexto compartimento, encontram uma árvore cheia de pomos perfumados, da qual saem vozes que louvam a virtude da temperança. Texto do Tradutor.

“O amor cuja chama surge com a virtude"

Já tínhamos deixado para trás o Anjo que apagara da minha fronte mais um P e nos guiara ao sexto círculo. A multidão de almas sedentas de justiça havia também entoado docemente o Beati (Mateus V, 6;”Beati qui esuriunt et sitiunt Justitiam” – Bem-aventurados os que têm fome e sede de Justiça...) e após o sisiunt, silenciado. E eu, mais que do que durante toda a jornada sentindo-me leve, rápido e sem o menor cansaço seguia os dois Poetas que subiam velozes. Conversando com Estácio o Mestre dizia: “O amor cuja chama surge com a virtude, uma vez incendiada se transmite ao outro amor. Desde que foi terminada a trama da vida de Juvenal (poeta italiano, de estilo satírico) e tão logo se juntou ele a nós, no Limbo, me fez saber do afeto que nutres por mim. Assim sendo, quero que saibas que a afeição que sinto por ti é tão intensa, que igual não pode haver entre desconhecidos e o quanto me é agradável seguir contigo nesta escalada. Mas, dize-me – e como amigo me perdoa se em meu falar há abuso de confiança; no entanto, em nome de nossa amizade peço que me responda: como pode a avareza fazer aliança contigo, tendo o conhecimento que adquiristes através de estudos voltados para as coisas espirituais nas quais depositavas cuidados e esperança?”

Estácio, atento às palavras do Mestre, riu, e depois respondeu: “O que perguntaste prova o teu grande afeto por mim. Muitas vezes o conflito da dúvida surge quando se julga pelas aparências, permanecendo assim, enquanto não for esclarecida a verdade. Fica bem claro que acreditas ter sido eu avarento, quando estava no mundo, pelo fato de haver me relacionado com avaros. Saibas pois que a avareza sempre foi por mim repelida e, se alguma vez ela em mim se manifestou, em mínima quantidade que fosse, foi ela punida durante milhares de meses. Minha alma estaria envolta nas agruras infernais, se em vida, não despertasse em mim a atenção na tamanha indignação que nos teus versos via, quando lançaste à face dos mortais a seguinte frase: “A que extremos impele os mortais, ó sacrílega fome de ouro”! Ao possuir bens em excesso, pude aprende a respeito os danos que eles causam, e com isso senti amargo pesar por este pecado e por tantos outros. Quantos chorarão, ao ressuscitarem no dia do Juízo Final, por se verem despidos de tudo e, por não terem durante a existência terrena fugido dessa ambição, nem mesmo na hora extrema, terem dela se arrependido. Saibas que o pecado da avareza e o que lhe é contrário – o do desperdício – aqui são punidos, e recebem o mesmo e justo castigo. Assim, se estive entre essa multidão penitente que chora o vício da avareza, não foi por ter sido avaro e sim, por ter no oposto me excedido gastando sem critério tudo o que adquiria.”.

Disse Virgílio “Quando cantaste a crueldade das armas que duplamente magoaram Jocasta”, (mãe de Etéocles e Polínices, irmãos inimigos que deram origem a Tebas e foi cantado por Estácio no poema “A Tebaida” ) consultando Clio (deusa da história) para obter inspiração, percebo que o ardor da fé ainda não havia te atingido. E para que a alma possa ser salva, as boas ações não bastam; é preciso que elas estejam unidas à fé. Assim sendo, qual foi o sol, qual a estrela que iluminou a tua sombria existência podendo assim seguir os passos do pescador (São Pedro) na conversão?”.

