O por quê da "Divina Comédia"

Desde criança sinto verdadeira atração pelas estrelas. Na fazenda de meu pai, - município de Itabuna – Bahia, não havia iluminação elétrica, por isso, enquanto meus irmãos sob a vigilância de meus pais brincavam como qualquer criança, eu, deitada sobre o gramado ficava a contar e descobrir novas estrelas. Achava lindo, o céu! O luar então me deslumbrava e ainda hoje me encanta. Meu pai, meu grande amigo, homem simples mas inteligente e culto, vendo meu interesse em conhecer os mistérios do Universo, me dava como presente tudo o que encontrava de interessante sobre o assunto, como mapas indicando a posição das estrelas e os nomes das constelações; e outros, dentre eles a “Divina Comédia”. Porém não conseguia ler seus versos; dizia que eram escritos “de trás para a frente”, mas sabia que Dante Alighieri tinha ido às estrelas. Então guardei o livro com muito carinho, pensando: quem sabe, um dia... Passaram-se 55 anos até que em Janeiro do ano 2.000, início do 3º milênio, me veio a inspiração: vou ler, e o que for compreendendo, vou escrevendo; tudo manuscrito. Meditei, conversei com Dante, pesquisei História Universal, Teologia, Religião, Mitologia, Astronomia... durante oito anos.
Agora, carinhosamente, quero compartilhar com vocês o resultado desse trabalho, que me fez crescer como mulher e espiritualmente. Espero que gostem.

domingo, 17 de junho de 2012

O PURG - CANTO XXI

Enquanto os dois Poetas continuava no seu caminho uma alma se aproxima deles. É o poeta latino Estácio, o qual explica que o abalo do monte que se deu pouco antes foi o sinal de que, purificado dos seus pecados ele pode subir ao Céu. Sabendo que está falando com Virgílio, Estácio demonstra-lhe o seu afeto. Texto do Tradutor.

“Deus vos conceda a paz, irmãos!”

Atormentado pela sede que é saciada apenas por aquela água que a mulher de Samaria implorou ao Senhor (a água simbólica que a Samaritana pediu a Jesus, isto é, a verdade) e tomado pela comoção ante aquele castigo, embora sabendo ser ele justo apressava eu os passos seguindo pela difícil estrada.

Como escreve Lucas na Sagrada Escritura que, após a ressurreição Jesus aparecera aos dois caminhantes amigos (Evangelho de S.Lucas; XXIV, 13-15), assim uma sombra surgiu. Estando a caminhar contemplando aquela multidão, nem o Mestre nem eu a tínhamos percebido. “Deus vos conceda a paz, irmãos!” – assim falou. Rápido, nos voltamos àquela voz e Virgilio com gesto cortês respondeu a saudação dizendo: “Na paz te receba a feliz assembléia do Santo Reino que a mim desterrou no eterno exílio”. Então ela perguntou: “Como podeis andar como passos animados, se lá no Céu Deus não permite a vossa entrada? Quem vos conduz deste modo, às alturas?”. Respondeu Virgílio: “Os sinais que estão marcados na fronte deste homem, feitos por um anjo, mostram ser ele digno de entrar na eternal morada; mas, como aquela que incessantemente tece não havia ainda terminado a trama que impõe Cloto a quem a existência inicia, (aquela que tece: Laquécia (a vida) não tecera ainda todo o fio que Cloto (a morte) ajuntou e que representa o decorrer da existência humana), essa alma que é irmã tua e minha, sozinha não poderia ter subido até aqui. Pois, não teria conseguido enxergar as coisas eternas como nós, os mortos, as enxergamos. Fui tirado do lugar que faz limite com o Inferno, (do Limbo) para guiá-lo e feliz o farei, até onde é permitido ao conhecimento humano. Agora gostaria de saber, se puderes me explicar por que, há alguns instantes, essa sublime montanha tremeu desde o pico até a base e, imediatamente retumbou da multidão, esse clamor de glória?” .