Respondeu Estácio: “Primeiro, tu me deste de beber na doce fonte do Parnaso; e depois de Deus, foste aquele que me fizeste ver a luz da compreensão. Foste como o guia noturno que leva a lanterna a sua frente e nada aproveita em benefício próprio, porém, ilumina os passos de outros, quando disseste: “Os séculos se renovam; justiça e virtude voltam às origens; e nova geração virá do Céu! Espelhando-me em ti, me tornei poeta; através de ti, adquiri a fé. Porém isto deve ser-te explicado, dando ao quadro que desenhei melhor tom às suas cores. Já tinha o mundo inteiro tomado conhecimento da verdadeira fé que os mensageiros do Reino Eterno haviam propagado, e os teus versos há pouco mencionados se adaptavam perfeitamente aos novos ensinamentos. Foi por isso que, os acompanhando, pude reconhecer o verdadeiro bem. Tanta virtude se apresentava nas pregações desses mensageiros que, quando os perseguiu Domiciano, (Imperador romano que reinou do ano 91 ao 96 D.C.) ao pranto deles juntei o meu pranto e, enquanto estive entre os vivos os auxiliei, chegando a admirar seus exemplos de austeridade e a desprezar outras crenças. Mas, antes mesmo de relatar em versos o feroz cerco imposto a Tebas, no batismo cristão eu renascera; porém, por medo ocultei minha sincera fé permanecendo por longo tempo como gentio. Por esse motivo padeci durante tantos séculos no quanto círculo, cumprindo a merecida pena. Tu, pois, a quem muito devo por ter conseguido romper o véu que encobria o verdadeiro bem, agora que me é concedido tempo suficiente para a subida, dize-me, onde se encontra Terêncio; onde está Pauto, e Varro, Cecílio? (Poetas italianos) Dize-me em qual parte do Inferno estão eles, pagando pelas suas culpas”.

Respondeu Virgílio: “Esses, Pércio, eu e muitos outros estivemos sempre em companhia do Grego, o predileto das Musas, (Homero) lá no exílio (no Limbo) no primeiro círculo, onde frequentemente falamos sobre os temas do famoso monte das Camenas. Conosco estão também Eurípides, Anacreonte, Simônides, Agaton e muitos gregos que coroaram a fronte com ramos de louros. (Todos, poetas gregos.) Também estão lá, muitas das heroínas que cantastes: a bela Antígone, (filha de Édipo, rei de Tebas) Deífile (esposa de Tideu) com Argia, (esposa de Polínico) e a sempre tristonha Ismínia (filha de Édipo). Encontra-se lá, aquela que indicou a fonte Langia (Isífile, que mostrou o rio Langia às tropas de Adastro, que estava a morrer de sede), e também Tetis (mãe de Aquiles), a filha de Tirésia (Dáfine) e Deidama em companhia de suas irmãs (filha do rei Licomede)”.

Tendo vencido a trilha da subida, calaram-se os dois poetas e, atentos olhavam ao redor. Para trás já tinham ficado as primeiras quatro horas do dia, e a quinta se unindo ao ardente carro (o sol) as alturas o acompanhando, quando o Mestre disse: “Penso que devemos caminhar seguindo para a direita, como sempre fizemos”. Tendo por mestre a experiência e a confirmação de Estácio, confiantes continuamos a subida.

À frente iam os famosos poetas e eu os seguia escutando as sublimadas palavras da poesia. De repente esse agradável diálogo foi interrompido pois, no meio da estrada encontramos uma árvore carregada de lindos e perfumosos frutos. Chamou-nos a atenção o fato de que, os ramos do pinheiro vão diminuindo de tamanho, de baixo para cima; naquela árvore, ao contrário, seus ramos iam diminuindo de cima para baixo. Supomos que isto aconteçia para que alguém subir, não pudesse. Do lado em que deveríamos passar, jorrava da montanha límpida água que se lançava sobre as folhas em leves gotas.

Estácio e Virgílio iam apressadamente em direção à árvore quando por entre os ramos uma voz gritou: “Não provareis desta doçura!” e continuou: ”Maria se preocupou mais com a honra dos noivos (e sua preocupação não escondeu), do que em se divertir; e por vós ainda responde. (A mãe de Jesus, para honrar a festa dos noivos em Cana, pediu ao filho que transformasse a água em vinho.) Para as antigas romanas, como bebida bastava-lhes a água pura; e Daniel ganhou sabedoria ao desprezar a requintada refeição. (O profeta Daniel, pela sua abstinência adquiriu sabedoria.) Os primitivos tempos, os quais se chamam – idade do ouro – pela fome fizeram os amargos frutos se tornarem saborosos e a ardência da sede transformar a água do mar em néctar. Para o Batista no deserto, foram gafanhotos e mel saborosas iguarias e assim grandiosas obras ele realizou conforme testemunha o Evangelho”.

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