A pergunta ajustava-se tão bem ao meu desejo que, somente ao ouvi-la me aliviava a ardente sede que apenas a esperança a abrandava. Então a sombra respondeu: “Quanto ao tremor, nada acontece com relação a essa montanha; o contrário é que causaria estranheza, pois aqui mudanças seriam impossíveis. Assim lhe ordena o Céu, assim deve ser cumprido. Nunca chuva, orvalho ou neve cai nesta montanha que passe da altura dos três degraus que estão na escada. (Onde está a porta do Purgatório). Aqui não se vê nuvem clara ou escura, nem a luz do relâmpago, nem se apresenta o colorido da filha de Taumante que permanece por pouco tempo. (Isis, mensageira de Juno; foi transformada em arco-íris.) Jamais além daqueles três degraus onde domina o sucessor de Pedro, (o Anjo) em instante algum, se eleva nem sequer neblina. A montanha treme apenas em sua base talvez por força de ventos ocultos que não sei como lá se mantêm porém, não atinge seu cume; somente quando uma alma sentindo-se purificada se movimenta em direção aos Céus é que ela treme por inteiro devido ao festivo e clamor. Este desejo de vibrar sempre existiu mas, contra essa vontade a Divina Justiça lhe impede os movimentos assim como à inclinação ao pecado, corresponde a pena. Eu, que em sofrimento esperei quinhentos anos e momentos atrás fui libertado sinto-me agora livre indo em direção à morada Celestial. Eis portanto o que motivou o tremor e os brados de glória! É porque cada alma aguardando ser chamada roga ao Senhor, cantando Seus louvores!”

E como aquele a quem, quanto maior é a sede tanto mais satisfação sente ao beber, assim indizível prazer senti, escutando-o. Disse Virgílio: “Agora vejo a rede que vos prende e depois o liberta e de onde procede, o tremor e o júbilo. Mas, se a verdade não te constrange, dize-nos quem foste tu e a causa que te fez passar tantos séculos em sofrimento”.

Respondeu a sombra: “No tempo em que o bom Tito, protegido pelo Supremo Deus , vingou as chagas que verteram o sangue Daquele que foi vendido por Judas (o Imperador Tito destruindo Jerusalém, vingou a morte de Jesus Cristo) eu ainda estava vivo. Me deram-me o nobre título que me fez famoso, porém não me vieram as luzes da fé. O som dos versos foi tão agradável, que de Tolosa fui chamado a Roma. Glorioso, recebi coroas de mirto. O nome de Estácio ainda domina o tempo! (O poeta latino Papinio Estácio, autor de “Tebaida”; morreu em 96 D.C.). Cantei todas e cantava Aquiles, quando a este esforço me exauriu o físico. No vivo ardor que me invadiu a mente, a causa estava na flama divina que em milhares de idéias fluíram. Na Eneida me alimentava; inspirado, bebi até a última gota e o quanto pude me servi de tudo o que da Eneida derivava. E para existir no mundo no tempo em que Virgílio viveu, te afirmo, que passaria um ano a mais daqueles que tive de cumprir, os quais estou deixando o penoso exílio”.

Ouvindo estas palavras, Virgílio me olhou. E sem nada pronunciar, dizia: “Cala-te!” Mas nem sempre se pode dominar a vontade. Quando o sentimento se anuncia, no pranto ou no riso ela se manifesta, tanto que nos sinceros, a arte de disfarçar se torna mais difícil; assim não pude esconder um leve sorriso. Tendo percebido a minha sutil manifestação, calou-se o espírito e, fitando-me profundamente nos olhos, local onde mais se compreende os sentimentos, disse: “Sejas feliz na sua excelsa intenção! Porém, queira explicar-me por que em teu rosto vi, por um instante, disfarçado sorriso”.

Entre dois sentimentos estava eu posto; um me exigia o “silêncio” e o outro me estimulava a falar. Então, sem saber como deveria agir, suspirei! Meu Mestre percebendo minha difícil situação, disse: “Fala! Que fique bem clara a verdade que ele deseja saber”.

Então falei: “Se meu riso causou estranheza ao ilustre espírito, provavelmente maravilhado ficarás ao ouvir o que tenho a revelar. Este que me guia ao Paraíso é Virgílio; dele recebeste a inspiração necessária para cantar os feitos de deuses e heróis. Se outra causa atribuíste ao meu riso, te enganaste! O verdadeiro motivo está nas palavras que disseste a seu respeito”.

Então, ia Estácio se colocando aos pés do amado Mestre para abraçar-lhe as pernas, quando este falou: “Irmão, que fazes? Lembra-te, que és sombra e estás ao lado de outra sombra”. Erguendo-se disse Estácio: “Tanto me extasia a admiração que sinto por ti, que a vaidade humana me fez esquecer que somos sombras; e pretendia tratar sombras como se fossem corpos”.

Obs: Não tem figura

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